Duas notas divulgadas nesta terça-feira expõem o desgaste que causou à TV Cultura a decisão de abrigar o programa Manhattan Connection.
Na primeira, publicada no site O Antagonista, o comentarista Diogo Mainardi anuncia que pediu demissão da produção e responsabiliza a TV Cultura: “Desde a quarta-feira da semana passada, quando xinguei o lulista Kakay, a TV Cultura estava pressionando os produtores do Manhattan Connection, a fim de que tomassem alguma medida contra mim”.
Na segunda nota, a TV Cultura responde a Mainardi, sugerindo que não teve nada a ver com a demissão: “O pedido de demissão de Diogo Mainardi do programa Manhattan Connection é um assunto interno da produtora. A TV Cultura lamenta o ocorrido e deseja sucesso ao profissional”.
Kakay é o conhecido advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, convidado do Manhattan Connection que foi xingado por Mainardi no finzinho do programa exibido na quarta-feira passada (28).
Por decisão do canal, o palavrão dito pelo comentarista foi coberto por um sinal sonoro, mas deu para entender o que ele disse.
Ao se referir a uma produtora, a TV Cultura quis dizer que o programa é feito externamente, isto é, não é uma produção própria.
A TV Cultura pode não ter pedido uma punição a Mainardi, mas na quinta-feira da semana passada informou que “[o canal] não concorda com o ocorrido e já tomou providências junto à empresa produtora do Manhattan Connection”.
Quais providências teriam sido essas? Segundo uma fonte, a Cultura queria que Mainardi se retratasse da ofensa a Kakay, o que não ocorreu.
Qualquer que seja o bastidor deste episódio, ele só mostra como é problemático uma emissora pública manter em sua grade um único programa terceirizado de comentário e análise política.
Em fevereiro, Mainardi se referiu ao ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad como “poste de ladrão” e “imbecil”. Na ocasião, a TV Cultura usou o vídeo desse trecho na promoção do Manhattan Connection.
A liberdade de imprensa é um dos 12 valores descritos no Código de Ética da Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura. No documento estão mencionados, com igual peso, o combate ao discurso de ódio, o respeito ao contraditório, a tolerância política e o respeito ao interesse público.
Problema semelhante afeta a decisão da TV Brasil de comprar os direitos de exibição da novela bíblica “Os Dez Mandamentos”. Além dos problemas já mencionados numa coluna anterior, em especial a afronta ao princípio da laicidade do Estado, também há dúvidas sobre as condições do negócio com a Record.
A emissora paulista não concordou com a inclusão no contrato de uma limitação ao seu direito de reprisar a novela enquanto ela estivesse sendo exibida pela TV pública. Como ambas são emissoras abertas, e a Record tem um público cativo muito maior, seria uma desvantagem competitiva para a TV Brasil se as duas apresentassem “Os Dez Mandamentos” ao mesmo tempo.
Segundo Lauro Jardim, do jornal O Globo, um estudo técnico da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que gere a TV Brasil, alertou sobre a existência desse problema antes de o negócio ser fechado.
Nesta segunda-feira, menos de um mês depois da estreia da novela bíblica na TV Brasil, a Record informou que ainda em maio dará início a uma reapresentação da obra no seu canal. Procurei a emissora no mesmo dia, querendo saber como a emissora via esta situação, mas não tive resposta até o final do dia seguinte.