sábado, 5 de dezembro de 2020

SENADO Sugestões aos prefeitos e vereadores, Marcos Mendes, FSP

 Findam as eleições, e a velha pergunta retorna: como fazer uma boa gestão das cidades? Aqui vão oito sugestões.

1 - Copie

campanha eleitoral é rica em propostas inovadoras, que tentam chamar a atenção dos eleitores. Na hora de governar, contudo, o mais eficiente não é inovar, e sim copiar. Inovar, em qualquer atividade, é um processo de tentativa e erro, com mais erros que sucessos. Em quatro anos de mandato, um prefeito pode perder muito tempo à procura de uma inovação que funcione.

Temos 5.570 prefeituras tentando, ao mesmo tempo, solucionar problemas similares. Boas soluções já podem ter sido encontradas em outros lugares. Copie e adapte às condições do seu município. Política pública não tem direito de patente.

2 - Faça o básico primeiro

A função essencial de uma prefeitura é gerar ambiente urbano saudável e eficiente: calçadas sem buracos, prevenção a enchentes, iluminação pública, coleta e destinação do lixo, professores ensinando e alunos aprendendo em escolas limpas e organizadas, postos de saúde abertos e com profissionais e materiais disponíveis, transportes coletivos pontuais e com rotas racionais.

Serviços básicos de qualidade aumentam a igualdade de oportunidades, evitam tragédias e atraem empresas e empregos.

No afã de resolver o problema individuais e imediato dos cidadãos, a tendência é criar políticas de atenção aos mais necessitados. Mas deixar o básico de lado também prejudica os pobres, como nas enxurradas nas favelas ou nas horas perdidas em ônibus lotados.

3 - Coopere

Cuidar do básico não significa abandonar a política social. A prefeitura pode ser eficaz executora das políticas compartilhadas com a União e os governos estaduais.

Por exemplo, cabe aos municípios registrar as famílias no Cadastro Único de políticas sociais, que é a base para o pagamento do Bolsa Família e de uma dezena de outros programas sociais. Manter um cadastro preciso, abrangente e atualizado ajuda muito os pobres do município.

A boa gestão descentralizada do SUS e das medidas assistenciais federais que vêm pela via da educação (merenda, material e transporte escolar) combina o “fazer o básico” com a atenção social.

4 - Competir da forma correta

Nas últimas décadas, prefeituras têm tentado atrair empresas e empregos por meio de benefícios tributários e subsídios, muitas vezes ilegais. Isso afeta a segurança jurídica, cria distorções econômicas e desigualdade. A guerra fiscal cria ganhos de curto prazo, mas acaba prejudicando a todos.

A competição adequada se dá pelo lado das boas políticas públicas, oferecendo uma cidade funcional e com boa qualidade de vida. Há vários rankings, como o do CLP, da Firjan, ou o do CFA, que permitem aos gestores visualizar suas fraquezas e focar a melhoria da gestão e competitividade.

5 - Digitalize

A execução fiscal e a prestação de contas têm legislação intrincada e exigente. Para não se afogar em burocracia, digitalize e integre as informações de arrecadação, orçamento, gastos e controle. Quem tem os números nas mãos administra melhor e evita punições.

6 - Peça ajuda

A União e os governos estaduais têm diversos manuais e assessorias para ajudar os prefeitos a formalizar um convênio, obter autorização para empréstimo, fazer os demonstrativos exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal ou montar uma parceria público-privada. Organizações municipalistas e do terceiro setor estão disponíveis para auxiliar, de graça, em políticas específicas, com cursos e propostas para saúde, educação ou gestão.

7 - Cuide da folha

Municípios são provedores de serviços intensivos em mão de obra. Errar na mão ao contratar e fixar salários quebra a prefeitura. Previdência municipal desequilibrada draga recursos das políticas públicas e precisa ser reformada.

8 - Não se vitime

Não é verdade que a arrecadação esteja concentrada na União, e os municípios, de pires na mão. Em comparação internacional, nossos municípios se destacam por terem grande participação na receita. Município quebrado no Brasil é resultado de má gestão, e não de falta de recursos. Gaste mais tempo trabalhando na sua cidade e menos tempo reclamando em Brasília.

Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

Documentário mostra como empresas faturam ao levar areia do Saara Ocidental para a Espanha, FSP

 A areia que preenche a praia de Mogán, nas Ilhas Canárias, na Espanha, veio do Saara. Mais especificamente do Saara Ocidental, uma região que busca a independência do Marrocos, mas é alvo de repressão.

Em dezembro, por exemplo, um carregamento de 1.250 toneladas do material veio daquela região, mostra uma das investigações jornalísticas retratadas no documentário "Ocupación S.A.". "A economia das Canárias se move principalmente pelo turismo e pela construção. E ambos se nutrem da areia do Saara", comenta a jornalista Natália Vargas, entrevistada no filme.

Praia nas Ilhas Canárias, na Espanha
Praia nas Ilhas Canárias, na Espanha, em cena do filme - Reprodução

Esse documentário, co-produzido por equipes de Espanha e do Brasil, será lançado online na quinta-feira (10) e ficará disponível em seguida no site Mundubat, com acesso gratuito.

A produção parte de investigações que analisam uma série de negócios do país europeu no Saara Ocidental. Cada setor vai sendo destrinchado a partir de depoimentos de jornalistas, pesquisadores e pessoas envolvidas, intercalados com infográficos e animações para explicar a história daquele território.

Os relatos mostram que se trata de uma questão complexa: como o Saara Ocidental é considerado uma área em disputa, há restrições para negócios com aquela região, determinadas pela União Europeia.

Para driblar os bloqueios, as empresas estrangeiras recorrem a estratégias, como ter proximidade com políticos espanhóis de esquerda e de direita e fazer os produtos vindos do Saara mudarem de mãos muitas vezes.

Com isso, os europeus ficam sem saber de onde vem a areia da praia ou o polvo cozido do jantar. Só a importação de pescados do Saara Ocidental rumo à Espanha movimenta 1,6 bilhão de euros anuais (cerca de R$ 10 bilhões), segundo os entrevistados.

Assim, com uma série de exemplos, o filme busca mostrar que a ocupação do Saara gera muitos lucros para as empresas espanholas e para o governo do Marrocos, enquanto a população da área ocupada, cerca de 650 mil pessoas, não se beneficia das riquezas de sua própria terra e é reprimida ao questionar a situação atual.

Companhias espanholas vendem combustíveis e armamentos, muitas vezes de modo disfarçado, às autoridades marroquinas. Essas armas acabam usadas para conter os protestos por independência. O filme mostra relatos de ativistas que tiveram ferimentos graves feitos pela polícia e que se exilaram em busca de uma vida mais segura.

Protesto pela independência do Saara Ocidental, realizado em Málaga, no sul da Espanha - Jorge Guerrero - 28.nov.20/AFP

Algumas das empresas citadas responderam ao documentário que não fazem nada ilegal. Já a maioria delas preferiu não comentar.

O Saara Ocidental, com 266 mil km² de território (um pouco maior que o Piauí) e quase todo desértico, é uma ex-colônia espanhola. Nos anos 1960, foram descobertas ali reservas de fosfato, material usado em fertilizantes, o que aumentou o interesse sobre a área. No fim da ditadura de Francisco Franco, na década de 1970, os moradores locais tentaram a independência, mas o Marrocos invadiu a região. A Espanha, que retomava sua democracia, não contestou.

Em seguida, houve uma guerra de cerca de 15 anos entre os sauaris e os marroquinos, que terminou com um cessar-fogo em 1991. O acordo previa a realização de um plebiscito para que os sauaris decidissem se queriam se unir ao Marrocos. No entanto, a votação não foi realizada até hoje, por falta de acordo sobre como fazê-la, já que o governo marroquino enviou muitos colonos para morar na região.

A Frente Polisário segue lutando pela independência. Em novembro deste ano, o grupo acusou o governo do Marrocos de violar o cessar-fogo ao realizar uma operação militar para liberar uma estrada ocupada pelos separatistas, no que pode dar início a um novo ciclo de confrontos.

OCUPACIÓN S.A.

  • Quando Estreia em 10/12
  • Onde Sites mundubat.org ou forward-films.com
  • Preço Grátis
  • Produção Espanha e Brasil
  • Direção Laura Daudén e Sebastián Ruiz Cabrera
  • Duração 41 min.

Análise da política não é 'ciência de foguete', mas... FSP

 

George Avelino

Professor, doutor em ciência política pela Universidade de Stanford (EUA) e coordenador do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas-SP (FGV Cepesp)

Com o término das eleições, este é o último artigo da coluna Voto a Voto. Durante 12 semanas, os pesquisadores do FGV Cepesp procuraram demonstrar a importância da análise baseada em evidências para a melhor compreensão das eleições e do nosso sistema político, explorando as regularidades apresentadas pelos dados.

Naturalmente, essas análises serão mais precisas quanto maior for a quantidade de dados. A boa nova é que esses dados começam a estar organizados e acessíveis.

Os artigos desta coluna também partiram de um pressuposto simples: os políticos são atores racionais e coletivamente respondem a incentivos, o que permite prever suas ações com razoável grau de acerto. Por exemplo, retornando ao primeiro artigo, a aposta foi que a pandemia, ao restringir a campanha eleitoral, daria maior vantagem aos prefeitos, encorajando-os a reverter a tendência declinante no número dos que tentavam se reeleger e eram bem-sucedidos na empreitada.

Assim, em 2020, dos 4.280 prefeitos eleitos em 2016 que poderiam se recandidatar, 3.214 (75,1%) o fizeram e, desse grupo, 1.993 (61,5%) foram bem-sucedidos. Ao longo das quatro eleições, é possível observar que a queda tanto nas tentativas de reeleição como no sucesso se reverteu em 2020, retomando padrão similar à 2008. Portanto, dadas as circunstâncias da pandemia, a reeleição dos prefeitos foi uma marca esperada destas eleições.

Além da pandemia, outro aspecto importante foi o fim das coligações para as eleições legislativas —vereadores e deputados. O fim das coligações afeta as chances dos partidos de atingirem a cláusula de barreira em 2022 para acesso aos fundos públicos, determinada principalmente pelo desempenho nas eleições para deputado federal. Como as eleições para deputados sofrem influência das eleições municipais, o fim das coligações criou incentivos para que os partidos lançassem mais candidatos, acarretando o recorde de mais de 500 mil! Ao mesmo tempo, vários candidatos estimaram que seus partidos não teriam condições de superar a cláusula de barreira em 2022 e já mudaram de partido, resultando na redução das coligações para prefeito e no número de partidos lançando candidatos a vereador. Estes últimos pontos sugerem que os políticos têm estimadores sobre o futuro e agem de acordo com eles, tal como qualquer um de nós.

Sendo assim, o que esperar para as eleições de 2022? Seria possível sugerir pelo menos dois pontos. Primeiro, como essas eleições apenas remanejaram os resultados entre os vencedores de 2016, com alguns ganhos para os partidos do centro e direita do espectro ideológico e perdas para a esquerda, a Câmara dos Deputados eleita deverá ser parecida com a atual, exceto pela esperada redução no número de partidos, determinada pela cláusula de barreira, e o encolhimento da bancada do PSL pela saída de Bolsonaro. O segundo é que alguns partidos conhecidos como o PC do B, a Rede e o Novo estão em má posição para atingir a cláusula de barreira.

Voltando ao início, sabemos ser impossível extrair da análise política a precisão que caracterizam outras ciências, particularmente as “ciências de foguete”. Entretanto, o uso de dados e pressupostos simples nas análises podem tornar a política bem mais compreensível e, esperamos, igualmente apaixonante.

Voto a Voto

Esta coluna é uma parceria da Folha com o Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cepesp).

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