quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Governo quer R$ 25 bi em microcrédito para mitigar fim do auxílio emergencial, OESP

 Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo

12 de novembro de 2020 | 05h00

BRASÍLIA - O governo pretende criar um programa de microcrédito para os trabalhadores informais que vão deixar de receber o auxílio emergencial – cuja vigência expira no fim do próximo mês. O assunto foi discutido pelo ministro da CidadaniaOnyx Lorenzoni, na última terça-feira, com o presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a Caixa Econômica Federal, banco oficial que foi responsável pela operação do pagamento do auxílio, já tem condições hoje de oferecer R$ 10 bilhões para financiar a nova linha de crédito. Esse valor, porém, poderia chegar a R$ 25 bilhões com a implementação de outras medidas em estudo. Para os beneficiários, o valor do empréstimo pode ficar entre R$ 1,5 mil e R$ 5 mil.

Onyx Lorenzoni
Onyx Lorenzoni esteve com presidente do BC na terça-feira para discutir o assunto. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O fim do auxílio emergencial é uma convicção no Ministério da Economia. A avaliação do governo é de que não há espaço fiscal para dar mais dinheiro a fundo perdido aos informais. Por isso, a meta seria ajudá-los a ter autonomia para trabalhar.

O foco do governo está no chamado grupo dos “invisíveis”, que estão na informalidade e que, até então, não recebiam ajuda oficial – e que podem ficar sem nenhum benefício a partir de 1.º de janeiro. São pelo menos 38,1 milhões de brasileiros nessa situação. Paralelamente, o governo ainda tenta costurar um novo programa social para substituir o Bolsa Família e abarcar uma parcela maior de beneficiários.

Para defender a criação do novo programa de microcrédito, o governo tem citado exemplos de beneficiários do auxílio emergencial que usaram o dinheiro para comprar equipamentos necessários para o trabalho durante a pandemia. 

Compulsórios

Uma das medidas em discussão para fazer com que o valor disponível salte dos R$ 10 bilhões para até R$ 25 bilhões é aumentar a parcela dos recursos que os bancos são obrigados a deixar no BC – os chamados “depósitos compulsórios” – e que poderiam ser direcionados aos empréstimos de microcrédito.

Além disso, o Ministério da Economia avalia a possibilidade de reforçar as garantias disponíveis para dar suporte a esses empréstimos. O tema está em discussão entre a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e o Ministério da Cidadania, para que seja uma “porta de saída” para que trabalhadores informais se formalizarem como Microempreendedor Individual (MEI). Ao conseguir esse registro, os trabalhadores passam a contribuir ao INSS e, consequentemente, a ter acesso a benefícios previdenciários. 

Desde o início do governo, o presidente do BC abraçou a agenda do microcrédito. Na Medida Provisória do Emprego Verde Amarelo – que pretendia incentivar contratações de jovens e acabou perdendo validade antes de ser votada pelo Congresso –, havia uma proposta de estímulo ao microcrédito. Agora, segundo apurou a reportagem, um das possibilidades é remanejar parte do direcionamento dos compulsórios do setor agrícola para o microcrédito.

Do lado das garantias, há a possibilidade de reforçar os fundos garantidores FGO (administrado pelo Banco do Brasil) e FGI (gerido pelo BNDES). Os fundos garantidores cumprem um papel importante porque dão a cobertura necessária aos bancos em caso de calote. O público de baixa renda enfrenta hoje restrições no acesso a crédito justamente porque não têm como oferecer garantias às instituições financeiras, como contrapartida ao risco de inadimplência.

Para bancar novos aportes nos fundos garantidores, será preciso encontrar espaço fiscal no Orçamento de 2021. Costuras estão sendo feitas no Congresso para abrir espaço nas despesas e viabilizar o repasse dos recursos do Tesouro aos fundos. Tanto na Câmara quanto no Senado há ressonância para que isso seja atingido.

Críticos da medida, no entanto, temem que o incentivo ao registro dos trabalhadores como microempreendedor individual acabe incentivando a “pejotização” e formatos de trabalho mais precários. Procurado, o Ministério da Cidadania não respondeu. O BC também não comentou.

Como mostrou o Estadão, outra ideia em estudo é tornar permanente o Pronampe, programa de socorro para micro e pequenas empresas, considerado bem-sucedido. O projeto da terceira fase do programa em tramitação no Senado deverá sofrer modificações. O mais provável é que não haja essa terceira fase em 2020 e o Pronampe já nasça permanente em novas condições de taxas de juros e garantias para 2021.

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138 mil trabalhadores pedem R$ 15 bilhões em ações ligadas à crise, FSP

 11.nov.2020 às 23h15

SÃO PAULO

A pandemia deve deixar um grande passivo trabalhista para o já sobrecarregado sistema judicial brasileiro. Até o momento, o número de ações que citam a pandemia em seus pedidos iniciais já chegam a 138 mil na Justiça do Trabalho.

Somadas, essas ações alcançam quase R$ 15 bilhões em verbas trabalhistas.

Levantamento feito a pedido da Folha pela Datalawyer, criador do “Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho”, aponta que 14.604 processos trabalhistas citam a Medida Provisória 936 ou a regra originada nela, a lei 14.020, que permitiu aos empresários suspender contratos de trabalho ou reduzir jornada e salário de seus funcionários.

Caio Santos, diretor-executivo da Datalawyer, diz que é possível identificar apenas a menção das normas nos pedidos iniciais feitos por trabalhadores. Portanto, não é possível afirmar que em todas houve algum tipo de irregularidade nos acertos de demissões, por exemplo. O número ajuda, porém, a dar dimensão do potencial de novos processos.

Ao utilizar essas medidas emergenciais, os empresários se comprometiam a não demitir seus funcionários enquanto eles estivessem com contrato reduzido ou suspenso e, a partir do retorno, por um período igual ao da vigência da redução ou suspensão.

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Para demitir sem justa causa nesse período de garantia de emprego, é necessário pagar uma indenização extra, encarecendo a rescisão. No país, 1,457 milhão de empregadores fizeram 19 milhões de acordos de redução de jornada e salário ou suspensão de contratos com seus funcionários para reduzir custos durante a crise.

Para a advogada Caroline Marchi, sócia trabalhista do Machado Meyer, a primeira questão relacionada à lei passível de judicialização é justamente o cálculo da indenização para a demissão de funcionários no período de vigência do acordo.

Em São Paulo, a flexibilização da quarentena permitiu a reabertura dos restaurantes; os meses de portas fechadas, porém, resultou em fechamentos e demissões - Rubens Cavallari-06.ago.20/Folhapress

“Fiz o acordo para adotar a medida por 90 dias, mas vi que é melhor encerrar em 60 dias e demitir. Vou ter que indenizar, mas eu incluo os 30 dias restantes? Essa é uma discussão importante, de qual é a base de cálculo”, afirma.

O prolongamento da crise também começa a enfraquecer as vantagens da aplicação das medidas. A advogada diz que tem visto clientes optando por não renovar políticas de suspensão de contrato ou redução de salário e jornada para evitar compromisso com a estabilidade.

“Houve um opção até por suspender contratos de pessoas de grupo de risco, por exemplo, mas passa todo esse tempo e a pandemia não vai embora. Vai chegar uma hora que as pessoas vão ter garantia de emprego até além do meio do ano que vem”, afirma.

Essa perspectiva é o que, na avaliação do advogado Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, coloca em dúvida a legalidade da garantia de emprego.

O governo Jair Bolsonaro já prorrogou por três vezes a aplicação da medida. Quando foi apresentada na MP 936, ela valeria por até dois meses para a suspensão de contrato, e até três para a redução de jornada e salário.

A situação econômica ainda cambaleante e a adesão menor do que o Ministério da Economia projetou inicialmente fizeram com que, atualmente, as medidas cheguem a oito meses ao todo. Um trabalhador que fique com o contrato suspenso ou a jornada reduzida até dezembro deste ano, por exemplo, terá garantia de emprego até agosto de 2021.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Marcelo Coelho Por que há tantos pobres, desempregados e 'losers' que votam em Trump?, FSP (definitivo)

 A recusa de Donald Trump em aceitar sua derrota é tão ridícula, e tão coerente com seu perfil psicológico, que, no fim, estou torcendo para que continue por um tempo.

Acho que terá o efeito de isolá-lo mais e de fortalecer o lado minimamente pragmático do Partido Republicano.

Trump, como sempre, aposta na divisão e no radicalismo —o que tendia a ajudá-lo quando estava forte. Mas a coisa muda quando ele se sente ferido.

Por mais indigno e absurdo que seja o comportamento de um presidente, o próprio cargo é capaz de lhe conferir certa legitimidade. Algum respeito pelos símbolos —a bandeira, o palácio, o carro oficial, os seguranças— se transfere para o ocupante da Presidência, mesmo que ele faça tudo para não ser levado a sério.

"Mister president! Mister president!" —essas simples palavras, mesmo se pronunciadas pelo mais crítico dos repórteres, já modificam um pouco a realidade deprimente, a palhaçada abjeta, a imbecilidade inflacionada.

Ilustração com dois perfis espelhados. No lado esquerdo, há um rosto branco com rachaduras e, no lado direito, um rosto branco inteiro com cabelos loiros. Há uma linha preta no meio da composição
André Stefanini/Folhapress

Insistindo em ser tratado como vencedor, Trump se vê destituído dessa aura oficial.

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Os grupos extremistas e fanáticos que apoiam Trump continuarão em sua cruzada, certamente. Vivem em outra realidade. Mas era diferente quando o fanatismo se via confirmado pelos fatos reais, e pelos votos que deram a Trump a Presidência em 2016.

O membro mais maluco de uma minoria supremacista estava coberto, e protegido, pelo fato de que Trump vencera a eleição. Agora, o mecanismo se inverte: é Trump quem precisa da cobertura dos mais fanáticos. E isso dificulta as coisas.

Afinal, o fascista médio tem, sobretudo, adoração pela força, pelo poder, pela truculência. Um líder enfraquecido, choramingão e acuado nunca é tão sexy. Para usar uma palavra tão ao gosto dos americanos e da direita, Trump vai se transformando naquilo que ele mais despreza —o "loser", o perdedor, o fracassado.

Fico pensando por que políticos de extrema direita, dedicados explicitamente a beneficiar apenas o 1% mais rico da população, acabam fazendo sucesso entre muita gente pobre, sem chance nenhuma no chamado sistema "meritocrático".

A razão talvez seja, simplesmente, a de que esses eleitores não querem ver o que são de fato. Receber ajuda do governo, ter acesso a educação e saúde gratuitas talvez lhes pareça um rebaixamento, uma humilhação. Votariam em Trump, assim, por amor próprio. "Não sou um pobre coitado." Maldito seja o esquerdista "de bom coração" que me vê desse modo!

Destituído de tudo, ameaçado de perder a casa, mergulhado em dívidas, desempregado e burro, esse eleitor tem um único patrimônio: sua crença no livre mercado, na competição e na meritocracia.

É algo que pode ostentar de comum com Trump e todos os milionários que este simboliza.

Há outra coisa, entretanto.

Esse eleitor tem mais um tesouro que ninguém vai tirar: é branco. Sua raça é o que o afasta da desgraça completa; bem-vindo o presidente que não o confunde com negros e latinos.

Espero, naturalmente, que num futuro próximo todas as aberrações que Trump estimulou e legitima, nos Estados Unidos e no resto do mundo, entrem em declínio.

Tomara que o bando de malucos que até agora se beneficiaram de alta projeção pública venha a se recolher na própria e merecida insignificância.

Ia dizer: que todos voltem para o buraco de onde saíram.

Mas eles tiram força de uma parcela da população importante. Nesse caso, não se trata de mandar milhões de iludidos e idiotas de volta ao buraco; trata-se de tirá-los de lá.

O desempregado fascista, o pequeno empresário falido, o evangélico fanático, o racistazinho adolescente, a dona de casa que admira torturadores e milicianos não podem ser vistos, a meu ver, como "caso perdido" para a política de esquerda.

Há derrota, sofrimento e desamparo em cada uma dessas pessoas. Para elas, certamente fazem pouco sentido nossas mensagens de "justiça social", "igualdade" e "direitos humanos". Meu impulso é desprezar gente assim.

Mas é preciso encontrar outro caminho. A vitória de Biden foi precária, sabemos disso. Muita imaginação será necessária para entender e conquistar os pobres de direita; sem isso, o fascismo não se vence.

Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.