terça-feira, 13 de outubro de 2020

Cristina Serra A fraude do boi bombeiro, FSP

 Discreta e cordial no trato, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tenta dar algum verniz de credibilidade às mesmas barbaridades ditas por seu colega do Meio Ambiente, o desclassificado Ricardo Salles. Ambos são sócios na novilíngua bolsonarista que criou um tal de “boi bombeiro”.

Isso é conversa para boi dormir. Em português cristalino, é mentira que o fogo no Pantanal se deva à falta de boi para comer o mato seco. O rebanho na região aumentou nos últimos 20 anos. A verdade é que o governo não tomou medidas de prevenção adequadas, não deu importância aos alertas da ciência sobre secas mais intensas e a polícia investiga a origem das queimadas em grandes fazendas. É preciso dar nome aos bois.

Quando deputada e presidente da frente parlamentar da agropecuária —conhecida como bancada do boi—, a ministra se notabilizou pela pauta anti-indígena, no que faz jus ao DNA familiar. Conforme reportagem do site “De olho nos ruralistas”, a história de seus antepassados se confunde com o poder em Mato Grosso desde o fim do século 19 (o estado foi dividido em dois em 1977 e ela fez carreira política em Mato Grosso do Sul).

O avô da ministra, Fernando Correa da Costa, quando governador, fez o que pôde para evitar a demarcação do Parque Indígena do Xingu, proposto pelos irmãos Villas Boas.

No governo, a ministra tem executado a pauta do setor mais atrasado do agronegócio. Ela chama agrotóxicos —liberados em quantidade recorde sob Bolsonaro— de “remédio de planta”. Recentemente, investiu contra o Guia Alimentar para a população brasileira, válido desde 2014, que desencoraja o consumo de produtos ultraprocessados.

O documento foi elaborado pelo Ministério da Saúde com base em estudos científicos que a ministra tenta desqualificar. Como diz o ditado popular, boi sonso é que derruba a cerca. E onde passa boi, passa “boiada”.

Cristina Serra

Cristina Serra é jornalista.

Cristina Serra

A fraude do boi bombeiro

Hélio Schwartsman Bem-vindos ao clube, FSP

 O ministro Marco Aurélio Mello agiu bem ao determinar a soltura de um dos chefões do PCC? Se você, dileto leitor, pensa que ele extrapolou, seja bem-vindo ao clube do consequencialismo, corrente filosófica que, devido a uma campanha de propaganda negativa, não goza da melhor das reputações, ainda que funcione bem em grande parte das situações.

O problema com a posição de Marco Aurélio é que, pela letra da lei, ela é corretíssima. Sob a perspectiva da deontologia, a escola rival do consequencialismo, devemos obediência apenas à legalidade, independentemente das consequências. Immanuel Kant, o representante maior dessa corrente de pensamento, disse tudo quando escreveu “fiat iustitia, et pereat mundus” (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça).

E, no ano passado, o Congresso adicionou ao artigo 316 do Código de Processo Penal um dispositivo que corretamente obriga as autoridades judiciais a renovar a cada 90 dias a fundamentação para manter uma prisão preventiva, sob pena de torná-la ilegal. Não fizeram isso no caso do líder pececista, e aí Marco Aurélio fez “iustitiam”.

Para contestar a kantiana decisão do magistrado, é preciso abandonar a legalidade estrita e sorver um pouquinho de consequencialismo: não é prudente utilizar uma interpretação mecanicista da lei para pôr em liberdade alguém que representa perigo físico para a sociedade e que, na primeira oportunidade que teve, tornou-se um foragido. Vale observar que preservar a segurança pública e evitar a possibilidade de fuga são, pela lei, razões que justificam a prisão preventiva.

É claro que Marco Aurélio poderia ter optado por um caminho menos conspícuo. Sem trair o espírito da lei, ele poderia ter exigido que o procurador e o juiz do caso se manifestassem ou ter levado a questão ao pleno do STF, para fixar os limites do novo dispositivo, mas aí Marco Aurélio não teria sido Marco Aurélio.