domingo, 11 de outubro de 2020

Ao alterar o regimento do STF, Fux limitou o alcance da jabuticaba das duas turmas da corte, Elio Gaspari, FSP

 Ao alterar o regimento do Supremo Tribunal Federal levando para o plenário questões penais que envolvem maganos com foro privilegiado, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, limitou o alcance da jabuticaba das duas turmas da corte.

Com a provável chegada de Kassio Nunes à Segunda Turma, no lugar de Celso de Mello, Gilmar Mendes reinaria absoluto. Com o seu voto, o de Kassio, mais o de Ricardo Lewandowski, formariam maiorias automáticas, inclusive nos processos da família Bolsonaro.

Isso no varejo. No atacado, Fux fez muito mais, pois as turmas do Supremo são uma jabuticaba criada no século passado. Não há no mundo corte constitucional renomada que decida em turmas. A Constituição diz que os ministros são 11 e 11 deveriam ser os ministros que decidiriam. Gilmar Mendes não gosta que se busquem paralelos na Corte Suprema dos Estados Unidos, mas lá só há turmas quando os juízes fazem ginástica no último andar do prédio.

A providência é tão cristalina que Gilmar Mendes não gostou, mas votou a favor da mudança, decidida por unanimidade.

A provável chegada de Kassio Nunes ao tribunal, com seu currículo e seu percurso, obrigará Fux e seus colegas a trabalhar para recolocar a composição nos trilhos. Limitando o poder das turmas, a bola volta ao centro do campo e as decisões que envolvem maganos com foro privilegiado vão para o plenário. A menos que se faça uma pirueta, muita coisa poderá acontecer em função dessa mudança e mudará a qualidade da proteção de réus condenados por malfeitorias e roubalheiras. Aquilo que poderia ser resolvido com três conversas, precisará de pelo menos seis.

PAES E O ÓBVIO

Com a segurança de um banqueiro alemão, doutor Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio e candidato a um remake, anunciou: “Não faria a ciclovia da Niemeyer. É óbvio. É uma área frágil, entre o mar e a encosta. Morreram duas pessoas”.

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Paes usa a expressão “é óbvio” de um jeito que os outros parecem bobos e ele, esperto. O mar e a encosta já estavam lá quando ele resolveu fazer a ciclovia Tim Maia, “a mais bonita do mundo”, nas suas palavras. Quando ela desabou, em 2016, ele pontificou: “É óbvio que, se essa ciclovia tivesse sido feita de forma perfeita, nós não teríamos essa tragédia, esse absurdo”. A ciclovia foi licitada, contratada e fiscalizada por seu governo.

Prefeito do Rio de 2009 a janeiro de 2017, Paes fez uma administração exuberante, com a Olimpíada (que deixaria um legado) e o Porto Maravilha. Resultou um Carlos Lacerda que deu errado.

Entre 1960 e 1965, Lacerda fez a adutora do Guandu e criou o parque do Aterro do Flamengo. Os dois estão aí até hoje. O legado da Olimpíada e o porto viraram micos.

Paes disputa a prefeitura com Marcelo Crivella e seus parrudos e óbvios guardiões comissionados.​

Turbinar currículo é um vício recente e, nesse grupo, quem brilhou foi Witzel

Em vez de fraudar títulos de universidades comuns, mentiu grande e anunciou-se diplomado por Harvard

Citando Gilberto Amado, um beija-flor de vaidade, o professor Joaquim Falcão resumiu a patetada de Kassio Nunes ao turbinar seu currículo: “Ser mais do que se é, é ser menos”.

Turbinar currículo é um vício recente. A mania pegou Dilma Rousseff, Damares Alves, Ricardo Salles, Marcelo Crivella, Carlos Alberto Decotelli e Wilson Witzel.

Nesse grupo, quem brilhou foi Witzel. Em vez de fraudar títulos de universidades comuns ou até chumbregas, mentiu grande e anunciou-se diplomado por Harvard, onde nunca pisou.

Em tempo: o ministro Celso de Mello, em cuja cadeira Kassio Nunes quer sentar, foi um dos maiores juízes da corte. Era apenas advogado, sem mestrado nem doutorado.

DESTRUIÇÃO DESTRUIDORA

A geração que nasceu depois de 1955, como Jair Bolsonaro, deve ter sido a única na história humana que financiou a criação de três polos de construção naval. Houve o de Juscelino Kubitschek, o de Ernesto Geisel e o de Lula. Três fracassos, muitas roubalheiras a um pior que o outro.

Agora o governo apresentou em regime de urgência um projeto de lei apelidado de BR do Mar, que vai na direção contrária e poderá resultar na destruição das empresas de cabotagem que existem no Brasil. Não houve debate, não se conhecem estudos técnicos e há o risco de se entregar esse mercado a um cartel de grandes empresas internacionais às vezes associadas a grupos brasileiros. A ideia da BR do Mar pode ter virtudes, mas, levada a tapa no escurinho de Brasília, tem tudo para dar errado.

GUEDES FATIADO

O centrão está em marcha batida para fatiar o Ministério da Economia.

Há dois anos, Paulo Guedes prometia combater “piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político”.

Está sendo obrigado a conviver com eles.

Janio de Freitas Declaração de Mourão sobre Ustra presta um serviço ao esclarecer como o Exército pensa, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Os generais Hamilton Mourão e Eduardo Pazuello, vice de Bolsonaro e ministro da Saúde, prestaram serviço muito apropriado à sociedade em geral, e à imprensa em particular, com suas mais recentes revelações.

Ao mesmo tempo pessoais e funcionais, as palavras de ambos despencam, talvez inadvertidas, sobre a assimilação de Bolsonaro e do bolsonarismo pelos meios de comunicação, outros setores antes eriçados como os atores e escritores, e muitas eminências, a ponto de no recuo a ombudsman da Folha, Flavia Lima, apontar também “amarelamento”.

A intervenção do vice consistiu em repentino elogio ao coronel Brilhante Ustra, que passou das masmorras da ditadura para a memória nacional como símbolo da criminalidade militar em torturas e assassinatos. Mourão sempre provocou interrupções na escalada da sua imagem de mais lúcido dos centuriões de Bolsonaro. O general dialogável, o general alternativo. Agora foi mais decisivo.

elogio a Ustra foi como Mourão dizendo-nos: Não se iludam. Nunca ouviram falar em pensamento único? É o nosso no Exército. Como vocês diziam “somos todos Marielle”, nós podemos dizer “somos todos Ustra”. E é assim que estamos aqui, para nossos objetivos, não para os de vocês.

O vice-presidente Hamilton Mourão em cerimônia no Palácio do Planalto
O vice-presidente Hamilton Mourão em cerimônia no Palácio do Planalto - Adriano Machado /REUTERS

O general Pazuello fez, na verdade, um complemento ao que comunicou quando interino na Saúde: “Eu não entendo nada disso aqui”. Agora reconhece que, “até esse [aquele] momento da vida, desconhecia o que era SUS”. A frase mostra tanto do próprio Pazuello quanto de quem o nomeou e dos generais que sugeriram ou apoiaram a nomeação. Iguais todos, iguais no pensamento e sobretudo na falta de, como Mourão levou a entender.

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Mas por que e como é possível chegar ao generalato sem saber sequer o que é um serviço nacional, tão falado, com duas décadas e reconhecimento internacional de sistema exemplar? O que se pode esperar dessa formação é só o alto custo e as deformações impostas à vida nacional.
Hamilton Mourão e Eduardo Pazuello falaram para não serem esquecidos.

Dias Toffoli e Gilmar Mendes, convém ressalvar, não estão no segmento dos que não devem esquecer. O seu é o dos que não devem ser esquecidos no Judiciário. São aqueles incapazes de resistir à atração do poder.

Sucedem-se seus almoços e jantares nas residências oficiais, os abraços, as confabulações nessas oportunidades com Bolsonaro e outros políticos e militares-políticos. Mas não suscitam dúvidas sobre o decoro pessoal e a circunspecção funcional dos dois: em vez disso, lançam certezas sobre a suspeição que, em julgamentos honestos, deve dispensá-los de votar em causas do interesse de Bolsonaro.

Dias Toffoli e Gilmar Mendes tornaram-se tão políticos, por ação atual , quanto ministros do Supremo, por velhas circunstâncias.

TEMPO DE GRITAR

Vista sem paixão, é bastante complicada a divergência entre liberdade de expressão e manifestação política no esporte. O direito à liberdade é posto sob o risco de degenerar em exploração deplorável, como tem acontecido a tantas atividades.

Apesar disso, é falacioso o argumento do Comitê Olímpico Internacional contra manifestações de atletas. Diz que a proibição de ato como o grito “Fora Bolsonaro”, da campeã brasileira Carol ao fim de uma competição, é para “proteger a neutralidade do esporte e dos Jogos Olímpicos”.

Desde 1936, na Olimpíada da Alemanha nazista, esses jogos se tornaram eventos de política nacional. Os países querem sediá-los pela elevação de prestígio diplomático e comercial que podem proporcionar. Isso é política, não esporte.

Para não colaborar com tal finalidade em benefício da União Soviética, na Guerra Fria os Estados Unidos chegaram a boicotar e ausentar-se da Olimpíada de Moscou. Esse e os demais jogos políticos foram dirigidos pelo COI.

As manifestações políticas de atletas sucedem-se porque são necessárias. Há pouco o basquete americano teve que suspender uma rodada. Jogadores de futebol têm adotado, antes dos jogos, uma posição de protesto contra o racismo e a violência policial. Hamilton e outros fazem o mesmo na F-1. A Mercedes Benz pintou de preto os seus carros, em apoio aos negros. Carol Solberg, além de fora Bolsonaro, fora as farsas.

Janio de Freitas

Jornalista

Ruy Castro Setembro dos meus anos, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Outro dia, em fins de setembro, botei para tocar um LP de Frank Sinatra: “September of my Years”. Sinatra o gravou em 1965, para os 50 anos que estava completando. Era um disco diferente. Nada de swing com metais por Billy May, nem para dançar ou estalar os dedos, mas um disco da maturidade, lindamente reflexivo, com sóbrios violinos por Gordon Jenkins e canções que diziam coisas. Diziam o que se passava na cabeça de um homem que vivera muitas vidas e se via agora a um ou dois passos da eternidade --- no setembro de seus anos.

Esse era o conceito do repertório: a reflexão. Entre as 13 faixas, a clássica “Last Night When We Were Young”, de Harold Arlen e Yip Harburg, já muito gravada, mas à espera de que Sinatra lhe desse a versão definitiva; a novíssima “It Was a Very Good Year”, de Erwin Drake, que só Frank poderia cantar (e ninguém mais se atreveu); duas jóias que ele aprendera com Mabel Mercer, “Hello Young Lovers”, de Rodgers e Hammerstein, e a então recente “Once Upon a Time”, de Charles Strouse e Lee Adams; e a canção-título, “September of my Years”, de sua dupla para toda obra, Jimmy Van Heusen e Sammy Cahn.

Em 1965, mesmo para Sinatra, 50 anos pareciam o começo do terço final —a expectativa de vida nos EUA era 70 anos. Em todas as memórias e biografias que li de gente dessa faixa naquela época havia certa resignação. Era como se soubessem que já não havia muito mais tempo para a fuzarca.

Mas com Sinatra não foi assim. Ele viveu outros 32 anos, durante os quais ainda namorou muito e gravou 21 novos álbuns, dois deles com Tom Jobim. Sobreviveu ao casamento com Mia Farrow, fez shows em toda parte, inclusive no Maracanã, e nadou todos os dias no Pacífico até pouco antes de morrer. O que só aconteceu em 1998, nos seus 82 anos.

Há muito que, na folhinha, também já deixei setembro para trás. Mas quem hoje marca o tempo pela folhinha?