quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Includente de responsabilidade, FSP

Governador deveria responder objetivamente pelos desdobramentos de operações grandes

  • 10
Nove jovens que se divertiam num baile funk no sábado à noite morreram pisoteados, como consequência de um tumulto que se seguiu a uma perseguição policial. Na hipótese mais benigna para a polícia, foi uma operação desastrosa —mal concebida, mal executada e totalmente dispensável. Na mais verossímil, houve abusos criminosos por parte de policiais. Não vejo motivo para duvidar dos vídeos e dos depoimentos que reforçam a segunda hipótese.
Num país um pouco mais decente, a cúpula da Polícia Militar já teria apresentado seu pedido de demissão, e estaríamos discutindo se o governador cometeu ou não crime de responsabilidade. Mas estamos no Brasil, e os mortos são provavelmente todos pobres. Será uma surpresa para mim se o inquérito concluir que houve abusos e identificar seus autores.
Não se pretende aqui abraçar o velho maniqueísmo da esquerda, que pinta o policial como um indivíduo dado à violência que reprime inocentes para servir ao capital. Policiais são seres humanos, que reagem humanamente a situações de perigo e outros estímulos externos. No Brasil, dadas as altas taxas de agentes da lei mortos em serviço ou fazendo bicos, eles têm motivos para sentir-se constantemente ameaçados.
É justamente por isso que precisamos de leis e protocolos rígidos, que orientem tão precisamente quanto possível a ação do policial, permitindo até que ele desobedeça aos superiores no caso de ordens abusivas.
É urgente, por exemplo, fazer com que os comandantes assumam as consequências das operações que deflagram. É preciso que eles coloquem a pele em risco, para tomar emprestada a expressão que deu título à última obra do polemista Nassim Taleb. No caso de operações grandes e planejadas antecipadamente, a lei deveria exigir que a ordem fosse dada pelo próprio governador, que responderia objetivamente pelos seus desdobramentos. Seria o includente de responsabilidade.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Zumbilândia, Álvaro Costa e Silva, FSP

Um grupo invadiu a Igreja Sagrado Coração de Jesus, no bairro da Glória, para impedir a realização de uma missa em homenagem ao Dia da Consciência Negra. Eram cerca de 20 pessoas, as mulheres usando véu e os homens ternos, que diziam pertencer ao Centro Dom Bosco. Como o padre não interrompeu a cerimônia, eles começaram a rezar alto o terço em latim, a filmar com celulares e a debochar dos presentes —um deles levou um tapa. Repito: tudo isso aconteceu dentro da igreja.
É cena banal na “nova era”. Cadáveres do passado, que o país pensava terem sido enterrados, voltam como zumbis para se juntar a novas assombrações. O integralismo de extrema direita da década de 1930 ressurgiu com o lema “Deus, Pátria e Família”, defendido pelo novo partido de Bolsonaro, Aliança pelo Brasil —adeptos já o apelidaram de “Três Oitão”, referência ao calibre do revólver que tem o mesmo número da facção política.
0
Obra com o nome e símbolo do partido Aliança pelo Brasil, feito com cartuchos de balas - Pedro Ladeira - 21.nov.2019/Folhapress
O episódio da Glória lembrou o Centro Dom Vital, fundado em 1922 por Jackson de Figueiredo, um místico que acreditava ter sido escolhido para levar a Igreja ao poder, usando a divisa “A ordem é superior à liberdade”. Para conseguir o objetivo, não havia problema em atropelar a Constituição. Também se batia por uma arte que, “para ser realmente arte, tem que ser moral, tem que ser católica”. Alguém pensou em Roberto Alvim, atual secretário da Cultura?
Em 1928 Jackson de Figueiredo morreu afogado. Dramaticamente, antes de sumir na praia da Joatinga, fez o sinal da cruz. Seu delírio, hoje, virou a realidade. 
Sob Bolsonaro, a religião manda e desmanda no processo de políticas públicas, transgredindo o caráter laico do Estado. Pressionado para liberar os cassinos, o presidente tem de pedir aval aos evangélicos. Comenta-se que parte do bispado é contra: os fiéis poderiam se esquecer de pagar o dízimo para fazer uma fezinha na roleta.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".
  • 38