segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Lula morde isca de Bolsonaro e Guedes ao atacar economia , FSP

SÃO PAULO
Em São Bernardo do Campo no sábado (9), o ex-presidente Lula evocou a “destruição” das estatais e dos empregos da população mais jovem, além da recém aprovada reforma da Previdência, como bases do “projeto econômico que vai empobrecer ainda mais a sociedade brasileira”.
Citando nominalmente grandes empresas e bancos, Lula sugeriu a existência de um conluio entre as classes dominantes e o governo de Jair Bolsonaro (PSL) contra o povo mais humilde. 
Disse ainda que a queda dos juros não chegou ao bolso dos trabalhadores e que o atual governo está tirando dinheiro da área social —numa referência ao teto de gastos.
Para refrescar a memória:
1) As empresas estatais que dependem de dinheiro do Tesouro para funcionar (que dão prejuízo) mais que dobraram seus quadros de funcionários em 12 anos, a maior parte nas gestões petistas. 
De 2006 a 2017, o pessoal efetivo passou de 35 mil para 74 mil —um aumento de 114%, segundo o Ministério do Planejamento.
Já as três principais estatais —Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil— acumularam perdas de R$ 274 bilhões em valor de mercado no governo Dilma Rousseff;
2) Dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia revelam que a recuperação do emprego formal tem sido puxada por jovens de até 29 anos —e concentrada nos até 24 anos. Nos últimos 12 meses, 1,1 milhão de jovens foram contratados com carteira assinada; e a isso se deve o saldo geral positivo de 478 mil vagas em 12 meses.
Grande parte do desemprego atual é resultado do desequilíbrio fiscal deixado por Dilma. Entre 2014 e 2015, ainda em seu governo, houve um salto recorde de 38% no total de desempregados, que chegaram a 10 milhões; 
3) Até a reforma da Previdência, os brasileiros que estão entre os 20% mais ricos eram os maiores beneficiados pelo sistema. A cada R$ 100 gastos pela Previdência, R$ 40 ficavam com essa camada no topo da distribuição de renda; os 20% mais pobres recebiam apenas R$ 3 do bolo;
4) O Brasil gastará neste ano cerca de R$ 300 bilhões em incentivos fiscais, a maior parte criada pelos governos do PT, que também se aliaram a grandes empresas, os chamados “campeões nacionais”.
Em nove anos (2007 a 2016), o BNDES desembolsou R$ 1,2 trilhão (43 vezes o Bolsa Família) em empréstimos a empresas como a Oi, que entrou em recuperação judicial, e o grupo de Eike Batista;
5) Além de os juros do cheque especial e do cartão de crédito também terem se mantido em níveis pornográficos nos governos petistas, o chamado teto dos gastos foi criado pelo ex-banqueiro Henrique Meirelles, presidente do Banco Central durante toda a gestão Lula.
À época, foi o mecanismo possível para tentar interromper a trajetória explosiva da dívida pública, hoje em 80% do PIB (maior entre os emergentes) e resultado do descontrole fiscal da era Dilma.
Como pontos positivos para o discurso de Lula em São Bernardo, entre 2003 e 2015, anos do PT no poder, o emprego formal privado saltou de 23 milhões para quase 40 milhões e o Brasil acumulou cerca de US$ 380 bilhões em reservas cambiais.
Durante boa parte do período, o Brasil foi beneficiado por um forte aumento dos preços internacionais das commodities que exporta. 
Entre 2001 e 2010, os termos de troca do país (relação entre preços de exportações e importações) aumentaram 25%, fazendo com que, por exemplo, nosso minério de ferro comprasse proporcionalmente mais máquinas de fora.
Isso possibilitou importar mais produtos e tecnologia. Assim, a produtividade no período cresceu 15% e a renda, 32%, segundo cálculos do economista Naercio Menezes, do Insper.
Muitos desses ganhos foram direcionados a políticas distributivas, que melhoraram sensivelmente a situação dos mais pobres.
Lula também foi responsável fiscalmente, entregando superávits seguidos para controlar a dívida pública em sua gestão, o que aumentou a confiança do setor privado na economia.
Tudo isso forma uma boa explicação para a popularidade com que Lula deixou a Presidência: 83% de ótimo e bom, segundo o Datafolha.
O governo Bolsonaro tem aspectos violentos e desagradáveis de sobra para que o petista recalcule o discurso da oposição, como quando falou das milícias e perguntou pelo paradeiro de Fabrício Queiroz.
Mas Lula parece ter mordido a isca de Bolsonaro e Paulo Guedes ao atacar justamente a economia, que finalmente entra em fase de recuperação após a destruição deixada por Dilma.

domingo, 10 de novembro de 2019

Com governo Doria, prefeitos ficam sem cafezinho, OESP


Governador difere do estilo de Geraldo Alckmin e delega relacionamento com representantes do interior a secretário

Adriana Ferraz, Bruno Ribeir e Vinícius Passarelli, O Estado de S.Paulo
10 de novembro de 2019 | 05h00
Há dois anos, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) cortava bolo para comemorar a marca de ter visitado as 645 cidades de São Paulo durante o mandato. De estilo municipalista, ele praticava a política corpo a corpo, especialmente com aliados do interior, que visitava e recebia com frequência. Foi assim nos 13 anos em que esteve à frente do Estado. Não é mais. Com a chegada do também tucano João Doria ao governo, os tradicionais cafezinhos no Palácio dos Bandeirantes foram cortados, assim como as selfies. E bem às vésperas de um ano de eleição municipal.
O novo estilo segue compromisso assumido pelo atual governador no dia da posse: “Não vamos fazer romaria para cafezinho, chá. Não quero fulanizar, mas a partir de agora vai mudar”. Mudou mesmo. De janeiro pra cá, Doria recebeu apenas cinco prefeitos do interior em seu gabinete. E, quando tem evento em alguma cidade, não fica papeando depois, como Alckmin fazia. O tête-à-tête agora, segundo aliados, é ‘virtual’.
“O governador manda fotos, vídeos. Tudo pelo WhatsApp, para prefeitos que pedem. Também liga para todos eles no dia do aniversário. O contato existe, é próximo, só não é feito como antes”, contou o secretário de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, que, na reestruturação das pastas, ficou com a função de fazer a ligação do Palácio dos Bandeirantes com as prefeituras. É no gabinete dele, e não mais no do governador, que os chefes do Executivo municipal despacham. “Por dia, recebo pelo menos três prefeitos”, afirmou.
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O governador João Doria em congresso com prefeitos em Campos do Jordão  Foto: Governo de SP/Reprodução
Na sexta-feira passada, Pedro Franco (MDB), de Engenheiro Coelho, foi um dos visitantes. “Acho que a relação até melhorou assim. Com o secretário temos a chance de expor mais detalhadamente os problemas e tentar uma solução. Agora, do ponto de vista eleitoral, aí o contato com o governador faz diferença. O eleitor sente mais segurança quando percebe que há uma proximidade, ainda mais quando o prefeito é de outro partido”, disse. 
O prefeito de Conchal, Luiz Vanderlei Magnusson (PSDB), também elogiou a recriação da secretaria que cuida do interior. “Tem dado muito certo. Para mim, o importante não é o cafezinho, mas a liberação dos recursos que o município precisa. As cidades são o braço do Estado, precisam e têm direito a esses convênios”, afirmou. Mas, ano que vem, quando estiver em campanha pela reeleição, o tucano não tem dúvida: “Aí vou querer a foto do governador no santinho”.
Doria esteve em Conchal em março, para a entrega de obras de duplicação nas rodovias Professor Zeferino Vaz (SP-332) e Engenheiro João Tosello (SP-147). “Duas obras importantes que irão ajudar no escoamento da produção regional, além de ampliar o conforto e a segurança para os motoristas”, disse, na época.
O PSDB comanda atualmente 207 municípios paulistas. Saltinho está nessa lista. A cidade da região metropolitana de Piracicaba foi a que deu a Doria a maior votação proporcional na eleição passada – 78%. O governador, no entanto, ainda não passou por lá. Segundo levantamento feito pelo Estado, o tucano visitou 36 municípios no interior até agora. Adicionando litoral e Grande São Paulo, foram 51 cidades.
O governador esteve também com prefeitos de outros Estados, como os de Belém (PA), Criciúma (SC), Curitiba (PR) e Vila Velha (ES). Segundo Vinholi, Doria participou também de ao menos outros 17 eventos com participação de prefeitos no Palácio. Na agenda oficial do tucano consta uma reunião com o prefeito de Miami no dia 13 de agosto. Cotado para concorrer à Presidência em 2022, Doria tem privilegiado viagens a Brasília, onde já esteve 12 vezes neste ano, e ao exterior. Já visitou Japão, EUA, Suíça, China e Alemanha, totalizando 21 dias fora do País.
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O secretário de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, é um dos responsáveis por receber os prefeitos. Na foto, está com os prefeitos de Quintana, José Nilton Santos; de Conchal, Luiz Vanderlei Magnusson, e de Engenheiro Coelho, Pedro Franco.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Estilo

Para Carlos Alberto Cruz Filho, presidente da Associação Paulista de Municípios, não houve mudança ideológica, mas uma alteração de estilo. “Alckmin tinha uma postura de ‘política, faço eu’. O estilo do Doria é outro: ele delega para os secretários. O prefeito fala com o Vinholi, que tem autonomia no governo, transversalidade. Essa quebra de paradigma provoca incompreensões, e Doria está cuidando de se fazer entender. Mas o governador não está no tempo do prefeito. No ano que vem, ele deve ter oxigênio”, disse.
Vinholi, presidente do PSDB em São Paulo, diz que os prefeitos terão todo o apoio do governador ano que vem, mas não acredita que o estilo de Doria vá mudar. O partido projeta disputar o comando de 300 municípios paulistas. Em metade deles, com mulheres. / COLABOROU FERNANDA BOLDRIN

Futebol e neurônios, Drauzio Varella, FSP


Em estudo, ex-futebolistas receberam cinco vezes mais medicações para demências

Praticar esporte faz bem à saúde, mas bater a cabeça traz problemas.
Na década de 1990, foi publicado o primeiro estudo a mostrar que atletas profissionais de futebol americano, que haviam jogado pelo menos cinco anos, apresentavam índices mais baixos de mortalidade do que homens da mesma faixa etária, na população geral.
A mortalidade por doenças neurodegenerativas, no entanto, era 3,2 vezes mais alta. Os riscos de morrer por Alzheimer ou por esclerose lateral amiotrófica, a ELA —doença que causa paralisia progressiva dos músculos— praticamente quadruplicavam.
Na ilustração, uma perna vestindo meião estampado com bandeiras de diversos países e chuteira preta está chutando uma bola. A bola tem um rosto e uma expressão agoniada
Publicada neste domingo, 10 de novembro de 2019 - Líbero/Folhapress
Apesar da relevância desses achados, houve poucas pesquisas até a última década, quando surgiram casos de ex-profissionais com quadros de disfunção cognitiva grave e atrofia cerebral, classificados como encefalopatia traumática crônica.
Resultante de concussões repetitivas e assintomáticas na prática de esportes de contato, esse transtorno se instala no decorrer de décadas, levando ao comprometimento da função mental, depressão e dificuldades motoras, como a falta de equilíbrio. Nas situações mais dramáticas, há aumento do número de suicídios.
O risco de encefalopatia traumática é maior nos jogadores de futebol americano escalados para as posições que os obrigam a correr com mais velocidade e a se chocar com maior impacto contra os adversários.
Acaba de ser publicado na prestigiosa The New England Journal of Medicine um estudo, realizado desta vez com atletas profissionais do futebol que praticamos.
Pesquisadores escoceses compararam os índices de mortalidade de 7.676 ex-jogadores profissionais de futebol com os de uma população comparável de 23.028 homens, numa pesquisa patrocinada pela Football Association and Professional Footballers’ Association, da Escócia.
Depois de 18 anos de observação, foram contados 1.180 mortes entre os ex-jogadores e 3.807 no grupo-controle.
Até os 70 anos de idade, a mortalidade por todas as causas reunidas foi mais baixa nos ex-jogadores, provável reflexo da redução da prevalência da obesidade e do fumo entre eles. Daí em diante, houve inversão: a mortalidade do grupo-controle se tornou mais baixa.
Mortes por infarto do miocárdio e câncer de pulmão foram menos frequentes entre os ex-jogadores, mas a mortalidade por doenças neurodegenerativas mais do que triplicou (1,7% contra 0,5%).
Os ex-futebolistas profissionais receberam cinco vezes mais medicações para tratamento de demências do que os participantes do grupo-controle. O índice de mortalidade por neurodegenerações em goleiros não foi mais baixo do que entre os demais defensores e os atacantes, posições mais sujeitas a choques e cabeçadas.
Encefalopatias traumáticas crônicas já foram descritas em boxeadores e praticantes de diversas modalidades esportivas que envolvem contato e pancadas na cabeça. O trabalho conduzido com futebolistas profissionais, na Escócia, confirmou os achados de outros estudos que encontraram mortalidade geral mais baixa em ex-atletas, porém maior prevalência de mortes por Alzheimer, ELA e encefalopatias traumáticas.
Em algumas séries de autópsias realizadas em profissionais de futebol e de rúgbi, alterações patológicas consistentes com esse tipo de encefalopatia foram diagnosticadas em 75% dos ex-jogadores, mas a relação desses achados com a instalação de quadros demenciais não está clara.
Calcula-se que um jogador profissional cabeceie a bola de seis a 12 vezes por partida, eventos que somados aos dos treinamentos podem chegar a mais de mil durante a carreira. Há evidências de que choques repetidos da bola de futebol contra a cabeça podem modificar a bioquímica cerebral, interferir na integridade da substância branca e na espessura da substância cinzenta, camada encarregada das funções nobres que nos diferenciam dos outros animais.
Futebol é o esporte mais popular do mundo, praticado em mais de 200 países por centenas de milhões de pessoas que se beneficiam da redução do risco de doenças cardiovasculares e câncer, duas das principais causas de morte. 
Não há demonstração de que a prática amadora tenha repercussões neurológicas.
As conclusões do estudo escocês não valem para mulheres nem para boleiros de fim de semana. Não existe motivo para preocupação dos pais: as atividades esportivas —inclusive a do futebol— devem ser incentivadas, por causa dos inúmeros benefícios à saúde.
Drauzio Varella
Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.