segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Guerra à verdade, Moisés Naím, O Estado de S.Paulo



Poderosos sempre atacaram a imprensa, mas hostilidade de Trump é inédita




07 de outubro de 2019 | 08h00
É muito estranho o que está acontecendo nestes tempos com a informação. Ela está, ao mesmo tempo, mais valorizada e mais desprezada do que nunca.
A informação, aprimorada pela revolução digital, será o mecanismo mais importante da economia, política e ciência do século 21. Mas, como já vimos, também será uma fonte perigosa de confusão, fragmentação social e conflito.

Grandes quantidades de dados que antes não significavam nada agora podem ser convertidos em informações que ajudam a gerenciar melhor governos e empresas, curar doenças, criar armas ou determinar quem ganha as eleições, entre muitas outras coisas.
É o novo petróleo: após o processamento e o refino, tem um grande valor econômico. E se no século passado várias guerras foram causadas pela busca pelo controle do petróleo, neste século haverá guerras pelo controle da informação.
Mas, enquanto há informações que salvam vidas e são gloriosas, há outras que matam e são tóxicas. A desinformação, a fraude e a manipulação que fomentam conflitos estão crescendo tão rapidamente quanto as informações extraídas dos enormes bancos de dados digitalizados.

trump fake news
Em entrevista, Donald Trump tomou para si a criação do termo 'fake news', mas dicionário desmentiu o presidente dos Estados Unidos Foto: Evan Vucci/AP
Alguns dos que controlam essas tecnologias sabem como nos convencer a comprar determinados produtos. Outros sabem como se empolgar com certas ideias, grupos ou líderes - e detestam seus rivais.
A grande ironia é que, ao mesmo tempo em que hoje existem informações mais facilmente disponíveis do que no passado, também existem mais dúvidas e confusão sobre a veracidade do que nos chega através dos meios de comunicação e das redes sociais.
Alan Rusbinger, ex-diretor do jornal britânico The Guardian, disse que “estamos descobrindo que a sociedade realmente não pode funcionar se não concordarmos com a diferença entre um evento real e um evento falso.
Você não pode ter debates, leis, tribunais, governança ou ciência se não houver acordo sobre qual é um fato real e qual não é.”
 

PARA ENTENDER

10 casos mais urgentes de crimes e ameaças contra jornalistas no mundo


'Estadão' publica mensalmente lista em parceria com a 'One Free Press Coalition'; confira as ocorrências denunciadas em outubro
O debate sobre o que é verdade e o que é uma mentira é tão antigo quanto a humanidade. Discussões sobre esse assunto entre filósofos, cientistas, políticos, jornalistas ou, simplesmente, entre pessoas com ideias diferentes são comuns e ferozes.
Muitas vezes, esses debates, em vez de focar na verificação dos fatos, concentram-se na desqualificação de quem os produz. Assim, cientistas e jornalistas são alvos frequentes daqueles que, por interesses ou crenças, defendem ideias ou práticas baseadas em mentiras.
Os cientistas que, por exemplo, geram dados incontestáveis sobre o aquecimento global ou aqueles que alertam para a necessidade imperativa de vacinar crianças já estão acostumados a ser difamados por suas motivações e interesses.



00:00
01:18
Media Quality
Mobile Preset
360P
Você sabe identificar uma fake news?

O ataque à imprensa e aos jornalistas

Os jornalistas são vítimas ainda mais frequentes dessas desqualificações. Embora os ataques dos poderosos incomodados pelos meios de comunicação não sejam novos, a hostilidade do presidente Donald Trump é inédita.
“Esses animais da imprensa, sim... são animais. Eles são os piores seres humanos que alguém pode encontrar... são pessoas terrivelmente desonestas”, disse ele. 

A imprensa como 'inimiga do povo'

Trump também popularizou a ideia de que os jornalistas são “inimigos do povo” que espalham notícias falsas - as famosas fake news. Trump mencionou notícias falsas no Twitter mais de 600 vezes e as cita em todos os seus discursos.
O sério é que Trump não apenas minou a confiança dos americanos em seus meios de comunicação, mas sua acusação foi bem recebida entre os autocratas do mundo.
Segundo Arthur Gregg Sulzberger, executivo-chefe do The New York Times, “nos últimos anos, mais de 50 primeiros-ministros e presidentes dos cinco continentes usaram o termo fake news para justificar suas ações contra os meios de comunicação”.

O fim da fronteira entre fato e ficção

Sulzberger reconhece: “Os meios de comunicação não são perfeitos. Nós cometemos erros. Temos pontos cegos”. No entanto, esse executivo é ambíguo ao afirmar que a missão do The New York Times é buscar a verdade.
No mundo confuso de hoje, onde tudo parece relativo e nebuloso, é bom saber que ainda existem aqueles que apostam que a verdade existe e pode ser encontrada. Esta posição é um bom antídoto contra as práticas daqueles que atentam contra a democracia e a liberdade.
Em 1951, Hannah Arendt escreveu: “O sujeito ideal de um regime totalitário não é o nazista convencido ou o comunista comprometido, são as pessoas para as quais deixou de existir a distinção entre fatos e ficção, o verdadeiro e o falso”.
Mais de seis décadas depois, essa descrição adquiriu validade renovada. É preciso recuperar a capacidade da sociedade de reconhecer e desmascarar mentiras. É imperativo derrotar aqueles que declararam guerra à verdade. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Ministro entrega ônibus escolares comprados na gestão anterior e diz fazer 'muito com pouco', OESP

Isabela Palhares, O Estado de S.Paulo
07 de outubro de 2019 | 15h33

SÃO PAULO - Em um grande evento com a presença de prefeitos, deputados estaduais e federais, o ministro Abraham Weintraub entregou nesta segunda-feira, 7, 180 ônibus escolares para 144 municípios paulistas. Os veículos, no entanto, foram comprados no ano passado durante a gestão Temer em uma grande licitação para mais de 2 mil unidades.
Com uma plateia de cerca de 100 pessoas, o ministro fez mais um discurso em que criticou governos petistas e disse que a nova gestão federal está "fazendo uma faxina" no Ministério da Educação e mostrando que é possível fazer "muito com pouco dinheiro". "Esses ônibus não são do governo federal ou dos municípios. Ele veio do povo, do dinheiro suado do povo. A gente está mostrando que com pouco dinheiro ainda se faz muito nesse País", disse. 
ctv-uds-ministo
O ministro Abraham Weintraub Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO
A compra dos ônibus foi feita pelo programa Caminho da Escola, criado em 2007 e que já distribuiu veículos para diversos municípios. As unidades entregues nesta segunda-feira são ainda insuficientes para atender a demanda por transporte escolar no Estado de São Paulo, que apenas na rede estadual de ensino tem mais de 3,8 milhões de alunos. 
A licitação e o empenho do recurso foram feitos em novembro do ano passado, quando o MEC era comandado por Rossieli Soares, agora secretário de educação de São Paulo. "A economia com essa licitação foi de mais de 23% do valor original porque fizemos a compra em larga escala. Espero que a gente continue nesse caminho, brigando por mais recurso para a educação e pela eficiência", disse. 
Ao lado de Rossieli durante a cerimônia, Weintraub afirmou que sua equipe tem encontrado "muita coisa errada e desperdício" no MEC, "mesmo depois de vocês terem feito uma faxina inicial”.
Mais uma vez com um discurso inflamado, Weintraub disse que em sua gestão o dinheiro público volta para os contribuintes e não para "safado comprar triplex", disse que não se deve mais "falar em educação pública, mas ensino. Quem dá educação é a família". Também afirmou que há "grupos empresariais muito piores" que se aproveitavam do "rumo errado para o qual o País caminhava". 
O tom agressivo de sua fala tem agradado os mais próximos do presidente Jair Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro, inclusive, aproveitou os dois minutos de fala que teve durante o evento para recomendar aos presentes que sigam o ministro no Twitter - onde é conhecido por frases polêmicas e por fazer piadas contra o PT.  "Ele inaugurou um novo estilo de ministro, que não se preocupa tanto com os modos e liturgia do cargo. E, sim, com resultados", disse. 

Auditor fiscal do caso Gilmar distribuiu arquivos da Lava Jato, aponta grampo da PF, FSP

Marco Aurélio Canal diz que temeu retaliação de parlamentares do MDB após ter seu nome divulgado

Italo Nogueira
RIO DE JANEIRO
Preso na Operação Armadeira, o auditor fiscal Marco Aurélio Canal relatou temer por sua segurança após ter seu nome divulgado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no caso de dossiês sobre autoridades.
Para se proteger, ele disse ter gravado documentos sigilosos da Receita Federal e distribuído a amigos e familiares para o caso de algo ocorrer com ele. O objetivo era que seu trabalho na Operação Lava Jato fosse preservado em caso de algum ato violento.
A informação consta de uma escuta telefônica sigilosa feita pela Polícia Federal com autorização judicial, cuja transcrição a Folha teve acesso. Agentes viram no compartilhamento dos arquivos uma possibilidade de vazamento de informações sigilosas.
O ministro Gilmar Mendes durante sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal)
O ministro Gilmar Mendes durante sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal) - Pedro Ladeira - 25.set.2019/Folhapress
“Importante ressaltar que Canal fala ter feito backup de tudo relativo à Lava Jato e enviado para quatro pessoas, sendo estas do trabalho e da família. Pelo exposto, entendemos ser de extrema importância a busca de tais backups e a identificação dos que os guardam, uma vez que em mão alheias poderiam gerar uma série de vazamentos”, afirma a informação policial.
Ex-supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava Jato (grupo responsável por aplicar multas aos acusados da operação por sonegação fiscal), Canal foi preso na quarta (2) sob suspeita de pedir propina a investigados para evitar a aplicação de sanções tributárias.
O auditor se tornou pivô da polêmica entre Gilmar e a força-tarefa da Lava Jato fluminense após seu nome ser identificado como destinatário dos documentos produzidos sobre o ministro, seus familiares e outras 133 autoridades.
Embora não atuasse nas investigações, mas sim nas autuações contra os alvos após as operações, seu envolvimento no caso levou o ministro a afirmar que a Receita fora usada pelos procuradores para investigá-lo irregularmente.
Canal passou a ser alvo de investigações em dezembro de 2018, antes de ter o nome ligado ao caso dos dossiês, o que ocorreu em fevereiro deste ano. A conversa relatada pela PF ocorreu em julho, logo após uma entrevista do ministro à GloboNews. Nela, Gilmar cita o nome de Canal e dá a entender que ele atuara a mando de procuradores.
O auditor fiscal conversou sobre o tema com o ex-cunhado Carlos Elias Gonçalves, juiz em Teresópolis.
[ x ]
“Tô na operação [Lava Jato] desde o início. Ele expôs o meu nome que tava incógnito até então. [...] As pessoas que a gente mexe de núcleo político é pesado. Tu mexe com o PMDB [hoje MDB] do Rio. [...] Eu não tô mais oculto no papel das operações. E eu tô muito preocupado porque já morreu muita gente ligada a essa operação e, sei lá”, disse o auditor, segundo a transcrição da PF.
“Então eu tomei uma medida. Eu [fiz] backup [de] tudo. Todas essas incidências. Tudo desse trabalho Lava Jato. Essas incidências também embora não tenha participado diretamente”, afirmou Canal, sem deixar claro se fazia referência aos documentos sobre as 134 autoridades, entre elas Gilmar.
Ele afirmou ter repassado os documentos a quatro pessoas, entre familiares e amigos do trabalho. O diálogo sugere que o objetivo é preservar o trabalho caso ele seja alvo de algum atentado.
“Se acontecer alguma coisa comigo cara, orientar imprensa, Polícia Federal, de você orientar de como fazer uma comunicação desses fatos, porque de certa forma a Receita não dá, como vocês têm, proteção. [...] Não dá nem proteção institucional, tá todo mundo preocupado com a própria cadeira”, afirmou o auditor.
“Eu acho que alguém tá dando é a minha cabeça”, afirmou ele.
Canal também relata sua versão sobre o vazamento dos dados do ministro. Segundo ele conta ao ex-cunhado, os dados saíram da Receita por engano —versão semelhante à oficial.
“O colega errou. O colega da execução abriu o sigilo do dossiê de programação confundindo com um dossiê de atendimento e o contribuinte diligenciado teve acesso à informação. Foi um erro. Ele abriu o sigilo do processo errado. [...] Mas não foi de dolo, porque teve acesso à análise. Se alguém de dentro quisesse vazar teve acesso à análise, não precisava ele se registrar dessa maneira. É um bom fiscal cara, um moleque bom. E assim, cometeu esse erro”, disse ele.
O ex-supervisor é suspeito de ter cobrado uma propina de R$ 4 milhões a dirigentes da Fetranspor (federação das empresas de ônibus do Rio de Janeiro) e 50 mil euros a Ricardo Rodrigues, acusado de fraudar fundos de pensão que se tornou delator.
O advogado Fernando Martins, responsável pela defesa de Canal, não quis comentar a gravação. Ele reafirmou que a prisão de seu cliente é ilegal.
“Trata-se de mais uma prisão ilegal praticada no âmbito da denominada Operação Lava Jato, eis que de viés exclusivamente político, atribuindo a Marco Canal responsabilidades e condutas estranhas a sua atribuição funcional e pautada exclusivamente em supostas informações obtidas através de ‘ouvi dizer’ de delatores”, afirmou o advogado, em nota.