sábado, 5 de outubro de 2019

Lula Não dá mais para esconder que a Lava Jato tem uma banda podre - F. Haddad, FSP


Lula foi condenado por crimes impossíveis.
Quem tem um mínimo de experiência em gestão pública sabe que a distância que separa a diretoria de uma estatal de um presidente da República é abissal. Há toda uma teia de relações, verticais e horizontais, que inviabilizam uma relação direta que transponha toda a cadeia de responsabilização.
Essa teia, nesse caso, é composta pela presidência da companhia, pelo seu conselho, pelo ministério ao qual ela está vinculada, pela Casa Civil, pela Controladoria-Geral da União etc.
É impossível que diretores de uma estatal formem uma quadrilha tendo como chefe imediato o presidente da República.
malabarismo para condenar Lula exigiu a criação de uma figura jurídica exótica --o ato jurídico indeterminado--, que, na prática, impede o réu de se defender por não saber do que está sendo acusado. Sem esse artifício, toda aquela teia de relações teria que ser examinada, bem como a conduta de cada pessoa envolvida.
Há outra questão a considerar. Os diretores da Petrobras, subornados por um cartel que atuava dentro e fora do país, inclusive em estados brasileiros governados pela oposição, mantinham contas no exterior que somavam centenas de milhões de dólares. É no mínimo inverossímil que, diante disso, tenha cabido ao suposto "chefe do esquema" a "atribuição" de um apartamento de classe média na praia e uma reforma num sítio modesto comprado licitamente por amigos de longa data.
Não fosse uma tremenda campanha midiática, ninguém acreditaria numa história como essa. No campo do direito, ela não se sustenta. Ela só faz sentido em meio à crise política, transformada em crise institucional.
É preciso parar de dizer que a Lava Jato só puniu corruptos. Não, ela fez política. É preciso reconhecer, inclusive, que, em nome da política, ela nem sequer puniu todos os corruptos que estavam ao seu alcance.
É possível dizer que a Lava Jato recuperou recursos públicos, mas é necessário admitir, de uma vez por todas, que o dinheiro recuperado é uma fração diminuta da riqueza nacional que a Lava Jato destruiu.
As críticas à operação não podem mais ser atreladas à defesa da impunidade.
Depois de tudo o que veio à tona, não dá mais para esconder que a Lava Jato, ela própria, tem uma banda podre. Procuradores e auditores estão sendo processados, alguns criminalmente. A suspeição de um juiz, ministro de um governo que ajudou a eleger, será avaliada pelo STF.
Se a verdade prevalecer e a Suprema Corte se libertar das amarras que querem lhe impor, poderemos voltar à arena da livre disputa democrática, com Lula entre nós!
Fernando Haddad
Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.

Mutretas imobiliárias, FSP

Crivella quer revogar Corredor Cultural para construir edifícios de 20 andares no Centro

Não satisfeito em ser o pior prefeito que o Rio já conheceu desde os tempos de dom João Charuto, Marcelo Crivella agora anda promovendo a especulação imobiliária.
Primeiro alvo: o Buraco do Lume (ou praça Mário Lago, para os não íntimos). Trata-se de uma área privada, mas aberta ao público, devido a regras rígidas para novos empreendimentos naquele trecho do Centro. Justamente para evitar o que aconteceu ali no passado: a derrubada de parte do casario histórico do lado ímpar da rua São José, para que se levantasse a sede da Lume Empresarial --que faliu, deixando o buraco.
Crivella mandou para o Legislativo um projeto que revoga os parâmetros do Corredor Cultural, permitindo a construção de edifícios de até 20 andares onde hoje fica a praça. No parecer, a prefeitura citou a presença no local de "moradores em situação de rua". Ou seja, teve a cara de pau de usar a própria incompetência em manter a ordem urbana para justificar a mutreta.
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Obras no túnel Rafael Mascarenhas, que dá acesso a São Conrado, no Rio de Janeiro - José Lucena - 19.mai.2019/Futura Press/Folhapress
​Crivella também está de olho em São Conrado. Planeja liberar a construção de prédios de quatro andares no costão rochoso do Joá, próximo à praia do Pepino, onde atualmente só são permitidas casas. Estas, se a ideia vingar, poderão ocupar áreas ainda mais altas. O curioso é que a avenida Niemeyer, que liga o Leblon a São Conrado, está interditada há quatro meses. A prefeitura não consegue resolver os problemas de deslizamentos na sua encosta.
Outra jogada do bispo-prefeito: licenciar apart-hotéis com cubículos de 25 metros quadrados, o mínimo permitido pelo Código de Obras. Enquanto isso, a vila operária Salvador de Sá, no Estácio --belo conjunto com estrutura de madeira inaugurado em 1906 como parte das mudanças urbanísticas do então prefeito Pereira Passos--, espera há quase 20 anos a reforma prometida pelo município. A vila, que é tombada, deteriora a olhos vistos e corre risco de pegar fogo. Deve ter gente torcendo para que isso aconteça.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Sonhos de cidade, FSP

Sonhos de cidade

São Paulo mira zeladoria, quando deveria buscar transformações mais arrojadas

Vista aérea da avenida Paulista - Tuca Vieira/Folhapress
Décadas de gestões municipais que não conseguem cumprir funções básicas achataram os sonhos do paulistano médio para sua cidade. Ruas limpas, lixo recolhido, parques e praças com grama cortada e equipamentos bem cuidados, árvores podadas, calçadas sem buracos e asfalto liso parecem utopia, quando não passam de obrigação.
A zeladoria urbana é um dos pontos de contato mais frequentes do cidadão com a prefeitura, e uma das razões que mais levam o munícipe a reclamar. Precária, lega problemas visíveis que impactam a qualidade de vida nos bairros onde se mora, trabalha e transita.
Uma das apostas do até aqui pouco midiático prefeito Bruno Covas (PSDB) para deixar sua marca antes da provável campanha à reeleição em 2020 é justamente aumentar os gastos com esse tipo de manutenção. No próximo ano devem ser destinados R$ 3 bilhões para a tal zeladoria, o dobro do gasto previsto em 2019 e seis vezes o gasto médio em anos anteriores.
Quem anda pela cidade pouco vê os sinais dessa dinheirama sendo gasta. Calçadas, túneis, semáforos, praças e passarelas sofrem com a falta de cuidado.
Bom seria se a máquina estatal tratasse do básico sem sobressaltos para que ​prefeito, entidades e cidadãos pudessem vislumbrar objetivos de vulto, adequados ao que deveria ser a ambição da maior e mais rica cidade do país.
A gestão atual, tal como as anteriores, não deve deixar um legado urbanístico mais amplo, com a revitalização ou a transformação de um bairro ou região em polo artístico, gastronômico ou turístico.
Outras grandes cidades recorrem a concursos arquitetônicos ou criam espaços públicos que realmente vêm a ser ocupados e usados pela população, gerando bem-estar e renda, como o parque High Line em Nova York ou a revitalização do Puerto Madero em Buenos Aires.
São Paulo já perdeu oportunidades, como as reformas da praça Roosevelt e do largo da Batata, que resultaram em ganhos apenas modestos para os frequentadores. O projeto para o Anhangabaú, controverso, está atrasado. O parque Minhocão segue cercado de dúvidas logísticas e jurídicas.
Passa da hora de a cidade —e aqui não se fala apenas da prefeitura— abraçar ambições dignas de sua dimensão e sua riqueza.