sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Não são só os juízes, FSP

Mimos sucumbenciais oferecidos a advogados têm caráter de crédito privilegiado

Estátua da Justiça em frente ao prédio do STF, em Brasília
Estátua da Justiça em frente ao prédio do STF, em Brasília - Alan Marques - 12.ago.13/Folhapress
No Brasil, se dá bem quem tem um lobby forte no Congresso. E não há categoria com um lobby tão bom como a dos advogados.
Imagine, dileto leitor, que você está em seu canto, cuidando da sua vida sem fazer mal a ninguém e até produzindo algo de bom. Do nada, um louco inventa uma ação judicial contra você, obrigando-o a contratar um advogado para defender-se. Como o processo nunca passou de um delírio, você vence.
A chateação sofrida é um prejuízo que você vai ter de amargar, mas, para não incorrer também em perdas monetárias, o direito criou a figura dos honorários de sucumbência, pela qual a sentença deveria condenar a parte vencida a pagar à parte vencedora os honorários advocatícios e outras despesas com as quais esta teve de arcar. Tudo muito justo.
Bem, essa era a situação preconizada pelo antigo Código de Processo Civil (CPC). Mas, em 1994, os causídicos conseguiram que o Parlamento aprovasse a lei nº 8.906 (Estatuto da Advocacia), que transferiu a titularidade dos honorários de sucumbência da parte vencedora para seu advogado.
Não haveria nenhum problema se, com isso, os profissionais do direito tivessem deixado de cobrar de seus clientes, ficando só com o pagamento imposto à parte perdedora. Mas é claro que isso não aconteceu, o que, na prática, priva o vencedor de ser integralmente ressarcido de seus prejuízos.
De 1994 para cá, a situação só piorou, porque foi aprovado o novo CPCque ampliou os mimos sucumbenciais oferecidos aos advogados. Eles agora têm caráter de crédito privilegiado, valem também para a Justiça do Trabalho (onde não existiam) e são devidos até mesmo a advogados públicos. Isso, como mostrou reportagem da Folha, transformou recursos que iam para os cofres da União num suplemento salarial que tem variado em torno dos R$ 6.000.
A justa campanha contra os penduricalhos no Judiciário deveria incluir a sucumbência.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Novos crimes, Opinião FSP

Definição de delitos de natureza sexual deve ocorrer com precisão e rigor técnico

Mulher vítima de estupro cometido pelo próprio namorado
Mulher vítima de estupro cometido pelo próprio namorado - Ricardo Borges - 3.jun.16/Folhapress
Boas intenções e impropriedades variadas se encontram no pacote de medidas que os senadores aprovaram por ocasião da semana da mulher no Congresso Nacional.
O destaque foi a definição do crime de importunação sexual. Faz sentido, de fato, trazer ao arcabouço legal um tipo penal intermediário entre o estupro, que só se caracteriza mediante o emprego de violência ou grave ameaça, e o conceito ainda vigente de importunação —uma mera contravenção, punível com multa.
A necessidade desse meio-termo ficou clara no episódio, ocorrido no ano passado, em que um jovem ejaculou sobre uma passageira de ônibus em plena avenida Paulista. Ele foi preso, mas acabou libertadopor um juiz, dado que seu comportamento não chegava a configurar delito (estupro).
Restam dúvidas, entretanto, a respeito da redação que descreve o novo tipo penal: “praticar na presença de alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer sua própria lascívia ou a de terceiro”.
Como bem observou o advogado René Ariel Dotti, em artigo para esta Folha, o enunciado se mostra problemático, pois permite a qualquer um que presencie uma cena de que não goste —um beijo entre homossexuais, por exemplo— acionar a polícia, que teria de tratar o caso como crime. A previsão é de pena de um a cinco anos de prisão.
No mesmo texto, outro objetivo correto se perde em meio a excessos legislativos. Trata-se da criminalização da chamada vingança pornográfica —na qual, em casos de conflito amoroso, indivíduos divulgam imagens íntimas do parceiro. Tais atitudes, que se disseminam de modo alarmante, merecem, sim, tratamento penal.
Os parlamentares, porém, acabaram por inscrever a questão num dispositivo muito mais amplo, que pretende proibir a divulgação de todo e qualquer registro audiovisual que contenha cena de estupro. A tomar ao pé da letra o que está escrito, até filmes clássicos que tratam do assunto poderiam ser classificados como ilegais.
É inegável que o capítulo dos crimes contra a liberdade sexual da mulher precisa ser aprimorado, mas cumpre fazê-lo com precisão e rigor técnico. O texto recém-encaminhado para a sanção presidencial carece de ajustes.

Acinte federal, Opinião FSP



Uma elite encastelada em um dos Poderes da República decidiu ignorar o estado calamitoso das finanças públicas e partir em busca de um quinhão maior do dinheiro do contribuinte brasileiro.
Assim procederam os ministros do Supremo Tribunal Federal que, por 7 votos a 4, aprovaram na quarta-feira (8) proposta que prevê reajuste salarial de 16,4% aos magistrados em 2019, conforme reivindicam entidades da categoria.
O aumento, que depende da aprovação do Congresso, não constitui apenas uma irresponsabilidade orçamentária —trata-se de um acinte em um país que empobreceu nos últimos anos e abriga 13 milhões de desempregados.
Com a medida, os vencimentos dos ministros do STF, que delimitam o teto da administração pública, passarão de R$ 33,8 mil para R$ 39,3 mil mensais. Mesmo o primeiro valor já se mostra uma enorme regalia na realidade nacional, em que a renda média do trabalho do 1% mais rico é de R$ 27,1 mil.
A exorbitância é maior, porém. Graças a uma coleção de penduricalhos —incluindo o notório auxílio-moradia concedido de forma generalizada graças a uma liminar do Supremo— e brechas legais, cada um dos cerca de 18 mil magistrados do país custa, em média, R$ 47,7 mil por mês ao erário.
Tais valores, mais a garantia de estabilidade no emprego e privilégios como dois meses de recesso anual, são mais que suficientes para invalidar as queixas da corporação quanto à ausência de correção salarial nos últimos três anos. Mas há ainda o impacto nos depauperados cofres governamentais.
Com efeito cascata da ampliação do teto do serviço público, estima-se um gasto adicional de R$ 4 bilhões ao ano na União (R$ 1,4 bilhão) e nos estados, segundo cálculo das consultorias do Congresso.
A legislação orçamentária para 2019 já prevê que as despesas federais, excluindo juros da dívida, superarão as receitas em R$ 139 bilhões. É a esse aparato deficitário, no qual prioridades como saúde, educação e infraestrutura correm risco de perder verbas, que se pretende apresentar a fatura extra.
Chega a ser espantoso o argumento do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, de que juízes contribuem para recuperar recursos públicos desviados, citando a recente devolução, por meio da Lava Jato, de R$ 1 bilhão à Petrobras.
O custo anual do Judiciário brasileiro corresponde a mais de 80 vezes tal cifra. É possivelmente o mais caro do mundo como proporção do Produto Interno Bruto, devido ao número de servidores, principalmente, e aos salários muito acima do padrão nacional.