segunda-feira, 10 de julho de 2017

Unesp terá comissão para verificar declaração de cor dos alunos cotistas. OESP

Victor Vieira e Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo
10 Julho 2017 | 03h00
A Universidade Estadual Paulista (Unesp) vai averiguar se alunos cotistas da instituição são realmente pretos ou pardos, como indicado na inscrição do processo seletivo. Segundo a instituição, o sistema foi criado após denúncias de falsas declarações entre candidatos cotistas. 

Unesp terá comissão para verificar declaração de cor dos alunos cotistas
Reitoria. Passarão pela checagem só alunos que forem alvos de denúncias vindas de dentro ou de fora da Unesp Foto: Daniel Teixeira/Estadão
A ideia, por enquanto, não é verificar a etnia de todos os estudantes. Passarão pela checagem só alunos que forem alvos de denúncias vindas de dentro ou de fora da Unesp. No futuro, há intenção de ampliar a abrangência da averiguação. E terá efeito retroativo: se houver denúncia, será avaliada a suposta inconsistência na autodeclaração dos já matriculados. 
Na análise, serão usados critérios físicos, como a cor da pele ou o tipo de cabelo. Diferentemente de outras comissões do tipo para vestibulares e concursos públicos, também poderão ser considerados, entre alunos com pele menos escura, aspectos subjetivos, como a identidade negra do candidato em contextos sociais ou culturais. 

“Há casos em que gostaríamos de considerar: estudantes que desenvolveram sua identidade em espaços de construção cultural negra, como escola de samba, capoeira ou organização quilombola”, explica Juarez Tadeu de Paula Xavier, assessor da Pró-reitoria de Extensão Universitária da instituição. Esse perfil sociocultural pode ajudar o aluno a seguir na instituição, mas não significa que será obrigatório para ter direito à cota. A universidade diz que vai dar amplo direito de defesa aos avaliados, como o uso de fotografias, documentos e vídeos. A análise será feita caso a caso.
O estudante será avaliado por uma comissão formada por professores alunos e funcionários. Caso não seja enquadrado como preto ou pardo, será excluído da universidade. 
O mecanismo foi criado após denúncias levadas pela ONG Educafro – que busca a inclusão de pobres e negros na educação – e por coletivos da universidade. Houve queixas em pelo menos metade dos 24 municípios onde a Unesp tem câmpus, segundo Xavier. “É um volume considerável”, diz ele, sem precisar números. Todas ainda estão em apuração.
Em 2013, a Unesp foi a primeira a adotar cotas entre as estaduais paulistas, de forma escalonada. Agora, a reserva é de 50% das vagas para alunos de escola pública e, dentro desse grupo, 35% para pretos, pardos e indígenas (PPI), segundo a distribuição populacional no Estado de São Paulo medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 7.403 calouros da Unesp neste ano, 1.922 – 26% do total – são PPI. 

De olho

Frei David Santos, diretor executivo da Educafro, afirma que o movimento negro é defensor da autodeclaração. “Mas ela só tem valor se houver uma comissão antifraude.” É comum que falsos cotistas, segundo ele, usem truques para se passarem como pretos e pardos – desde o uso de turbantes até o bronzeamento artificial. Para o ativista, deve ter direito a cotas raciais aquele que enfrenta preconceito pela aparência. Uma pessoa de pele clara, ainda que tenha familiares negros, sofre pouco com a discriminação, diz.
Ele propõe que as universidades atuem em três frentes: obrigar os fraudadores a ressarcirem a instituição, usar o dinheiro para um fundo de bolsas para estudantes negros e criar edital para que a vaga aberta após o desligamento do falso cotista seja ocupada por um candidato PPI.
A ideia também é alvo de críticas. Para o professor de Direito Administrativo da USP Floriano de Azevedo Marques, comissões como essa “criam uma segregação justamente onde se queria evitar”, uma vez que “vai continuar marcando aquele aluno como ‘uma pessoa especial’ que precisa provar o quanto é especial, o que anula o principal proveito da política inclusiva, que é criar diversidade”. Marques diz ainda que “a quantidade de melanina na pele não é fator objetivo que define se o sujeito é ou não merecedor da inclusão”.

domingo, 9 de julho de 2017

Os novos cursos da USP, OESP

Na mesma semana em que anunciou a adoção do sistema de cotas para o próximo vestibular, o Conselho Universitário (CO) da USP aprovou a abertura de dois novos cursos: um de medicina, em Bauru, e outro de biotecnologia, no campus da zona leste, em São Paulo. Eles começarão a funcionar em 2018 e sua criação causou surpresa, já que a instituição está enfrentando graves dificuldades financeiras. Desde 2014, ela já adotou dois programas de demissão voluntária, que resultaram no afastamento de 3,5 mil funcionários. Também adiou a contratação de professores e não corrigiu os salários neste ano. Em 2016, a USP teve um déficit de R$ 660 milhões.
A justificativa para a abertura de dois novos cursos num período de falta de recursos foi de que eles resolverão dois problemas. O curso de biotecnologia, que será oferecido pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), foi pensado para substituir o atual curso de ciências da natureza no período matutino, que tem um grande número de vagas ociosas, por falta de demanda. Segundo a EACH, o novo curso não acarretará gastos, pois não exigirá mudanças estruturais na USP Leste nem contratação de servidores. 
O problema mais complicado envolve a criação do curso de medicina em Bauru, que será vinculado à Faculdade de Odontologia (FOB). Ele será o terceiro oferecido pela USP. Os outros dois são os de São Paulo e Ribeirão Preto. Segundo a FOB, o campus de Bauru é o único que, nas duas últimas décadas, não ampliou o número de cursos e de vagas. Também alega que a abertura do curso de medicina foi a solução encontrada para manter o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, situado nesse campus, e que atende 70 mil pacientes por ano. Como a manutenção é cara, a direção da FOB conseguiu que a responsabilidade por sua gestão – e, portanto, por suas despesas de custeio – fosse transferida da USP para a Secretaria Estadual da Saúde. Em troca, a FOB comprometeu-se – com forte apoio das lideranças políticas locais – a pedir ao CO a criação de um curso de medicina na cidade. 
A decisão do órgão colegiado, contudo, não foi pacífica. De seus 97 integrantes, 18 votaram contra a criação desse curso. Segundo eles, como esse hospital terá de seguir as regras do Sistema Único de Saúde (SUS), cujos repasses estão defasados, ele não tem condição de ser financeiramente sustentável nem de manter a atual qualidade de atendimento. Alguns conselheiros reclamaram que a decisão foi mais política do que técnica. Outros defenderam que os recursos deveriam ser investidos no Hospital Universitário, situado no campus da Cidade Universitária, cujo pronto-socorro está atendendo apenas a emergências, por causa da crise financeira da USP, encaminhando os casos de menor gravidade para postos de saúde municipais e estaduais. Muitos dos professores que votaram a favor da criação do curso de medicina em Bauru condicionaram seu voto ao cumprimento do acordo que transfere para a Secretaria Estadual da Saúde a responsabilidade pela manutenção do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais.
O que justifica essa atitude prudente é o receio de que possa se repetir, no campus de Bauru, o que já ocorreu com acordos semelhantes. Quando a Faculdade de Engenharia Química de Lorena foi incorporada à USP, em 2006, o governador Geraldo Alckmin prometeu aumentar o repasse financeiro para a universidade, mas não cumpriu a promessa. Quando a Unicamp criou o campus de Limeira, foi prometido um aumento nos repasses à instituição, o que também não aconteceu. 
Com a criação de um novo curso de medicina – cujos gastos de custeio são altos – num período de escassez de recursos, a USP parece ter cedido a pressões das lideranças políticas, em troca da promessa da Secretaria Estadual da Saúde – cujo titular é apontado como um dos candidatos de Alckmin à sua sucessão – de resolver os problemas financeiros do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais.

Deixar os pais na casa de repouso é um 'direito do cidadão' que quer ser feliz - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 03/07

Acho a autoajuda e o politicamente correto duas formas de mau-caratismo. Minha crítica máxima aos dois nasce da minha certeza (tenho poucas) de que o sofrimento é fonte inexorável do amadurecimento, coisa rara em épocas retardadas como a nossa. O projeto contemporâneo é chegar aos 60 anos com cabeça de 15. Logo, retardo mental como projeto de vida. Uma conquista contra a inteligência.

Um dos temas prediletos do mau-caratismo é a chamada "terceira idade". Um mercado, claro, devido à longevidade da espécie nos últimos anos. Já se tratou a velhice como "melhor idade" também. Uma ofensa à experiência humana real.

A longevidade estendida é um dos casos mais claros da famosa ambivalência descrita por Zygmunt Bauman (1925-2017). Um bem evidente por um lado, um drama humano gigantesco por outro, sem solução, como toda ambivalência que se preze. O mais sábio dos meus amigos costuma dizer que uma das versões do inferno no futuro será a impossibilidade de morrer. Você vai querer morrer e não conseguirá.

Sem fazer referência necessariamente a toda gama de pessoas que vegetam por aí em leitos aparelhados com tecnologia de "primeira linha" para a humanidade vegetativa, a longevidade puramente fisiológica, muitas vezes acompanhada pela perda de funções cognitivas essenciais, atormentará o humano daqui para a frente.

A maravilhosa peça "O Pai", de Florian Zeller, com direção de Léo Stefanini, cujo elenco é encabeçado por Fulvio Stefanini (brilhante como o pai da peça, vencedor do Prêmio Shell de melhor ator em 2016), em cartaz no teatro Fernando Torres, em São Paulo, é essencial para pensarmos o tema da longevidade para além do marketing da longevidade.

Este é caracterizado por um discurso, como (quase) sempre no marketing, de facilitação da realidade em nome de um otimismo besta.

O impacto dos avanços tecnológicos, científicos e médicos criaram uma sobrevida na espécie humana jamais imaginada. Vivemos mais, mas somos cada vez mais solitários. Muito metabolismo para uma alma cada vez mais dissociada de si mesma. A peça tem, entre outras qualidades, a capacidade de levar você para dentro dessa alma idosa longeva e solitária, graças ao texto, às interpretações e à direção.

A solidão é uma epidemia contemporânea, em meio ao maior surto de histeria já enfrentado pela humanidade. Solidão e histeria, juntas, formam uma mistura explosiva em termos epidemiológicos.

Os avanços sociais e políticos, passo a passo com os avanços técnicos citados acima, produzem uma sociabilidade cada vez mais egoísta —o egoísmo é a grande revolução moral moderna. As pessoas emancipadas tendem ao egoísmo como forma de autonomia.

Inteligentinhos não entendem isso muito bem porque são as maiores vítimas do marketing de comportamento que se pode imaginar. Emancipados pensam em si mesmos, antes de tudo, como consumidores do direito ao egoísmo.

Sempre soubemos que os idosos sofrem na mão dos filhos homens e de suas mulheres, que quase nunca suportam seus sogros, que insistem em ficar vivos. As filhas, que quase sempre suportaram o ônus da lida com os pais, agora se libertam e também querem vida própria (claro que existem exceções ao descrito acima, que filhos, filhas, genros e noras ofendidinhos não fiquem nervosos em demasia).

As filhas também têm o direito de cuidar de si mesmas, é evidente. Deixar os pais na casa de repouso é um "direito de todo cidadão" que quer ser feliz sem ter que viver cuidando de pais que nunca morrem. Por isso que o mercado gerontológico só cresce.

Além disso, a crescente queda na natalidade, que caracteriza os mesmos países de crescente população longeva, só tende a agravar o quadro. Baixa natalidade e alta longevidade são ambas frutos da mesma riqueza instalada na sociedade: alta tecnologia e direitos sociais são manifestações diretas dessa riqueza. Filhos únicos serão idosos longevos solitários, dependentes de serviços que ocupam o vazio deixado pelas famílias.

Qual a solução pra isso? Não há. Um mundo de velhos solitários é o futuro de um mundo de ricos autônomos e amedrontados.