sexta-feira, 16 de junho de 2017

Manifesto à Nação, OESP


Impõe-se a mobilização da sociedade por uma Constituinte originária e independente

Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias, O Estado de S.Paulo
09 Abril 2017 | 05h00
Os constantes escândalos comprovam a inviabilidade do vigente sistema político-constitucional. Ele representa um modelo obsoleto, oligarca, intervencionista, cartorial, corporativista e anti-isonômico, que concede supersalários, foros privilegiados e muitos outros benefícios a um pequeno grupo de agentes públicos e políticos, enquanto o resto da população não tem meios para superar a ineficiência do Estado e exercer seus direitos mais básicos.
A Constituição de 1988 transformou a burocracia num obstáculo perverso ao exercício da cidadania. Ela é fruto de um momento histórico bastante peculiar, o fim de um regime de exceção, que não corresponde mais à realidade do Brasil; representa um conjunto de interesses e modelos que já em 1988 estavam em franca deterioração no mundo civilizado.
Por ser um compromisso de interesses entre as forças que disputavam o poder após a ditadura, a Carta de 88 foi recheada de casuísmos e de corporativismos. Estabeleceu um absurdo regime político que se nutre de um sistema pseudopartidário, excessivamente fragmentado e capturado por interesses de corporações e de facções político-criminosas. Isso torna excessivamente custosa a governabilidade, criando uma relação tóxica entre os Poderes, o que favorece a corrupção, o tráfico de influência e os rombos devastadores nas contas públicas.
Os vícios insanáveis de Carta de 88 fizeram com que ela tenha sido desfigurada por 95 emendas desde sua promulgação, tramitando atualmente mais de mil novos projetos de emendas constitucionais. No entanto, tais emendas são paliativos lentos e pontuais, que apenas retardam as verdadeiras estruturais necessárias.
Os temas constitucionais para uma reforma estrutural, política e administrativa, indispensável à restauração das instituições, são, dentre outros:
 - Eliminação do foro privilegiado;
 - Eliminação da desproporção de deputados por Estados da Federação;
 - Voto distrital puro, sendo os parlamentares eleitos pelo distrito eleitoral respectivo;
 - Referendo no caso de o Congresso legislar em causa própria, sob qualquer circunstância;
 - Estabelecimento do regime de consulta, com referendo ou plebiscito, para qualquer matéria constitucional relevante; 
 - Nenhum parlamentar poderá exercer cargos na administração pública durante o seu mandato;
 - Eliminação dos cargos de confiança na administração pública, devendo todos os cargos ser ocupados por servidores concursados;
 - Eliminação do Fundo Partidário e do financiamento público das eleições: serão os partidos financiados unicamente por seus próprios filiados;
 - Eliminação das emendas parlamentares, que tornam os congressistas sócios do Orçamento, e não seus fiscais;
 - Criação ou aumento de impostos, somente com referendo;
 - Fim das coligações para quaisquer eleições;
 - Eliminação de efeitos de marketing das campanhas eleitorais, devendo os candidatos se apresentar no horário gratuito pessoalmente, com seus programas e para rebater críticas;
 - Distribuição igual de tempo por partido no horário eleitoral gratuito para as eleições majoritárias (presidente e governador);
 - Inclusão do princípio da isonomia na Constituição, de modo que a lei estabeleça tratamento igual para todos, em complementação ao princípio vigente de que todos são iguais perante a lei;
 - Isonomia de direitos, de obrigações e de encargos trabalhistas e previdenciários para todos os brasileiros, do setor público e do setor privado;
 - Eliminação da estabilidade no exercício de cargo público, com exceção do Poder Judiciário, do Ministério Público e das Forças Armadas, devendo os servidores públicos se submeter às mesmas regras do contrato trabalhista do setor privado;
 - Eliminação dos privilégios por cargo ou função (mordomias, supersalários, auxílios, benefícios, etc.), devendo o valor efetivamente recebido pelo servidor estar dentro do teto previsto na Constituição.
Todos sabemos que essas mudanças jamais serão aprovadas pelos atuais parlamentares, que atuam só para manter o vigente sistema político-constitucional, que preserva seus privilégios. Por isso somente poderemos fazer as reformas estruturais políticas e administrativas indispensáveis com uma Constituinte composta por membros da sociedade civil que não ocupem cargos políticos e, encerrados os trabalhos constituintes, fiquem inelegíveis por oito anos.
A viabilização dessa indispensável providência de restauração das instituições, desfiguradas pela ilegitimidade manifesta da maioria dos atuais congressistas, que nada mais representam senão seus próprios interesses de sobrevivência política e criminal, passa pelo plebiscito instituído na Lei n.º 9.709, de 1998.
O plebiscito deverá ser convocado por iniciativa de um terço dos deputados ou dos senadores e aprovado por maioria simples dos membros de uma das Casas do Congresso. Nele os eleitores deverão decidir pela convocação de uma Assembleia Constituinte independente, formada por pessoas que não tenham cargos políticos, ou, então, por uma Assembleia Constituinte formada pelos próprios congressistas. Esta será a única pergunta a ser formulada na cédula.
A redação da Constituição de um Estado é a máxima expressão da soberania de um povo. Quando o povo não participa de sua elaboração, temos uma Constituição discriminatória, de privilégios para casta política e administrativa, como a de 1988, que criou não uma democracia representativa, mas, sim, uma democracia corporativista.
Impõe-se, enfim, uma mobilização da sociedade civil e organizada que exija do Congresso Nacional a realização de um plebiscito, nos termos da Lei 9.709/98, para que o povo decida, soberanamente, se quer uma Assembleia Constituinte originária e independente, que estabeleça as novas estruturas para o desenvolvimento sustentável do nosso país, num autêntico Estado Democrático de Direito.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Reação em cadeia, The Economist, O Estado de S.Paulo



Por que, para aflição dos agricultores, as grandes empresas químicas estão se fundindo







11 Junho 2017 | 05h00

Agrícola
Norma. Agricultores da União Europeia tiveram de reduzir pesticidas  Foto: Reuters/Joe Skipper
Com a chegada da primavera no Hemisfério Norte, as folhas das videiras recobrem de verde as colinas do Languedoc, no sul da França. O fenômeno conta com o amparo dos defensivos agrícolas – utilizados em grande quantidade, confessa um vinicultor, cuja propriedade fica próxima ao vilarejo de Thuir, nos Pirineus. Na falta desses produtos agroquímicos, seria preciso usar fertilizantes naturais e arrancar manualmente as pragas que atacam as plantas; duas alternativas dispendiosas. Na Europa, ninguém faz uso tão intensivo de agrotóxicos quanto os agricultores franceses: são 65 mil toneladas só de pesticidas todos os anos.
Por isso, até os pequenos vinicultores estão de orelha em pé com uma série de aquisições envolvendo seus principais fornecedores de defensivos agrícolas. De 2015 para cá, após uma década sem negócios mais retumbantes, três grandes fusões foram postas na mesa, envolvendo um montante total de cerca de US$ 240 bilhões. Inicialmente, quando as transações foram anunciadas, muitos duvidaram que as autoridades antitruste fossem aprová-las. Se as três receberem sinal verde, como agora parece provável que aconteça, quatro empresas, e não mais seis, como hoje, serão responsáveis pela produção de 70% dos pesticidas utilizados no planeta.
A primeira grande fusão, anunciada em dezembro de 2015, foi a da Dow Chemical com a DuPont, quarta e quinta maiores empresas químicas do mundo em valor de mercado. Trata-se de um negócio de US$ 130 bilhões. É a maior fusão da história do setor, e acabou impulsionando outros negócios. Um ano depois, foi a vez da gigante alemã Bayer concordar em se juntar com a americana Monsanto, especializada em sementes, numa transação valendo US$ 66 bilhões. Passados mais dois meses, a gigante chinesa ChemChina ofereceu US$ 43 bilhões em dinheiro pela suíça de biotecnologia Syngenta. Agora, os chineses também querem se unir com uma concorrente local, a Sinochem, a fim de criar uma empresa com faturamento de aproximadamente US$ 100 bilhões.
E a onda de fusões extravasou do segmento de defensivos para o restante do setor químico; em particular, para empresas que fabricam produtos “especiais”. Em 22 de maio, a Clariant e a Huntsman, fabricantes, entre outras coisas, de aditivos para pesticidas, concordaram na fusão de iguais, num negócio de US$ 14 bilhões. Em abril, a fabricante americana de tintas PPG já tinha se prontificado a pagar quase o dobro disso por sua concorrente holandesa AkzoNobel, que rejeitou a oferta, embora os americanos continuem insistindo. Em 24 de maio, as fornecedoras de gás industrial Praxair e Linde anunciaram uma fusão de iguais no valor de US$ 70 bilhões.
O principal motor dessa onda de negócios é a forte desaceleração no crescimento da demanda de todos os tipos de produtos químicos, explica P. J. Juvekar, do Citigroup. Nos anos 2000, as vendas aumentavam a uma taxa de 6% ou 7% ao ano. Em 2016, com a demanda chinesa extremamente desaquecida, o setor cresceu só 2%. Os executivos veem no aumento de escala uma forma de reduzir custos.
Custo. A alta expressiva dos gastos com o desenvolvimento de novos produtos químicos é outro fator, diz Kurt Bock, CEO da gigante alemã Basf. Na Europa, o custo médio de desenvolvimento de uma nova substância ativa, que era de US$ 150 milhões em 1995, chega hoje a mais de US$ 500 milhões. A maior parte disso é empregada em testes que verificam a segurança do produto. No mesmo período, o número de compostos potenciais que precisam ser sintetizados e testados para cada nova substância, a fim de identificar eventuais efeitos prejudiciais à saúde, aumentou de 50 mil para mais de 140 mil, envolvendo processos que podem levar até dez anos para serem completados. Com ciclos de desenvolvimento mais demorados, as empresas precisam ter fôlego financeiro para manter maior número de projetos simultaneamente em andamento.
Normas mais rígidas, adotadas em toda a União Europeia, reduziram o número de pesticidas que os agricultores podem aplicar em suas plantações: de quase 1 mil no início da década de 90 para cerca de 400 hoje, observa Robert de Graeff, da Organização Europeia de Proprietários de Terras. Caso o aumento de escala signifique que as empresas terão os recursos necessários para investir no desenvolvimento de novos produtos, os membros da associação verão o processo de consolidação com bons olhos.
Mas os agricultores também estão temerosos. Não querem ficar excessivamente dependentes de combinações de sementes e defensivos agrícolas de uma única empresa. As três grandes fusões envolvem uma companhia focada em sementes e outra em agroquímicos. Muitos agricultores receiam se ver numa situação em que tenham necessariamente de usar os pesticidas da mesma empresa que lhes fornece as sementes. Segundo Roger Johnson, presidente da União Nacional de Agricultores dos EUA, aos olhos de seus associados nenhuma das fusões cheira a coisa boa. O aumento da consolidação também pode significar que as empresas químicas terão condições de cobrar preços mais altos, teme Johnson, além de serem menos pressionadas a desenvolver novos produtos.
As fusões precisam passar pelo crivo das autoridades antitruste. A UE aprovou as fusões da Dow com a DuPont e da ChemChina com a Syngenta; e agora é quase certo que esses negócios serão concretizados, diz Juvekar. A Bayer está em conversações com as autoridades sobre sua fusão com a Monsanto; os analistas acham que também esse negócio receberá sinal verde.
A condescendência das autoridades tende a encorajar a realização de ainda mais negócios. A facilidade com que a compra da Syngenta pela ChemChina foi aprovada talvez anime outras companhias chinesas a vir atrás de empresas químicas ocidentais no futuro. Segundo Florian Budde, da consultoria McKinsey, por mais impressionantes que sejam os valores envolvidos, o fato é que a atual onda de negócios parece ser o início de um movimento de proporções ainda mais avassaladoras. Ao que tudo indica, os agricultores ainda terão muitos motivos para se preocupar.
© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.  

Mais de mil para cada um, Roberto Rodrigues, O Estado de S. Paulo




Hoje somos cerca de 207 milhões de brasileiros. Portanto, produzimos mais de 1,1 tonelada de grãos para cada brasileiro.







11 Junho 2017 | 05h00
De acordo com dados do IBGE, no primeiro trimestre deste ano o PIB brasileiro cresceu cerca de 1%, depois de vários meses e trimestres em recessão. Ufa, até que enfim!
E ficou claro que o crescimento se deveu ao setor agropecuário. De fato, este segmento fundamental da economia nacional teve uma expansão de 13,4% em relação ao trimestre anterior, enquanto a indústria cresceu 0,9% e o setor de serviços ficou estagnado. Feitas as contas subjacentes, verifica-se que o agronegócio contribuiu com mais de 75% do crescimento da economia no período. E, de acordo com os estudiosos, esta deverá ser a participação porcentual mínima do agro no avanço do PIB anual em 2017. Não chega a ser uma novidade, embora os números atuais tenham uma explicação: tivemos um ano com bastante chuva em quase todas as áreas agrícolas, salvo uma ou outra região que sofreu com veranicos (períodos de 10 a 15 dias sem chuva e com muito calor, o que prejudicou o desenvolvimento das plantações) em janeiro. Isso permitiu um aumento na safra de grãos da ordem de 47,7 milhões de toneladas em relação ao ano passado. Saltamos de 186,6 milhões de toneladas em 2016 para 234,3 milhões em 2017, 25,5% mais, enquanto a área plantada cresceu apenas 3,7%! Vale uma reflexão: apenas 8 países do mundo todo (EUA, China, Índia, Rússia, Argentina, Ucrânia, Canadá e Austrália) e mais a UE conseguem produzir uma safra de grãos superior ao acréscimo do Brasil neste ano. Ao acréscimo, somente!
Entre os diversos fatores responsáveis por esse salto incrível está a tecnologia tropical sustentável aqui desenvolvida, admirada internacionalmente, que estava pronta, e bastou um bom ano de chuvas para isto ser demonstrado tão claramente.
Mas o que tudo isso tem a ver com o título do artigo? É que hoje somos cerca de 207 milhões de brasileiros. Portanto, produzimos mais de 1,1 tonelada de grãos para cada brasileiro. Os números da FAO dizem que há segurança alimentar para a população cujo país produzir mais de 250 quilos por habitante/ano. Ora, nossos agricultores alimentam tranquilamente 4 vezes mais gente que a demanda dos nossos consumidores. Daí os excedentes para exportação que nos colocam em grande destaque no cenário global: primeiro exportador de café, suco de laranja, açúcar, carne de frango, farelo de soja, soja em grãos, segundo de milho e de óleo de soja, terceiro de carne bovina e quarto de carne suína. E crescendo em algodão e frutas. Somos também o maior exportador mundial de tabaco.
Tudo isso é notável, especialmente se nos lembrarmos de que há 50 anos éramos importadores de alimentos, e hoje ajudamos na segurança alimentar de mais de 150 países, exportando 90 milhões de toneladas de grãos, 6,3 milhões de toneladas de carnes, 28,9 milhões de toneladas de açúcar.
Pena que nem todos os produtores se beneficiem de tanta fartura: com ela, os preços caíram este ano, e as contas não estão fechando para muita gente. Na pecuária de corte, especialmente, os episódios da carne fraca e da JBS derrubaram o valor da arroba no país inteiro. É por isso que precisamos tanto de um seguro rural digno do nosso agro, como os países desenvolvidos já têm.
Mas não foi ainda neste Plano Safra que o seguro foi contemplado como deveria, infelizmente. E vale a pena uma palavra sobre o Plano: diante da crise política que vivemos e seus inevitáveis reflexos na economia, havia o temor de que faltaria crédito para o financiamento da nova safra. Mas isso não aconteceu. A oferta de recursos aumentou 2,5% em relação ao ano passado, chegando a R$ 190 bilhões. Os juros diminuíram 1% para a maioria dos programas. Poderiam ser menores, já que a inflação estimada para o exercício deverá ficar em torno de 4%. Positivo foi o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns, com juros de 6,5%, mesma taxa para Incentivo à Inovação Tecnológica. Enfim, diante do cenário atual, foi um bom Plano Safra, não fosse o Seguro. Como disse o ministro da Agricultura, temos de olhar a floresta, e não apenas a árvore. Vamos tratar de plantar outra grande safra este ano, outros mil quilos para cada brasileiro.