segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Por que um presidente eleito, como Trump, não pode fazer tudo o que quer, NEXO

por
  • João Paulo Charleaux
  •  
05 Fev 2017 
(atualizado 05/Fev 00h25)

Em seus primeiros dias na Casa Branca, o presidente dos EUA, Donald Trump, publicou uma série de medidas que acabaram questionadas na Justiçanas ruas e até mesmo dentro de sua própria equipe de governo.
Embora todas as “ordens executivas” e “memorandos presidenciais” publicados na primeira semana constassem numa plataforma eleitoral que havia sido vitoriosa meses antes, sua implementação não foi fácil.
A resistência de vários setores colocou em questão os limites do poder de políticos que, referendados nas urnas, acreditam ter o respaldo para governar sem dar satisfação aos “derrotados”.

Ação e reação

O MURO DO MÉXICO
Entre as promessas de campanha cumpridas agora está a autorização para a construção de um muro, fechando 3.000 quilômetros de fronteira com o México. No dia seguinte a esse anúncio, Trump teve como resposta o cancelamento da visita que o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, faria a Washington.
A POLÍTICA IMIGRATÓRIA
Trump também restringiu drasticamente a entrada de refugiados nos EUA e impediu que cidadãos de sete países pisassem em solo americano. Como resposta, milhares de pessoas protestaram no aeroporto JFK, em Nova York, enquanto advogados, no saguão do aeroporto, produziam habeas corpus para estrangeiros que estavam presos na imigração por conta da nova ordem da Casa Branca.
MEDIDAS CONTRA O ABORTO
A série de medidas polêmicas incluiu ainda a retomada das construções de oleodutos que estavam paradas por ordem do governo anterior e a proibição de financiamento de ONGs que promovem o aborto no exterior. Nos dois casos, a imprensa apontou abusos e os cidadãos protestaram nas ruas.

O debate sobre os limites presidenciais

Alguns eleitores e políticos republicanos acusaram a imprensa de agir como um partido de oposição a Trump, e muitos manifestantes foram tomados por maus perdedores de uma disputa eleitoral que recém terminara.
Para entender os limites do mandato presidencial e as característica da democracia, como um regime de maiorias, o Nexo fez três perguntas a dois especialistas: 
  • Wagner Pralon Mancuso, graduado em filosofia e em ciências sociais, mestre e doutor em ciência política, professor da USP
  • Thomaz Pereira, professor de direito constitucional na FGV Rio, mestre e doutorando pela escola de direito de Yale, nos EUA

Se a democracia é o sistema de governo da maioria, por que Trump deveria ceder à agenda de seus opositores depois de eleito?

WAGNER PRALON MANCUSO O chefe de um governo democrático e constitucional não recebe carta branca ao ser eleito. Ele é obrigado a obedecer à Constituição. Então, Trump não é obrigado a ceder à agenda dos opositores, mas é obrigado a respeitar a Constituição. Tecnicamente falando, Trump nem obteve a maioria dos votos populares, mas isso nos EUA não importa, porque lá é eleito quem obtiver a maioria dos votos do colégio eleitoral, composto pelos representantes dos Estados, e isso sim ele obteve. Mas o fato de ser um presidente legítimo não o autoriza a contrariar a lei maior do país [a Constituição].
THOMAZ PEREIRA Há duas preocupações em regimes de maioria. Uma delas é evitar que se consolide um poder político arbitrário, daquele líder que, eleito por maioria, começa a tomar atitudes que não têm o apoio da maioria que o elegeu. A outra preocupação é com o contrário disso, que é o líder que, eleito por maioria, impõe aos demais uma ditadura da maioria.
Trump foi eleito por uma maioria que não é sequer a maioria do voto popular, por conta de especificidades do modelo americano. Ele não teve a maioria dos votos americanos, mas ganhou em mais Estados, ele ganhou o voto do colégio eleitoral, que tem a ver com a representação dos Estados no sistema. Então ele não fala pela maioria da população. Mas, mesmo que ele falasse, isso é algo que tem de ser o tempo todo testado. Nenhuma maioria dá cheque em branco.

Se um presidente é eleito para executar o plano de governo que propôs nas eleições, por que esperar que Trump promulgue leis que sejam diferentes do plano de governo que ele mesmo apresentou na campanha?

WAGNER PRALON MANCUSO Numa campanha vale praticamente tudo para ser eleito, até seduzir o eleitorado com promessas que não podem ser cumpridas. A essência da democracia é a propaganda e o slogan, dizia Joseph Schumpeter [1883-1950], autor de uma das teorias democráticas mais influentes na ciência política contemporânea. Entretanto, no exercício do governo não vale tudo. Decisões governamentais que contrariam a Constituição não podem ser cumpridas, mesmo que tenham sido prometidas nos discursos de campanha e que figurem no plano de governo. Teoricamente caberia ao eleitor ter senso crítico para perceber que as promessas de seu candidato são inviáveis, mas nem sempre isso ocorre.
THOMAZ PEREIRA É esperado que ele tente cumprir o programa proposto na campanha. Porém, há coisas que Trump está tentando ou tentará fazer, por meio de ordens executivas ou não, equivalentes a decretos presidenciais no Brasil, que precisam ser testadas no Legislativo e que precisam ser constitucionais.
Há eleitores que votaram nele por apoio a uma proposta “A”, mas com grande discordância em relação à proposta “B”. O eleitor moderado de Trump pode votar nele, confiando que as instituições o impedirão de fazer certas coisas. Esse eleitor tem uma expectativa legítima de que as instituições limitarão o poder do presidente eleito. O eleitor não vota só no Trump, vota sabendo que ele é um presidente num sistema que impõe limites. Se o poder dele fosse ilimitado, talvez muita gente nem tivesse votado nele.

Se a imprensa, a Suprema Corte ou o Congresso agirem para impedi-lo, não estão indo contra a vontade da maioria, e, portanto, contra a democracia?

WAGNER PRALON MANCUSO A democracia também envolve liberdade de imprensa, bem como independência e controle mútuo entre os Poderes.
A imprensa não pode impedir Trump, mas pode divulgar suas decisões e promover um debate crítico e de qualidade sobre elas. O problema é quando este debate não é pautado por princípios como veracidade, multiplicidade de pontos de vista etc. Se o debate respeitar esses princípios e mostrar fragilidades das decisões de Trump, informando e mobilizando a opinião pública, a imprensa estará apenas cumprindo seu papel.
Quanto ao Congresso, os parlamentares também foram eleitos. Num sistema de separação de Poderes, são funções do poder Legislativo fiscalizar o Poder Executivo, assim como debater e votar suas propostas. O ex-presidente [Barack] Obama enfrentou grandes dificuldades para aprovar sua agenda junto a um Congresso muitas vezes hostil. Isso faz parte do jogo democrático. O partido de Trump [Republicano] tem maioria na Câmara dos Representantes e do Senado. Se, mesmo assim, suas medidas forem vetadas pelo Congresso, isso significa que o presidente dos EUA foi incapaz de angariar apoio até mesmo dos próprios correligionários. Neste caso, suas medidas não devem prosperar. Não há nada de antidemocrático nisso, pelo contrário.
Finalmente, a Suprema Corte é por natureza uma instituição antimajoritária. Seu papel envolve justamente vetar decisões dos outros Poderes sempre que elas contrariam a Constituição, mesmo quando tais decisões representem a vontade de uma maioria conjuntural, circunstancial, do eleitorado.
THOMAZ PEREIRA Não. Em primeiro lugar porque não existe essa presunção de que tudo o que Trump faz tem o apoio da maioria. Ele sequer foi eleito pela maioria dos americanos. Mas, mesmo que ele tivesse sido eleito pela maioria geral da população americana, isso não significa que tudo o que ele faça depois de eleito automaticamente tenha respaldo na vontade da maioria.
Uma das coisas que a imprensa faz é informar e manifestar sua opinião sobre certas questões. Ao Judiciário cabe fazer valer os limites legais e constitucionais para o exercício do poder. E uma das coisas que o Congresso, que também foi eleito por maioria, faz é verificar a força da maioria obtida pelo presidente, num choque que é salutar para a busca de consensos numa democracia.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Fatos Alternativos, O Globo

Fato alternativo. Como definiu a assessora de Donald Trump, Kellyanne Conway, é uma afirmação que contraria evidências, não se pode provar e continua sendo repetida oficialmente, como a oferecida por seu colega Sean Spicer, porta-voz da Casa Branca, sobre a cerimônia de posse de Trump. Ou a justificativa do presidente para a derrota no voto popular, a preferência de “milhões de imigrantes ilegais” por Hillary Clinton, embora eles não possam votar e nenhum indício de que o fizeram tenha sido apresentado às autoridades, que tampouco encontraram irregularidades.
A verdade. Trump perdeu as eleições no voto popular, chegou à Casa Branca com a menor aprovação da História moderna, não atraiu o maior público das cerimônias de posse como disse seu porta-voz — e, é claro, nada disso importa agora. Trump é o presidente dos EUA. E entrar num embate público motivado por seu ego ferido só demonstra despreparo para o posto. Trump age como o apresentador de reality show; não quer ser um bom presidente, mas ter audiência. Mente aos eleitores para assegurar popularidade, e tenta desmoralizar a imprensa, porque a verdade não lhe é favorável.
O problema de agir como um apresentador de reality show movido pela audiência é que no mundo real suas canetadas afetam a vida de bilhões de pessoas.
Fato alternativo. O muro na fronteira com México e outras medidas agressivas anti-imigração protegeriam os americanos de “criminosos e traficantes e gangues”, disse Trump diante de pessoas que perderam familiares em crimes envolvendo ilegais, pessoas convidadas pelo presidente para servir de plateia à assinatura do decreto, e submetidas ao constrangimento de relatar sua dor publicamente, como nos piores programas de auditório.
A verdade. A fronteira dos EUA com o México já é uma das mais patrulhadas do mundo entre dois países em paz. A entrada de mexicanos ilegais nos EUA está em queda desde 2009, enquanto aumentou o número de asiáticos, centro-americanos e africanos, segundo o Pew Research Center. A experiência sugere, no entanto, que o controle maior pode ter efeito contrário: até os anos 1990, mexicanos iam e voltavam no ritmo da demanda por trabalhadores braçais. Com maior controle, passaram a fazer a travessia (mais cara e arriscada) uma só vez, com a família e para se estabelecer. Porque são ilegais, trabalham majoritariamente em funções que os americanos desprezam, na lavoura e construção civil, como temporários. Não tomam, portanto, empregos formais. Nenhum dos muitos estudos ao longo de décadas de imigração para os EUA, comprovou a relação de Trump entre imigração e criminalidade.
Fato alternativo. Bloquear a entrada de refugiados sírios e suspender a imigração de Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen, países muçulmanos, é medida de segurança nacional.







'Ou acordo vira lei ou acabamos com ele', diz ministro do Trabalho, OESP

BRASÍLIA - O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, rebate as críticas de que dar força de lei a contratos coletivos de trabalho negociados entre patrões e trabalhadores, principal ponto da minirreforma proposta pelo governo Michel Temer ao Congresso, atende a um antigo pleito do empresariado. “Então, vamos terminar com acordo coletivo. Ou tem força de lei para ser respeitado ou não tem”. 
Nogueira, que decora o gabinete na Esplanada com foto do ex-presidente Getúlio Vargas, aposta no impacto da aprovação da minirreforma neste primeiro semestre para a recuperar o mercado de trabalho. 
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o governo vai trabalhar para reverter o quadro de desemprego?
Na verdade, a taxa não está aumentando. De dezembro de 2014 a dezembro de 2015, mais de 1,5 milhão de postos de trabalho foram fechados. De 2015 a 2016, foram 200 mil a menos. A comparação mostra que os números vêm reduzindo gradativamente. O governo já tomou as medidas necessárias. A PEC dos gastos, estabelecendo controle nos gastos públicos. O corte para dentro, com redução entre 25% e 30% dos cargos em comissão. A proposta de reforma da Previdência, buscando um caráter de sustentabilidade. E a modernização da legislação trabalhista, que não se sobrepõe à lei. Não é o acordado sobre o legislado, porque se o acordado prevalecesse, não precisaria existir a lei. A convenção coletiva poderá dar força de lei para o trabalhador escolher a forma mais vantajosa para usufruir de seus direitos. Por exemplo: a convenção coletiva não poderá aumentar a jornada de trabalho de 44 horas semanais, ou 220 mensais.
Hoje é permitido jornada de 12 por 36 horas para algumas categorias. Outras podem adotar a jornada flexível?
Sim, desde que seja uma decisão da convenção coletiva e se respeite o período de intervalo do descanso. Hoje, não tem impedimento. O pessoal da saúde e os vigilantes entendem que essa é uma regra vantajosa. Qual o problema? É que não tem segurança jurídica, até mesmo para essas categorias. Nossa proposta tem como eixo a segurança jurídica para que esses itens, se decididos na convenção coletiva, tenham força de lei.
Críticos dizem que isso privilegia as empresas devido à dificuldade dos trabalhadores negociarem acordos.
Então vamos terminar com acordo coletivo. Ou tem força de lei para ser respeitado ou não tem. O sindicato representa o interesse coletivo do trabalhador. A convenção coletiva terá força de lei para deliberar sobre a forma como a jornada de trabalho – desde que respeitadas as 44 horas semanais ou 220 horas mensais – poderá ser executada, observando os dispositivos da CLT: intervalo de descanso, limite de 12 horas, como já está previsto na CLT. Não dá pra noticiar que o governo pretende elevar o limite da jornada para 12 horas. É injusto. Isso já está na CLT. A regra geral é de que horas extras só são pactuadas dentro daquilo que exceder as 44 horas semanais. 
O que muda, então?
Há, sim, uma mudança. Porque (hoje) a CLT prevê 12 horas numa situação excepcional. Quando se pega os dados da CLT e do TST se corrobora a visão de que, dentro do limite de 12 horas, pode-se pactuar as 44 horas semanais. Pode-se flexibilizar isso aí. Ou damos segurança jurídica às convenções coletivas ou terminamos com elas. Não dá para continuar com o sindicato acertando o acordo e depois, lá na frente, um trabalhador entra na Justiça e o juiz diz que torna nulo o acordo coletivo para pagar a hora extra. A Justiça tem de ser plana, não pode ser complacente com um lado e nem rigorosa com o outro, senão não mudamos o País. A responsabilidade tem de ser mútua: de quem contrata e de quem é contratado. Qual o padrão sem convenção? Oito horas diárias e 44 semanais. Com convenção coletiva o trabalhador poderá definir a forma de executar as 44 horas semanais.
O sr. acredita que litígios trabalhistas serão reduzidos, com os acordos tendo força de lei?
Sim, porque vai trazer segurança jurídica. Grande parte dos litígios hoje se dá em razão de acordos coletivos que, depois, são tornados nulos. O governo Temer tem a característica de ser aberto ao diálogo. O governo não tem proposta de buscar adesão, busca a participação da sociedade para aprimorar a proposta inicial. A convenção coletiva irá deliberar sobre o banco de horas, para que a compensação seja equivalente ao pagamento da hora extra, 1 por 1,5 (para cada hora trabalhada a mais, o equivalente a uma hora e meia no banco de horas). Estamos aprimorando a representação dos trabalhadores nos assentos na convenção de trabalho. A convenção coletiva poderá deliberar também sobre a participação nos lucros, pró-trabalhador.
Por que o governo tirou a urgência do projeto de reforma trabalhista?
Nem chamo de reforma, prefiro modernização. Atualizar com a realidade do mundo. O projeto entra agora, já foi mandada a mensagem. Constituímos um grupo técnico, com dois representantes de cada central para acompanhar a reforma no ministério. Acredito que será votado ainda no primeiro semestre. O Brasil não pode esperar mais. Vamos empreender todos os esforços. Mas quem define a agenda do Legislativo é o Legislativo.
Há algum ponto inegociável na proposta?
Essa proposta é do trabalhador, construída junto com o governo. A deliberação não se toma de forma unilateral. Tanto trabalhador quanto empregador e governo têm consenso num ponto: o Brasil tem 12 milhões de pessoas que não têm endereço para trabalhar. É necessário unir empregador e trabalhador. Tem que ter disposição para o diálogo, o Brasil não pode esperar mais.
Especialistas afirmam que a taxa de desemprego vai piorar um pouco, antes de começar a melhorar...
Quem está apostando que o Brasil não vai dar certo vai errar. O Brasil tem potencial. Temos 60 milhões de pessoas que não têm uma atividade econômica e esse número não surgiu nos últimos seis meses e nem esse número de 12 milhões de desempregados surgiu nos últimos seis meses.
Quando o senhor acredita que vai começar a redução das taxas de desemprego? 
Gostaria de te dar uma data, como eu desejo isso. Mas a geração de empregos depende de um conjunto do resultado da economia, não depende só do Ministério. Tenho muito respeito pelos analistas. Às vezes, acertam, às vezes, erram. Quero apostar que dessa vez vão errar.