Postado em 01 Feb 2017
O Brasil está doente. A chaga talvez não esteja classificada na literatura médica, mas existe, é perniciosa e seus portadores não querem ser tratados pelo SUS. É coisa de pobre.
A atriz Antonia Fontenelle, cuja carreira já trilhou novelas de TV, acompanhou e postou nas redes sociais o nascimento de sua neta.
Famosa, Antonia tem muitos seguidores. O que a surpreendeu foi a repercussão negativa de boa parte deles a respeito de um detalhe do parto: ele ocorreu em um hospital da rede pública, o Miguel Couto, no Rio de Janeiro.
De tão descabidos, e em quantidade espantosa, Antonia Fontenelle viu-se compelida a se explicar.
“Quando soube que a Tabil (namorada de seu filho) estava grávida, ela estava com três meses de gestação. Fiz um bom plano de saúde para ela, mas para parto existe uma carência de um ano. Para os exames não tem. Eu já sabia disso, mas não ia deixar ela tratar a gravidez toda na rede pública porque soube de situações passadas em que ela passou mal, precisou fazer exames e não conseguiu. Meu obstetra a acompanhou do começo ao fim. Só que um parto custa em torno de R$ 40 mil na rede particular e não tenho, hoje, condições de pagar isso”, disse.
Ao que tudo indica, foi a condição financeira que fez com que sua neta nascesse de parto natural num hospital público. Para Antonia, também parece ter sido uma experiência nova.
E não de todo ruim, pelo contrário. Mas parece ter sido isso um acinte para seus seguidores que possuem a cultura já mais que inculcada em suas cabeças de que tudo que é público é péssimo e é exclusivo para pobres.
“Miguel Couto???”, perguntou um deles, assim, abismado.
Também não faltaram os que fizessem conexões rasteiras: “Olha a crise, até a neta da Fontenelle nascendo em hospital público”, disse outra.
Que doença é essa que estabelece que serviços públicos são para pobres e os demais devem utilizar os fornecedores da rede privada?
Quem conseguiu inocular esse vírus que faz com que contribuintes fiquem constrangidos de usar o serviço que foi pago na forma de impostos e que todos têm direito? E como foi feito para que se acredite piamente que tudo que é público é péssimo?
A atriz fez questão de relatar seu contato com o que chamou de ‘mundo paralelo’:
“Se estivesse em outro momento da minha vida iria proporcionar a Tabil um parto como o meu, mas não pude. Mesmo assim, foi tudo digno. E pensando nessa experiência, em que pude estar lá conversando com ela, vendo as mães chegando muito nervosas e depois as acalmando, vejo que foi um dia muito especial e de muita reflexão. Porque a verdade é que a gente vive em um mundo paralelo”, afirmou Antonia.
Claro, ela observou aspectos negativos, mas o ‘caos’ que ela (e muitos de seus seguidores imaginam) não existia.
“Vi que o Miguel Couto tem uma boa direção, mas precisa de mais aparato (…) Ontem a obstetra que nos atendeu, eu contei, fez uns dez partos, isso só no horário que eu estava lá.” Pelo visto, ninguém morreu. “O que vejo nas redes sociais é gente dizendo que sou rica e fui tirar o lugar de uma pessoa pobre. Eu pago impostos, a Tabil também, assim como meu filho. O serviço público é para a população. Daí as pessoas vêm me criticar? Eu estava lá, do começo ao fim, acompanhando, dando apoio e amor. Se alguma coisa desse errado ou ela fosse mal-atendida, o Brasil inteiro ia saber disso. Não vejo nada de errado em usar o serviço público”, afirmou Antonia.
O National Health Service é o sistema público de saúde inglês. Emprega 1,3 milhão de pessoas, atende a 1 milhão de pacientes a cada 36 horas e é considerado a maior estrutura de saúde pública do mundo.
De tão querido pela população satisfeita com o atendimento, foi homenageado na festa de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres.
Já por aqui, como bem diagnosticou Antonia Fontenelle, criaram-se mundos paralelos, de ricos e de pobres. Essa doença se chama classismo, apartheid, segregação. Tem em genéricos e de marcas também. É vendida não em anúncios, mas em reportagens de TV.