SÃO PAULO - Para a geração que não viveu 1964 e os anos mais duros da ditadura, o que vivemos nestes dias certamente é o fundo do poço, apesar de o país a cada minuto se esforçar em cavar mais. Para essa turma, principalmente aos que resistiram à tentação de se colocar nos extremos do bate-boca, o momento é muito tenso. Um Henrique Meirelles não faz verão, o futuro é incerto.
A lembrança pré-jornalismo, adolescente e inexata, não volta ao impedimento anterior, do presidente que todos achavam boçal, afastado de lavada pelo Congresso. A memória pula direto para o segundo turno de 1989, discussões intermináveis e descrições do fim do mundo; para a insegurança econômica dos anos Sarney, quando se discutia ministro da Fazenda como técnico da seleção; para as greves do ABC e a sensação esquisita de não saber exatamente o que acontecia ao redor.
Talvez sejam apenas lembranças comportadas de quem viveu muito tempo no fundo de outro poço, o da crise dos anos 80. Talvez os que tenham vivido o pesadelo anterior até as percebam com desprezo. E talvez por isso o inconfessável, a geração do buraco tem mais medo de voltar ao buraco que de golpe.
Dilma Rousseff não cai pelas pedaladas, óbvio. Fosse esse seu crime, de fato o afastamento seria um golpe. Cai por ser a beneficiária final de um esquema corrupto de poder, certamente não o único, mas o primeiro a ser destampado de verdade pela Justiça —até aqui de modo didático, com gente na cadeia, bilhões devolvidos. A presidente cai porque piorou uma crise econômica sem precedentes para se manter no poder.
A geração do buraco não será menos intolerante com o novo governo. E terá ao seu lado a do golpe, que se prepara para voltar irresponsável à oposição. Deputados, senador e um presidente já rodaram. Exigir e conseguir novas cabeças é factível.
O governo que entra precisa ser rápido. Se demorar a mostrar serviço, no país já existe um novo normal.
Na Presidência, ela reforçou comportamento centralizador e autossuficiente, distante do Congresso
Tânia Monteiro e Leonencio Nossa
12 Maio 2016 | 04h 07
BRASÍLIA - A distância mantida por Dilma Rousseff em relação a setores desgastados do Congresso foi uma tentativa da presidente de deixar uma marca durante sua passagem pelo Planalto e, ao mesmo tempo, uma das razões de seu drama político. O estilo insular da primeira mulher a ocupar a Presidência da República – somado à fama de gestora eficiente e que combatia a corrupção – garantiu índices elevados de popularidade nos primeiros anos de mandato, mas depois resultou no derretimento da coalizão de partidos aliados e de sua capacidade de sobreviver às crises econômica e política.
Em cinco anos e quatro meses de poder, Dilma fez desse distanciamento uma característica de quase todas as suas relações como presidente. Uma queixa inclusive do PT antes mesmo de ela comandar pela primeira vez o País. Foi o PMDB, no entanto, o partido que deixou mais claro o desconforto pelo comportamento centralizador e autossuficiente, visto por muitos como prepotência. Em 2008, os deputados peemedebistas Michel Temer (SP), Eduardo Cunha (RJ) e Henrique Eduardo Alves (RN) procuraram a então ministra-chefe da Casa Civil. No encontro, Alves lhe ofereceu um bambolê. O presente inusitado era uma crítica à falta de “jogo de cintura” da ministra em liberar cargos no setor elétrico. A gargalhada solta por Dilma não deixou clara a postura que adotaria no comando do Executivo, três anos depois. Naquela época, a relação com o PMDB não preocupava a futura candidata indicada ao posto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vivia o auge de sua popularidade.
Nas conversas com aliados, Dilma nunca escondeu que enxergava o exercício do poder como um peso e não um prazer. A Presidência era uma missão recebida. Mas a necessidade de iniciar um governo que tivesse características próprias ficou evidenciada dias antes de Lula lhe entregar a faixa. Dilma saiu em defesa da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada ao apedrejamento. A manifestação ia além de uma postura contrária à prática medieval de assassinar mulheres. A presidente eleita rejeitava em público a política externa do antecessor, que costurava negócios de mineradoras com regimes de violações de direitos humanos. Nas semanas seguintes, Dilma surgia como uma presidente técnica, que fugia dos extremismos e recebia para jantar até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na festa de 31 anos do PT, dois meses depois da primeira posse de Dilma, Lula discursou para negar que estava com ciúmes da sucessora e reclamar que a imprensa tentava distinguir o governo dela do projeto petista. “O sucesso de Dilma é o meu sucesso, o fracasso de Dilma é o meu fracasso”, esbravejou. Ele levou para a festa o ex-ministro José Dirceu e outros envolvidos no mensalão. Lula sugeriu que o PT não daria apoio para um possível desejo de Dilma de impor uma marca própria e afirmava que a presidente lhe seria fiel. “Essa gente metida a formadora de opinião pública não entende nada de psicologia. Minha relação com Dilma é indissociável”, disse. A presidente, por sua vez, tentava vender a mesma imagem de união umbilical entre criador e criatura: “Não adianta, ninguém vai me indispor com Lula e é por isso que digo que ele pode falar o que quiser”. Mas a realidade era distante dos discursos. Em muitas ocasiões, ela também se afastava de Lula.
Faxina. Em menos de dois anos de governo, Dilma perdeu sete ministros por corrupção, muitos demitidos em meio à pressão. Mas a chamada “faxina” só reforçou a imagem da presidente. Ela chegou a aprovação pessoal de 78% na pesquisa do Ibope. A limpeza no governo, porém, causou sangria interna na coalizão liderada por PT e PMDB. Wagner Rossi, ministro da Agricultura indicado pelo agora vice-presidente Michel Temer, foi demitido em meio à acusação da Polícia Federal de que liderava uma organização criminosa. Alfredo Nascimento, dos Transportes (hoje, deputado federal pelo PR, do Amazonas), e Luiz Antonio Pagot, diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), ligado ao senador Blairo Maggi (PP-MT), caíram sob suspeita de esquemas no setor rodoviário. A faxina chegou à Conab. O presidente do órgão, Evangevaldo Moreira dos Santos, irmão do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), saiu disparando contra Temer. Mais tarde, Arantes foi o relator da proposta de admissibilidade do impeachment de Dilma na Câmara. O governo sofreu impacto maior nas demissões dos ministros Antonio Palocci, da Casa Civil, sob suspeita de aumento ilegal do patrimônio, e Nelson Jobim, da Defesa, por críticas a colegas.
A decisão de Dilma de desmontar esquemas do PR, PT e PMDB nos Transportes resultou em melhoria nas pesquisas e, ao mesmo tempo, no problema de uma máquina de obras que deixava de funcionar. O PAC começou a desandar. A presidente foi criticada ainda por não ter jogo de cintura na relação com as empreiteiras, protagonistas desde o governo de Juscelino Kubitschek.
Lula deixou o Palácio do Planalto em 2010 como novo “pai dos pobres”. Dilma, formada no brizolismo, encarnou a “mãe dos pobres”, personagem que Lula lhe deu, mas ignorou que a realidade econômica do País mudou. A presidente adotou políticas populistas, segurando o preço da gasolina e da energia, além de manter os gastos públicos em patamares insustentáveis. Sua aprovação pessoal atingiu 79% em março de 2013, outro recorde. Mas metade desse porcentual se perdeu em junho e julho daquele ano, quando protestos contra o aumento da tarifa de ônibus e metrô em São Paulo – de R$ 3 para R$ 3,20 –, concedido pelo prefeito Fernando Haddad (PT), e a repressão violenta da polícia sob o controle do governador Geraldo Alckmin (PSDB) foram o estopim de manifestações que se alastraram pelo País em uma espécie de catarse nacional.
Num curto espaço de tempo, a gestora eficiente atraiu a ira das ruas. Quando Haddad e Alckmin anunciaram, no Palácio Bandeirantes, que a passagem voltaria ao preço anterior, milhares de pessoas continuaram nas ruas para pedir mudanças na qualidade dos serviços públicos e criticar a realização da Copa do Mundo.
Dilma não recuperou mais os índices de popularidade. Ela só tinha 34% de aprovação quando foi deflagrada a Operação Lava Jato, que jogou no colo do governo a corrupção na Petrobrás, estatal que teve a então ministra da Casa Civil como presidente do Conselho Administrativo. Os defensores do impeachment não apontaram sinais de enriquecimento ilícito de Dilma, mas destacavam que o projeto dela era o de Lula e do PT. As decisões do juiz Sérgio Moro e as ações da força-tarefa de procuradores e agentes federais da Lava Jato minariam tentativas da presidente de se desvencilhar da crise política e econômica.
Na campanha para o segundo mandato, Dilma fez mais promessas nas áreas social e econômica do que o já deficitário Orçamento permitiria. Antes mesmo da sua segunda posse, o discurso do Planalto mudou e a presidente foi acusada pela oposição de ter cometido “estelionato eleitoral”, algo que acabou sendo admitido pelo próprio Lula. Em outubro de 2015, um ano depois da reeleição, durante reunião do Diretório Nacional do PT em Brasília, Lula afirmou: “Tivemos um problema político sério, porque ganhamos a eleição com um discurso e depois das eleições tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”.
A Operação Lava Jato não foi o argumento oficial da peça do impeachment de Dilma aprovada pela Câmara, mas a decisão da presidente de usar recursos de bancos oficiais para equilibrar o rombo das contas – as pedaladas fiscais. A área que a diplomou – ela é formada em economia – foi justamente o motivo de sua impopularidade.
Com o aumento de problemas no setor de infraestrutura e da política fiscal, Dilma não contava nem mesmo com a máquina de claques montada por Lula. No começo de seu governo, a presidente isolou a equipe que organizava solenidades no Planalto e nas cidades dos grotões, deixada pelo ex-ministro da Secretaria-Geral Luiz Dulci. O sucessor de Dulci no cargo, Gilberto Carvalho, amigo pessoal de Lula, foi afastado depois. Nada de MST e CUT no Salão Nobre do Planalto e no gramado do Alvorada. Durante seu governo, a presidente evitou a pauta de temas tradicionais de movimentos de esquerda, como a reforma agrária, a demarcação de terras indígenas, a aplicação de investimentos mais robustos na educação e a melhoria da saúde. No campo, ela manteve a aliança com o agronegócio construída por Lula. Os ruralistas, porém, deixaram a aliança em 2016 e apoiaram o impeachment. Por ironia do destino, a claque sempre muito explorada por Lula foi a que se fez presente no apoio nas ruas nestes momentos finais de seu governo.
12 dias. A fase mais crítica e decisiva que selou a sorte da presidente começou em 4 de março deste ano, quando Lula foi conduzido de forma coercitiva para depor na Polícia Federal, e terminou 12 dias depois, em 16 do mesmo mês, data em que o ex-presidente tomou posse no cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Logo após o anúncio de que Lula entraria para o governo, Sérgio Moro divulgou áudios de telefonemas dos dois. Trechos desses áudios foram avaliados como conversas de Lula sobre uma suposta estratégia de ganhar foro privilegiado com a posse. O homem que conquistou multidões trazia a crise ainda mais para dentro do Planalto. Esse episódio abalou tanto a presidente que, no fim de semana seguinte, ela pegou o avião presidencial e foi buscar conforto na família, em Porto Alegre.
Mesmo com mais de 60% de rejeição nas pesquisas, Dilma não deixou de, praticamente todas as manhãs, pegar sua bicicleta e pedalar nas pistas próximas ao Palácio da Alvorada, por cerca de uma hora. “Isso me revigora”, confidenciou ela. Disciplinada, apesar das angústias e percalços, manteve sob rígido controle o peso e a saúde, evitando até mesmo uso de remédios para controlar a ansiedade.
Por causa das pressões, Dilma se viu obrigada a substituir muitos dos seus fiéis aliados. Manteve ao seu lado, porém, o assessor especial Giles Azevedo e desenvolveu uma ligação muito próxima a José Eduardo Cardozo, ex-Justiça e agora advogado-geral da União. O ex-ministro da Casa Civil, que ocupa hoje a Educação, Aloizio Mercadante, foi substituído por Jaques Wagner, que, agora, não sai de seu lado. Mas Dilma mantém momentos de isolamento no poder. Seus últimos discursos fizeram travessia para seu passado. “Eu tenho a disposição da resistência e resistirei até o último dia”, disse Dilma, na sexta-feira passada, pouco antes de a Comissão Especial do Senado aprovar a admissibilidade de abertura para o processo de impeachment.
Dilma não fala em erros, mas, além de ignorar os movimentos populares tão valiosos para a gestão do padrinho Lula, seu pouco apetite para a relação com o Congresso foi fatal. O vice-presidente Michel Temer, político tradicional, que ela desprezava, foi tratado como algoz. Apesar da disposição apregoada nos discursos de continuar lutando pelo seu mandato, auxiliares próximos à presidente relatam que ela também já demonstrou vontade de se livrar do fardo do poder.
Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade de São Paulo. Escreve às quartas-feiras.
Há alguma coisa no ar e não são apenas os urubus que infestam nossos aeroportos. Na semana passada, três bancos que detêm excelentes departamentos econômicos ou confirmaram suas visões de que em 2017 o PIB crescerá (1,5% segundo o Bradesco) ou alteraram suas perspectivas: o Itaú elevou sua estimativa de 0,3% para 1% do PIB e o BNP Paribas, de 0% para 2%!
Não há outra explicação para esse fato que não seja a captura (por suas pesquisas proprietárias) do "sentimento" disseminado no setor privado de que a eventual assunção à Presidência do vice-presidente Michel Temer produzirá a volta da governabilidade e a melhoria na economia. Temer tem insistido que o problema econômico é muito grave, mas que a sua solução está diagnosticada e à vista. E que, para executá-la, não faltam economistas talentosos.
O que falta, então? É a construção de uma sólida maioria no Congresso Nacional (na Câmara e no Senado) que defenda e aprove as reformas constitucionais que reconstituirão as esperanças da sociedade. Ele precisa desmoralizar a narrativa da esquerda "infantil" que se aboletou no governo de que vai reduzir os programas sociais. Ele precisa insistir que é apenas seu "parasitismo" que vai ser fiscalizado, em benefício do verdadeiro interesse do trabalhador comum e desorganizado.
É preciso repetir à exaustão. Nenhum direito adquirido será violado. As reformas não são "maldades". Pelo contrário, são "benignidades" indispensáveis para que voltemos a crescer. Esta é a condição necessária (ainda que não suficiente) para melhorarmos a igualdade de oportunidades de todo cidadão em um regime de liberdade iniciativa, o que, consequentemente, beneficiará todos os trabalhadores, não importando o lar em que nasceram, sexo, cor, religião ou nacionalidade.
O eventual governo de Michel Temer e sua eventual maioria vão ter que encarar de frente o problema de mostrar à sociedade brasileira que, ao contrário do que afirma o pensamento "mágico" que nos levou à tragédia em que vivemos, são exatamente as reformas bem feitas que garantirão, no futuro, os "direitos adquiridos".
Nosso problema é político e só um novo governo com a maioria sólida e estável no Congresso poderá começar a resolvê-lo. O Brasil não precisa de um governo de "gênios", mas de um governo de políticos competente com sensibilidade para a economia e coragem para fazer o que deve ser feito.
A alternativa será a inexorável desorganização social que nos espera se não o fizermos e que, provavelmente, nos tirará não só os "direitos adquiridos", mas também a nossa liberdade...