domingo, 8 de maio de 2016

De volta ao real – FERREIRA GULLAR


Folha de SP - 08/05

Tenho dito aqui que o tipo de governo que se instalou no Brasil e em alguns países latino-americanos –como Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador– é uma espécie de populismo de esquerda, que de esquerda não tem nada. Tenho dito também que esse populismo –apelidado por Hugo Chávez de socialismo bolivariano– nasceu como uma alternativa ao regime de tipo soviético, que se esgotou e findou na década de 1980.

Ao dizer isso, não afirmo mais do que o óbvio, uma vez que, na origem dessa opção, estava a Revolução Cubana, inspiradora dos movimentos guerrilheiros surgidos em alguns países do continente. Esses movimentos, que naturalmente fracassaram, estão, portanto, na origem do atual populismo, que foi obrigado a desistir da luta e voltar-se para o caminho eleitoral.

Mas, vejam bem, ao traçar tal diagnóstico, não desconheço que esse populismo, para afirmar-se como redutor da desigualdade social, contribuiu para melhorar as condições de vida de milhões de pobres que viviam em condições sub-humanas.

As críticas que faço a esse tipo de regime é que ele, por um lado, se vale do assistencialismo para perpetuar-se no poder e, por outro, conduz os países à debacle econômica por optarem pelo assistencialismo em lugar do investimento produtivo. No fundo, mas de outro modo, incorrem no mesmo erro dos regimes comunistas: desconhecer que o capitalismo, ainda que injusto, é fonte de riqueza e desenvolvimento econômico.

Como já observamos em outra ocasião, esse populismo não é o mesmo em cada um dos países onde se implantou, embora, apesar disso, tenha cometido os mesmos erros em cada um deles e, não por acaso, entrou em colapso quase ao mesmo tempo. Na Argentina, em sua versão kirchnerista, já chegou ao fim e, na Venezuela, está prestes a acabar, ainda que de maneira quase hilariante.

Depois de criar o Vice-Ministério da Suprema Felicidade, Maduro reduziu o trabalho do funcionalismo público a apenas dois dias por semana e quer agora impedir que as mulheres usem secador de cabelo para assim reduzir o consumo de energia...

No Brasil não chegamos a tanto, porque não somos uma terra propícia ao realismo mágico de García Márquez. Não obstante, também aqui o populismo entrou igualmente em colapso, não diria que em função daquele realismo e, sim, do realismo corrupto que, se não é exclusividade nossa, parece que se tornou parte de nossa vida política.

Quem diria, por exemplo, que um partido como o PT, nascido sob o lema do "não rouba nem deixa roubar", fosse implantar no país um dos regimes mais corruptos de nossa história?

Não por acaso, esse é também o regime da mentira. E, se digo que não é por acaso, digo-o porque, em face dos últimos escândalos e de como se comportam os petistas e seus aliados, sou obrigado a acreditar que a mentira é inerente a esse tipo de militância política.

Nunca vi mentir com tamanho descaramento. Diria mesmo que a mentira é um elemento estrutural do procedimento político-administrativo que tem governado o país nestes últimos anos.

Senão vejamos: Lula implanta o mensalão, mente que foi traído e depois mente de novo ao dizer que foi tudo invenção da imprensa. Estoura o escândalo do petrolão, que leva à cadeia gente de seu partido e empresários amigos seus. Mas ele, sem qualquer constrangimento, afirma que se trata de uma conspiração para tirar o PT do poder.

Dilma segue o mesmo caminho, afirmando que o impeachment é golpe, embora tenha usado a grana das pedaladas para se reeleger. E mentiu durante toda a campanha eleitoral de 2014. Ainda assim –ou talvez por isso mesmo– nada evitará que o populismo petista chegue ao fim.

Dilma estará fora do governo. Mas me perguntam : o que virá depois? Pode-se confiar em Temer? Diante disso, minha resposta é a seguinte: também não sei o que virá depois, mas, dificilmente, será pior do que o que aí está. De qualquer modo, é melhor tentar mudar do que manter o que já não deu certo.

sábado, 7 de maio de 2016

NOTÍCIAS DO METRÔ DE SÃO PAULO, do blog do Ralph

NO

blogpontodeonibus.wordpress.comO jornal Folha de S. Paulo publicou hoje artigo com o título "Metrô de SP diminui número de trens em operação nas quatro linhas". Ou seja, nas linhas que não são privatizadas - 1, 2, 3 e 5.

Segundo o jornal, o Metrô tinha 141 trens em operação em 2011. Hoje teria 10 por cento a menos, ou seja, cerca de 127 trens. Em janeiro deste ano, teria sido este o número, que transportavam mais de um bilhão de passageiros em 2015. Entre 2011 e 2015, houve épocas, ainda segundo A Folha, em que houve à disposição 117 e 121 trens apenas. A reportagem que, com menos trens, mais lotados eles estarão. Matematicamente está correto. Mas fará mesmo tanta diferença assim?

Houve aumento no tempo de espera dos trens nas linhas 1 e 3. Houve redução (pequena) na linha 2. O intervalo entre os trens aumentou nas linhas 1 e 5. Foi tudo isto um grande problema para os usuários? Na verdade, o que mais afeta os serviços e que o usuário percebe são os atrasos e problemas causados quando há falhas - geralmente elétricas - que acontecem atrasando trens e também dias de chuva, que obriga os trens a reduzir suas velocidades.

Os trens cheios e apertados dos horários de pico existem desde o início de operações do metrô, e existirão sempre. Isso acontece no mundo inteiro. O metrô de São Paulo nunca foi o melhor do mundo, mas certamente é o melhor do Brasil e certamente está longe de ser o pior do mundo.

Se o governo resolveu por essa redução, deve haver um ou mais motivos. Redução de custos é um deles. Afinal, a crise brasileira de 2015 e 2016 afetou também estados e prefeituras. Além disso, o Metrô separou algumas composições para serem canibalizadas: isto economiza a compra de peças que já estão se tornando difíceis de encontrar no mercado e também acaba sendo uma medida de economia.

Tudo isto está correto? O Governo do Estado, acionista principal, está fazendo bobagem? Está piorando o serviço de forma a diminuir a confiabilidade no sistema?

Difícil dizer. Eu não gostaria de ser o governador ou diretor do Metrô, realmente. Quanto aos artigos dos jornais, desde sempre, a maioria esmagadora das notícias relacionadas a ferrovias (metrô é ferrovia, sim!!!) sempre são reclamações ou sobre acidentes, seja ele um descarrilamento no pátio de manobras como os do tipo sanguinário com dezenas de mortes - que, graças a Deus, não têm acontecido.

Mario Vargas Llosa diz que Brasil está dando exemplo de combate à corrupção, in OESP

Mais de 40 obras de ficção e não ficção, peças, livros infantis. Milhares de artigos publicados em jornais de todo o mundo sobre temas que vão da política internacional aos clássicos universais. Conferências e mais conferências. Mario Vargas Llosa, 80 anos, não para. E não quer parar. “Essa é uma maneira de me manter vivo até o final, escrevendo, com projetos, de tal maneira que a morte seja uma surpresa, um acidente”, disse o prêmio Nobel de 2010 e colunista do Estadonesta entrevista feita no início da tarde de sexta, 6, por telefone, desde Buenos Aires, onde parou antes de desembarcar em São Paulo. Na segunda-feira, 9, ele participa do Fronteiras do Pensamento. 
Confira trechos da conversa em que o escritor falou sobre democracia, populismo, Dilma, Donald Trump e, claro, literatura e seu mais recente romance, Cinco Esquinas, que será lançado pela Alfaguara em outubro.
Por que 'Cinco Esquinas'?
Esse é o nome de um bairro de Lima muito importante nos séculos da colônia e que depois entrou em decadência. Teve uma ressurreição no começo do século 20, quando ganhou prestígio pela música. E foi decaindo de novo e se transformando num bairro violento pelo narcotráfico e prostituição. Pareceu um título simbólico para um romance em que os personagens nasceram e viveram lá e também pela história de auge e decadência, de violência. É um pouco um símbolo da história que o livro conta.
E qual foi a história que o senhor quis contar?
O livro descreve a vida nos instantes finais da ditadura de Fujimori, que foram de grandes incertezas. Havia terrorismo de todos os lados. A delinquência comum cresceu muito com a violência política. O toque de recolher aumentava a claustrofobia e a paranoia dos peruanos. Minha primeira ideia era mostrar como a ditadura, especialmente Vladimiro Montesinos, que era o nome forte, usou a imprensa marrom para combater os críticos do regime, envolvendo-os em escândalos muitas vezes inventados. E esse tipo de jornalismo é um fenômeno do nosso tempo, no primeiro e no terceiro mundo, e está no auge. Eu queria que o eixo central da história ocorresse ao redor do uso da imprensa com intenção política, mas o projeto cresceu até se converter num mural da sociedade peruana nesses momentos truculentos.
O senhor situa a obra nesse momento de incerteza. Pensando na América Latina, vivemos hoje um momento de incerteza? Como estão nossas democracias?
Sou otimista. A maioria está estusiasmada com a ideia de que a democracia é o único caminho ou está resignada e sabe que não há alternativa. O que está acontecendo em países como a Argentina, por exemplo, é muito estimulante: uma mudança radical no repúdio ao populismo e à demagogia socializante e uma tomada de consciência de que a democracia e as reformas liberais são as únicas que podem trazer uma modernização rápida. E há um movimento anticorrupção e o Brasil é um exemplo. Esse movimento, muito sadio, busca a purificação da democracia porque a corrupção é uma gangrena que destrói a confiança nas instituições. E o que ocorre agora no Brasil revela um espírito do que está muito estendido no continente: um grande repúdio à corrupção. Mas este não é um fenômeno que quer uma volta ao passado, ao populismo. É um aperfeiçoamento da democracia.
Como vê o processo de impeachment da presidente Dilma? 
Com otimismo. No Brasil, há uma espécie de catarse da qual participa uma imensa quantidade de brasileiros que querem uma democracia decente e honrada, e não uma democracia de políticos que aproveitam o poder para enriquecer. O Brasil está dando um exemplo pela maneira radical com que está combatendo e querendo castigar os culpados pela corrupção. Que nas próximas eleições os brasileiros sejam mais lúcidos e não votem novamente em ladrões e escolham políticos honrados.
Os partidos de esquerda estão em crise na América Latina?
Os partidos, de uma forma geral, estão em crise. Os partidos que antes canalizavam a participação dos cidadãos na vida política se converteram em máquinas eleitorais. Eles precisam se renovar e voltar a ser representativos porque sem eles não há democracia funcional. 
Como imagina que teria sido sua vida se tivesse sido eleito presidente do Peru?
O que importa é a história que tivemos, e é ela que precisamos corrigir e utilizar como ponto de partida para um futuro. Há razões para o otimismo. Não se compara a América Latina de hoje com a de 20, 30 anos atrás, quando não havia base sólida para a democracia. Havia os partidários das ditaduras e a utopia comunista. Esses mitos desmoronaram. Com exceção de Cuba e da Venezuela, todo o resto do continente tem governos democráticos. Democracias imperfeitas, claro. Estamos num momento fronteiriço em que as perspectivas são mais otimistas que negativas.
E quando pensamos nos Estados Unidos, com Donald Trump sendo nomeado candidato?
Isso é muito preocupante, pois mostra que o populismo pode chegar às sociedades mais avançadas. 
Por que acha que os americanos deram essa abertura toda a Trump e fizeram com que sua popularidade crescesse tanto?
A crise econômica afetou muito os Estados Unidos. Há ressentimento pela queda no padrão de vida, pela falta de emprego. E também por certos mitos, como o do imigrante que vai roubar trabalho e que ele leva violência ao país. Tudo isso é pura fantasia mentirosa que nasce de preconceitos muito enraizados em toda a sociedade contra os estrangeiros. E Trump, em sua campanha, apelou aos piores instintos. Esperemos que a maioria dos norte-americanos não respalde uma candidatura tão demagógica e tão pouco responsável.
Em sua trajetória, literatura e política andam lado a lado. 
Isso é muito frequente com os escritores da América Latina, que não podem deixar de participar do debate público pela gravidade dos problemas que enfrentam e que afetam muitíssimo a vida cultural: a luta contra a censura, a defesa dos direitos humanos, da liberdade crítica, da liberdade de expressão. 
Isso, nos debates do dia a dia e nos livros?
As obras devem ter uma perspectiva maior que a atualidade. Uma obra literária que dependa inteiramente da atualidade pode se converter, muitas vezes, em propaganda ou puramente em informação ou reportagem. A literatura tem que fincar raízes em problemas mais amplos que os da política contemporânea. Isso vale para todas as artes. Se é para ser político, que escreva artigos, ensaios, que dê conferências.
O que faz o senhor continuar escrevendo?
Será assim até o último dia. Essa é uma maneira de me manter vivo até o fim, escrevendo, com projetos, de tal maneira que a morte seja uma surpresa, um acidente. O importante é não morrer sem vida, antes do tempo. 
A festa pelos seus 80 anos foi grande. Está feliz? 
Muito. 
O senhor está doando sua biblioteca para sua cidade natal. Qual livro manteria até o fim?
Um só? Guerra e Paz, de Tolstoi. Primeiro, porque é um livro extraordinário. Depois, porque é muito extenso e me ocuparia muito tempo.