terça-feira, 22 de setembro de 2015

"Um verdadeiro deserto para atravessar", por José Roberto Mendonça de Barros

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O Estado de São Paulo


Ao final do primeiro semestre, não existem mais dúvidas de que temos um governo precocemente enfraquecido e uma economia em franca recessão. Ainda não chegamos ao fundo do poço e o desemprego deve se elevar até o final do ano. 
Na verdade, o que está por trás de tudo é a implosão de duas grandes apostas, interconectadas: 
– A tentativa de hegemonia e eternização no poder de um grupo político que comanda o País desde 2003. 
– A tentativa de fazer com que o Estado dominasse e conduzisse, em aliança com certos grupos campeões, todas as fontes de crescimento da economia. 
A implosão dessas apostas foi espetacular: afinal, como diz a sabedoria popular, quanto maior a escada, maior é o tombo. Ao final de 2014, ficou evidente o desastre macroeconômico, expresso na inflação elevada (a despeito dos grandes esforços de repressão do câmbio e de itens relevantes, como a gasolina e a energia elétrica), no déficit externo em conta corrente (que cresceu para US$ 105 bilhões em 2014, na nova metodologia do Banco Central), na elevação dos juros (que foram de 10,50% em janeiro de 2014 para 12,25% em janeiro deste ano), na piora fiscal (o déficit nominal subiu de 2,6% do PIB em 2011 para 6,2% no ano passado) e na desaceleração do crescimento até a recessão atual. 
Há também o maior desastre microeconômico dos últimos tempos: existem grandes problemas nos setores elétrico, de etanol, na Petrobrás e seus fornecedores, em todos os componentes da construção civil (residencial, comercial, industrial e construção pesada), nos bens de capital e na indústria em geral.
Aliás, o Brasil fez de tudo nos últimos anos em matéria de política industrial: protecionismo, exigências de conteúdo nacional, margens de preferência em compras públicas, crédito subsidiado, incentivos fiscais, etc. 
Entretanto, nunca a indústria representou tão pouco frente ao PIB: algo como 11% em 2014. Está aí algo que deve ser explicado ao distinto público, naturalmente, sem colocar a culpa na crise internacional. 
Teremos um deserto para atravessar, que vai durar pelo menos dois anos. Projetamos queda do PIB de 2,1% e de 0,6% em 2015 e 2016, respectivamente, devendo ser destacado que esses números têm viés de baixa.
Do ponto de vista das empresas, o grande desafio é como atravessar este deserto sem destruir o seu futuro. Até porque, quando voltarmos a crescer, eventualmente a partir de 2017, o modelo de crescimento terá de ser bem diferente do passado. 
No curto prazo, a receita é a usual: defender a liquidez, reduzir custos (como o que está acontecendo na questão do aluguel, cujos contratos estão sendo revisados fortemente para menos, tendo em vista a imensa oferta de lojas, escritórios e galpões fechados, todos na busca de novos inquilinos) e observar os ajustes da sua demanda, tanto para encolher a produção como para aproveitar nichos e novas oportunidades
Por exemplo, os consumidores estão adiando compras de itens caros e que exigem tomada de crédito, como é o caso de carros e imóveis. Entretanto, isso abre oportunidades para a venda de itens do lar, uma espécie de compensação para as famílias que ficarão mais tempo em casa. 
Acredito que as empresas têm de dar atenção, nesta travessia, a quatro elementos chave na reorganização da economia:
1) Uma das poucas coisas inequívocas quanto ao futuro é que o real vai continuar se desvalorizando nos próximos meses. Daí porque será necessário retomar ou reforçar as linhas de exportação e investimentos complementares na internacionalização das empresas (escritórios de representação, centros de distribuição, etc). Na mesma linha, será preciso aproveitar a maior competitividade da produção nacional com as importações e as eventuais oportunidades de nacionalização de produtos e componentes, que se tornaram caros demais quando trazidos do exterior.
2) É indispensável um grande esforço na direção das melhores práticas e de redução de custos. Será preciso também fazer uma revisão na política de crédito para clientes e fornecedores. Finalmente, nesta nova fase do País, é imperioso elevar a produtividade e passar a inovar de fato. A propósito, a comparação com a experiência exitosa do agronegócio, sobre a qual tenho escrito frequentemente, é algo a ser copiado. 
3) Haverá necessariamente consolidação na maioria dos setores, nos quais empresas com balanço forte irão adquirir bons ativos, pertencentes a companhias em dificuldades a bons preços. 
4) É indispensável diminuir a dependência de favores fiscais e de créditos subsidiados, uma vez que está evidente para todos o total esgotamento das possibilidades do Tesouro Nacional, pelo menos nos próximos anos. Muitos modelos de negócios terão de ser rapidamente reajustados a este respeito. 
******************
A redução das metas fiscais para este ano e os próximos não foi surpresa. Inesperada foi sua magnitude, muito maior que o imaginado. Assim, o ajuste mesmo foi relegado para os últimos dois anos do governo. 
Não é, pois, de surpreender a forte reação dos mercados. O medo de perder o grau de investimento voltou a ser bem concreto. 
Cada dia está mais claro que não cresceremos sem reformas e avanços mais profundos em três áreas: 
1) As despesas públicas correntes crescem sempre mais do que a receita. Enquanto deu, a elevação de impostos fechou as contas. Agora, é impossível seguir adiante sem reformas mais profundas em regras do gasto público, especialmente em itens como a previdência. 
2) Há muito tempo os custos de produção sobem de forma independente da atividade econômica, por conta de burocracia, impostos, logística e custo direto e indireto da mão de obra, sem grandes ganhos de produtividade que possam fazer uma compensação. Ou isto é revertido ou os investimentos e o crescimento não voltarão. 
3) Nosso sistema educacional é lamentavelmente fraco, embora os gastos com o mesmo estejam no padrão internacional em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Ou isto é revertido além dos discursos ou não teremos chances no mundo do conhecimento.
O resto são apenas paisagens.
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Barbies com lombadas, Aliás Estadão

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Sem nenhum tipo de transgressão, esses livros para colorir são como bonecas em forma de brochura: distração inequivocamente regressiva

Lembram-se de quando a média de leitura do brasileiro era de um livro por ano? Ainda é. Mas se subir para dois, o segundo, ao que tudo indica, não terá texto, apenas desenhos para colorir. Livreiros me contam que essa febre de livros para colorir - cujas vendas superam as dos livros com texto por esmagadora diferença - é veneta feminina, “coisa de mulherzinha”, para usar a expressão de um deles. As mulheres já compravam (e liam) mais livros que os homens; com esse macramê gráfico à sua disposição, agora compram (e colorem) mais livros que os marmanjos.
Ousadia: e se no meio do jardim secreto um fanático muçulmano avistasse Maomé?
Ousadia: e se no meio do jardim secreto um fanático muçulmano avistasse Maomé?

A bem dizer, esses volumes para colorir são como bonecas em forma de brochura, Barbies com lombadas, uma distração inequivocamente regressiva. Guardados numa estante formam o que podemos chamar de barblioteca. Suas infantilizadas (e sobretudo desocupadas) consumidoras alegam que encher de cores as monocromáticas ilustrações de Floresta Encantada, Jardim Secreto e outros álbuns da escocesa Johanna Basford (uma espécie de Romero Britto do nanquim) é um santo remédio para combater o estresse: distrai e relaxa, troca adrenalina por endorfina. 
Se de fato terapêuticos, os livros para colorir não precisam de outra serventia e talvez devessem ser vendidos também em farmácias. Não têm efeitos colaterais, são inofensivos, como convém a todo e qualquer passatempo de criança. 
Anódinos, seus desenhos só ganhariam importância se ousassem uma transgressão plástica qualquer ou alguma fatalidade os atingisse em cheio de uma hora para outra. Se, digamos, no meio da floresta encantada ou do jardim secreto um fanático muçulmano avistasse a figura de Maomé, Johanna Basford poderia até ser condenada à morte, a exemplo do que aconteceu com Molly Norris, desenhista de Seattle há quatro anos escondida para não ter o mesmo fim da redação da Charlie Hebdo, embora só tenha desenhado imagens não satíricas do Profeta numa xícara, num dedal e num jogo de dominó - o suficiente, contudo, para tornar-se “a pessoa mais procurada” por jihadistas ligados à Al-Qaeda. 
O caso protagonizado por Pamela Geller e seu grupo de defesa da liberdade (não da expressão, mas da América), vítimas de um frustrado atentado na cidade texana de Garland, domingo passado, não serve de parâmetro. Geller, ultradireitista que se dedica a uma campanha sistemática visando a varrer os muçulmanos da América e do Ocidente, patrocinou em Garland uma competição de cartuns do profeta Maomé. Pelo que tem dito e feito em sua militância islamofóbica, poucos se animariam a proclamar pelas ruas “I am Pamela”. E embora ela tenha um pé no jornalismo, não consigo imaginá-la sequer cogitada para receber o prêmio Toni e James C. Goodale que o PEN American Center outorga todos os anos a quem arrisca a pele na defesa da liberdade de expressão. 
Este ano, a honraria acabou destinada à revista satírica francesa Charlie Hebdo. A entrega do prêmio, numa solenidade no Museu de História Natural de Nova York, terça-feira passada, foi precedida de um arranca-rabo envolvendo quase todos os 3.300 membros da entidade. Há 93 anos que o PEN American Center se esforça para assegurar a livre circulação de ideias e informação em todos os quadrantes. Seu atual presidente, o escritor Andrew Solomon (autor de Longe da Árvore), justificou a escolha da polêmica revista francesa por seu exemplo de coragem, não pelo conteúdo de seus desenhos. “Colocamos a liberdade de expressão acima de qualquer conteúdo”, esclareceu Solomon o que, a meu ver, dispensava esclarecimentos.
O romancista australiano Peter Carey (Sua Face Ilegal) foi um dos primeiros a protestar publicamente contra o reconhecimento de uma publicação que, para a americana Rachel Kushner (Os Lança-chamas), “promove intolerância cultural”, usando estereótipos racistas contra os mais marginalizados membros da sociedade francesa. Outros dissidentes (Teju Cole, Deborah Eisenberg, Francine Prose) engrossaram a controvérsia, que culminou com um abaixo-assinado por mais de 200 membros do PEN e a defecção de seis autores escalados para dividir o cerimonial com Solomon. 
À última hora, as cadeiras dos seis insurgentes foram ocupadas pelo jornalista da New Yorker George Packer, pela escritora iraniana Azar Nafisi (Lendo Lolita em Teerã), o franco-congolês Alain Mabanckou e mais três celebridades dos quadrinhos: Art Spiegelman, Neil Gaiman e Alison Bechdel. Matt Groening, criador dos Simpsons, queria participar da festa, mas sua agenda de trabalho não lhe permitiu. 
Além de socorrer o cerimonial, Mabanckou soltou o verbo: “Charlie Hebdo sempre foi antirracista. Quanto a intolerância cultural, pergunto se existe intolerância maior do que aquela expressa pelas armas.” Spiegelman ficou sobremodo irritado quando alguns dos convivas deram as costas ao palco no momento em que os representantes da revista, Gerard Biard e Jean-Baptiste Thoret, receberam o prêmio. “Foi uma reação obscena”, comentou com uma jornalista que cobria o evento. 
Salman Rushdie, que já manifestara seu apoio à premiação nas redes sociais, subiu o tom, acusando os dissidentes de “um bando de cagões”. Questionou o conceito de “comunidade oprimida” levantado por alguns deles. Para Rushdie, os fanáticos islamistas que trucidaram a redação de Charlie Hebdo pertencem a um grupo criminoso muito bem organizado e amparado por petrodólares, que usa a religião para aterrorizar, oprimir e silenciar a todos nós, muçulmanos e não muçulmanos. Só não citou GK. Chesterton (“Tolerância é a virtude de quem não acredita em nada”) porque outro já o fizera.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Descarte ilegal e falta de informação brecam reciclagem de entulho de obra, FSP


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O procedimento mais comum continua sendo o de jogar fora em algum lugar, longe dos olhos e da fiscalização. Assim, apesar de o Brasil contar com 310 usinas recicladoras com capacidade de movimentar milhões de toneladas de material, a maior parte do entulho de construções, reformas e demolições acaba indo para pontos irregulares de descarte, como vazadouros, terrenos baldios e lixões.
A disposição irregular nas ruas causa entupimento de galerias de esgotamento, assoreamento de canais, poluição e aumenta de custos da administração pública. A destinação para os aterros sobrecarrega esses locais, diminuindo sua vida útil.
Os vilões não são apenas construtoras e empresas de porte, desrespeitando as leis para os grandes geradores de resíduos, que devem se ocupar da logística e dos custos da destinação correta. O puxadinho, a troca de piso e as pequenas reformas contribuem substancialmente para o volume de entulho depositado em locais indevidos.
O que mais sobra em obra é alvenaria e concreto, materiais que se enquadram como classe A, passíveis de reciclagem para utilização na própria obra onde são gerados, ou então encaminhados para usinas especializadas.
Do montante gerado no Brasil, uma parcela ainda pequena é encaminhada para as empresas recicladoras, para se transformar em um material chamado genericamente de agregado reciclado.
O agregado que se produz atualmente é destinado principalmente para a pavimentação, mas pode ser usado em outras aplicações como matéria prima para o concreto. Só que falta informação, monitoramento de qualidade e cultura do reúso para fazer rodar essa engrenagem que é fundamental no caminho da economia circular.
Para entender o estado atual da reciclagem de entulho, a Abrecon (Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição) consultou seus associados entre junho de 2014 a junho de 2015. Os resultados da pesquisa com 105 recicladoras do país –cerca de um terço do total– foram apresentados em seminário na quinta-feira (17) em São Paulo.
A associação lançou também o mapa Abrecon, com versão para celular e site, um sistema de geolocalização de usinas em todo o Brasil, permitindo conectar as três partes do negócio: o gerador de resíduos, o consumidor de agregado e as empresas recicladoras.
PROJEÇÃO
Segundo projeção realizada pela Abrecon, o Brasil gera cerca de 84 milhões de metros cúbicos de entulho na construção civil por ano. Para quem quer um desenho, esse volume daria para encher 33,5 mil piscinas olímpicas, teria a altura de 7.000 prédios de 10 andares e daria para pavimentar 168 mil km de estradas, de acordo com o presidente da associação, Hewerton Bartoli.
O cálculo dos 84 milhões de metros cúbicos levou em conta trabalho de doutorado da Poli da USP (Escola Politécnica) realizado em 1999, que apontou que no país são gerados 500 kg de resíduos de construção civil e demolição (RCD) por habitante por ano. Considerando 202.033.670 habitantes e que a massa unitária do RCD é de 1.200 kg/metro cúbico, estimou-se que a geração anual de RCD de 84.180.696 metros cúbicos.
PESQUISA
A pesquisa Abrecon aponta que, das 105 usinas pesquisadas, 83% são privadas, 10% públicas e 7% público-privadas. A maior parte delas é fixa, mas houve aumento das estruturas móveis nos últimos anos, devido a maior capacidade de adaptação às demandas locais. Ainda segundo o levantamento, o Estado de São Paulo concentra 54% das usinas do país. Na sequência vêm os Estados do Rio de Janeiro e do Paraná, cada um com 7% das recicladoras.
De 2010 a 2014, o segmento de reciclagem de resíduos da construção e demolição cresceu aproximadamente 400% no Brasil. As usinas movimentaram cerca de R$ 391 milhões no último ano e 64% delas faturam até R$ 100 mil reais/mês. No ano passado, reciclaram 17 milhões de metros cúbicos, mas teriam capacidade nominal de produção de 38 milhões de metros cúbicos ao ano.
Para aumentar a produção, Bartoli acredita que é necessário que sejam revistas normas técnicas sobre o uso do agregado e obter incentivo legal para o uso do material reciclado na construção civil.
De acordo com o último Panorama Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos) só as coletas municipais devem ter recolhido em 2014 cerca de 45 milhões de toneladas de resíduos de construção civil e demolição, o que significa um aumento de 4,1% em relação a 2013.
Em geral, os municípios coletam os RCDs de obras sob sua responsabilidade e os que são lançados em logradouros públicos pelos moradores. Portanto, as projeções da Abrelpe não incluem entulho oriundo de demolições e construções coletado por serviços privados, como as usinas representadas pela Abrecon.