Com o início da entressafra da cana-de-açúcar e o período de ventos mais fracos no Nordeste, contribuição das térmicas movidas a biomassa e das usinas eólicas vai diminuir
A delicada situação dos reservatórios das hidrelétricas pode piorar. Apesar de o armazenamento estar no menor nível desde o racionamento, as usinas serão muito requisitadas nos próximos meses para suportar o aumento do consumo no verão. Desde que começou o período seco, em abril, o sistema tem sido reforçado pela produção das térmicas movidas a biomassa e das usinas eólicas, que vêm ganhando cada vez mais espaço na matriz elétrica brasileira.
Mas com o início da entressafra da cana e período de ventos mais fracos no Nordeste, essa contribuição vai diminuir nos próximos meses ao mesmo tempo que o consumo subirá com o calor. Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), compilados pela comercializadora de energia Comerc, mostram que a geração menor dessas fontes aliada à demanda mais forte provocará um buraco de 9.241 megawatts (MW) médios em janeiro, que terão de ser supridos por hidrelétricas e termoelétricas.
O impacto maior será provocado pela queda na produção da energia de biomassa que desde maio tem gerado acima de 3 mil MW médios. Esse volume deve cair para 400 MW médios em janeiro, segundo a Comerc. A eólica seguirá o mesmo ritmo.
Nos últimos dias, as usinas a vento geraram 4% da energia do sistema - acima do volume de Angra 1 e 2 -, número expressivo para uma fonte que até bem pouco tempo era irrelevante na matriz elétrica. Segundo dados da Comerc, a produção das eólicas deve cair pela metade, para cerca de 1 mil MW médios.
“Essa energia que não será produzida pelas eólicas e pela biomassa terá de ser gerada pelas hidrelétricas e pelas térmicas para suportar o aumento de consumo”, diz o presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos. O problema, diz, é que o nível dos reservatórios está caindo rápido. Só nos primeiros dias de novembro, o armazenamento das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste caiu 1,3 ponto porcentual, para 17,4%.
Térmicas. Apesar de o País ter 22 mil MW de capacidade instalada de energia térmica (incluindo as nucleares), apenas 17 mil MW estão disponíveis, segundo relatório do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Mas, por uma série de problemas, nem isso tem sido verificado no dia a dia. Pelos relatórios do ONS, entre o dia 20 de outubro e 6 de novembro, a participação da energia térmica variou de 21,35% a 25,35% do total.
No caso das hidrelétricas, a participação voltou a subir nas últimas semanas, para até 61% do total. Pior: no Sudeste/Centro-Oeste, a produção de energia hídrica aumentou, apesar de algumas usinas estarem com menos de 10% de armazenamento. Na última semana ficou acima dos 20 mil MW médios - cerca de 1 mil MW médios acima das semanas anteriores. Isso significa menos água nos reservatórios.
Recentemente, um representante da área de geração, preocupado com a queda na produção das hidrelétricas e com o aumento dos prejuízos, questionou o ONS se as hidrelétricas seriam poupadas para recuperar os reservatórios em dezembro. A resposta foi não, que elas teriam de manter a produção.
Outro técnico destacou que quem terá de segurar o sistema são as hidrelétricas e térmicas. “Eólicas, biomassa e PCHs são fontes alternativas e não podemos contar sempre com elas. Mas elas deram uma boa contribuição”, destacou ele, que prefere não se identificar.
Além de não ter essa ajuda, o governo terá de contar com atrasos na entrada em operação de usinas previstas para novembro e dezembro. Pelo menos, sete empreendimentos tiveram seus cronogramas estendidos em um mês. Embora sejam usinas pequenas, na atual situação de escassez, qualquer megawatt pode fazer a diferença.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, diz que a situação não é confortável. Se em janeiro e fevereiro, a operação já foi complicada por causa do aumento do consumo devido ao calor, agora o problema é maior, pois o nível dos reservatórios está bem mais baixo. E, quanto menor é nível do reservatório, menor o rendimento da usina, que gasta mais água para produzir a mesma quantidade de energia elétrica.
Para Nivalde Castro, professor da UFRJ, além de torcer pelas chuvas, que por enquanto não convenceram, uma saída seria fazer um programa para a população economizar energia. A adoção das bandeiras tarifárias, a partir de janeiro, ajudará a controlar o consumo. O sistema vai repassar mensalmente para o consumidor o custo da geração.
Os custos com a violência no Brasil chegaram a R$ 258 bilhões no ano passado – quase 6% do PIB, que é a soma de todas as riquezas que o país produz em um ano. Os números são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que lança nesta segunda-feira (10) o anuário da violência, segundo o Bom Dia Brasil.
O anuário mostra que, em 2013, 2.212 pessoas foram mortas pela polícia em todo o país. Foram seis mortes por dia em confrontos. A comparação com a polícia dos Estados Unidos mostra uma explosão no número de casos. Nos últimos cinco anos, as polícias brasileiras mataram 11.197 pessoas, enquanto a dos EUA levou 30 anos para atingir quase o mesmo número de mortes: 11.090.
Policiais também foram vítimas. Em 2013, 490 foram mortos no país – 75% estavam fora de serviço. 11% dos homicídios do mundo aconteceram no Brasil. A violência tem um custo alto para toda a sociedade.
“Dos 258 bilhões gastos com os custos da segurança pública e da violência no Brasil, só R$ 65 bilhões são gastos com políticas públicas de segurança e com o sistema prisional. Isso significa que a gente gasta três vezes mais com os efeitos perversos da violência e da segurança privada do que com políticas públicas voltadas ao enfrentamento do crime e da violência”, diz Samira Bueno, diretora do Fórum.
A secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, diz que a violência só vai cair se houver integração dos poderes. “A solução está em aproximarmos o judiciário da política de segurança pública e termos o respaldo da ressocialização dentro do sistema prisional”, afirma.
No anuário também existe um levantamento feito em oito estados feito pela Fundação Getulio Vargas. Ele mostrou que 57% dos entrevistados acreditam ser possível desobedecer as leis. Pior: 81% dizem que é sempre possível “dar um jeitinho” para não cumprir as leis.
A análise dos especialistas é de que esses dados são fortes sinais de que a população convive com a sensação de impunidade. E quanto maior a renda, maior a sensação de impunidade: é em Brasília que está a maior parte das pessoas que acham que é possível “dar um jeitinho".
A crise da água no Sudeste brasileiro, que afeta milhões de pessoas, desperta discussões sobre mudanças climáticas, consumo, investimentos e alternativas de abastecimento.
Diversas cidades do mundo também enfrentam ou enfrentaram desafios semelhantes, envolvendo seca, desperdício e excesso de consumo. A experiência delas pode servir de lição para São Paulo e as demais cidades brasileiras que sofrem com a falta d’água?
A BBC Brasil identificou seis cidades que tentam solucionar suas crises de abastecimento e perguntou ao Instituto Socioambiental (ISA) até que ponto as medidas se aplicariam à realidade paulista:
A China está entre os 13 países listados pela ONU com grave falta d’água: com 21% da população mundial, o país tem apenas 6% da água potável do planeta.
Cerca de 400 cidades do país enfrentam obstáculos de abastecimento, e Pequim é uma delas: com uma população crescente, a capital já consome mais água do que tem disponível em seus reservatórios.
Além disso, diversos rios chineses secaram recentemente em decorrência de secas prolongadas, crescimento populacional, poluição e expansão industrial.
Para enfrentar a questão, a companhia de água de Pequim está apostando em um projeto multibilionário para redirecionar rios, o Projeto de Desvio de Água Sul-Norte, cuja primeira etapa deve ser concluída neste ano.
O objetivo é mover bilhões de metros cúbicos de água do sul ao norte (mais árido) anualmente ao longo de uma distância superior à que separa o Oiapoque do Chuí (extremos do Brasil), a um custo que deve superar os US$ 60 bilhões. Seria necessária a construção de 2,5 mil km de canais.
-É VIÁVEL EM SP? O governador paulista, Geraldo Alckmin, propôs uma obra de transposição para interligar o Sistema Cantareira à bacia do rio Paraíba do Sul - proposta polêmica, já que este último é a principal fonte de abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, mas vista como "viável" pela Agência Nacional de Águas (ANA). O custo estimado é de R$ 500 milhões.
No entanto, para Marussia Whately, consultora em recurso hídricos do ISA (Instituto Socioambiental), São Paulo estaria avançando sobre outras fontes de água sem cuidar da água que tem disponível atualmente.
"Vamos investir em grandes obras antes de pensar na gestão das perdas de água, no consumo e na degradação das fontes de água atuais?", questiona.
Perth é a "cidade mais seca" entre as metrópoles da Austrália. Segundo a presidente da Western Australia Water Corporation, Sue Murphy, as mudanças climáticas ocorreram mais rápido e antes do que era esperado no oeste do país. "Nos últimos 15 anos, a água de nossos reservatórios foi reduzida para um sexto do que havia antes", disse à BBC em junho.
A cidade construiu duas grandes estações para remover o sal da água coletada no Oceano Índico e torná-la potável.
Hoje, Perth obtém metade de sua água potável a partir do mar. Mas os ambientalistas criticam o processo por ser caro e demandar muita energia. Os moradores sentiram o impacto em suas contas de água, que dobraram de valor nos últimos anos.
A cidade também está fazendo experimentos com o sistema Gnangara, sua maior fonte hídrica subterrânea. Por uma década, Perth injetou nos aquíferos subterrâneos a água que foi usada pela população, já tratada. A água é filtrada naturalmente pelo solo arenoso e depois extraída para ser consumida pela população ou usada na irrigação agrícola. O teste foi considerado bem-sucedido, e um programa oficial foi estabelecido – sua meta é obter desta forma 7 bilhões de litros por ano.
"Com um clima mais seco, precisamos ser menos dependentes de chuva, por isso apoiamos estes projetos", disse Mia Davies, ministra de Água e Florestas do Leste da Austrália. Ao mesmo tempo, houve uma campanha pelo uso racional da água, o que fez com que a demanda por água hoje seja 8% menor do que em 2003, apesar de a população ter crescido mais de 30%.
-É VIÁVEL EM SP? A dessalinização não seria uma opção coerente, diz Whately, do ISA, já que São Paulo não é cidade costeira e o Brasil tem um enorme patrimônio de água doce. Ao mesmo tempo, já se fala em recorrer ao uso emergencial de água usada: o governo paulista anunciou nesta semana planos de construir uma Estação de Produção de Água de Reúso na zona sul de São Paulo.
Uma das maiores cidades do mundo, Nova York iniciou nos anos 1990 um amplo programa de proteção aos mananciais de água, para prevenir a poluição nessas nascentes e, assim, evitar gastos volumosos com tratamento ou busca de novas fontes de abastecimento.
O projeto incluiu aquisição de terras pelo governo nas nascentes de água, com o objetivo de proteger sua vegetação e garantir que os lençóis freáticos continuassem a ser alimentados; assistência financeira a comunidades rurais nessa região em troca de cuidados com o meio ambiente; e mitigação da poluição nos mananciais. Com isso, a cidade conseguiu ampliar em décadas a vida útil de seus mananciais.
O programa também envolveu campanhas pela redução do consumo. Dados oficiais apontam que o consumo per capita da cidade era de 204,1 galões de água por dia em 1991 e caiu para 125,8 galões/dia em 2009.
- É VIÁVEL EM SP? Para Whately, trata-se da opção mais adequada para a realidade paulista: "A ideia (em Nova York) foi pensar o recurso que eles tinham disponíveis e cuidar deles, em vez de investir em obras", diz.
Secas severas nos anos 1990 deixaram milhões de espanhóis temporariamente sem água. Mas um relatório da Comissão Europeia aponta que o maior problema no país não costuma ser a falta de chuvas, e sim "uma cultura de desperdício de água".
A cidade de Zaragoza, no norte, encarou o problema com uma ampla campanha de conscientização em escolas, espaços públicos e imprensa pelo uso eficiente da água e o estabelecimento de metas de redução de consumo. Dos cerca de 700 mil habitantes, 30 mil se comprometeram formalmente a gastar menos água.
A estratégia incluiu incentivos para a compra de aparelhos domésticos econômicos (chuveiros, vasos sanitários, torneiras e máquinas de lavar louça eficientes, cujas vendas aumentaram em 15%); melhoria no uso da água em edifícios e espaços públicos, como parques e jardins; e cuidados para evitar vazamentos no sistema.
A meta estabelecida em 1997, de cortar o consumo doméstico de água em mais de 1 bilhão de litros água em um ano, foi atingida. Antes da campanha, diz a Comissão Europeia, apenas um terço das casas de Zaragoza praticava medidas de economia de água; ao final da campanha, eram dois terços. O consumo total caiu mesmo com o aumento no número de habitantes.
"O projeto mostrou que é possível lidar com a falta d’água em um ambiente urbano usando uma abordagem economicamente eficiente, rápida e ecológica", diz o 2030 Water Resources Group, consórcio que reúne ONGs, governos, ONU e empresas em busca de soluções ao uso da água no mundo.
-É VIÁVEL EM SP? Não apenas viável como necessário, diz Whaterly, do ISA. "Se houvesse, por exemplo, um amplo programa de incentivos à aquisição de hidrômetros individuais (em vez de coletivos) nos edifícios de São Paulo, haveria uma economia brutal de água", opina. "Também são necessários incentivos à construção de cisternas e sistemas individuais de reúso da água."
Whately opina também que, ante a urgência da situação, a cidade precisa fixar metas e incentivos à redução do consumo mais duras do que as promovidas atualmente pela Sabesp - por exemplo, forçando consumidores maiores a cortar mais seu gasto de água e debatendo a imposição de multas a quem aumentou o consumo em plena estiagem.
Em junho, o presidente mexicano Enrique Peña Nieto afirmou que 35 milhões de habitantes do país têm pouca disponibilidade de água, tanto em qualidade como em quantidade.
Essa escassez é grave na própria capital, a Cidade do México, onde uma combinação de fatores – como grande concentração populacional, esgotamento de rios e tratamento insuficiente da água devolvida ao solo – causa extrema preocupação.
Em 2009, partes da cidade foram submetidas a racionamento de água após uma forte seca; e autoridades ouvidas pela imprensa local afirmam que, no ritmo atual, a cidade pode não ter água o suficiente em 2030.
Uma aposta da Cidade do México são aquíferos identificados no ano passado, cuja viabilidade está sendo estudada. Estão sendo perfurados poços para não apenas confirmar a existência das fontes subterrâneas de água, mas também avaliar sua qualidade para consumo humano.
Até 2016, as autoridades dizem que será possível saber se os aquíferos serão ou não uma alternativa de abastecimento para a megalópole. O problema, dizem, é que a perfuração, a 2 km de profundidade, deve sair muito mais cara do que perfurações de fontes mais próximas à superfície.
Para David Barkin, professor da Universidade Autônoma Metropolitana na Cidade do México e estudioso da questão da água, o plano mexicano pode não ser concretizado por causa dos altos custos envolvidos na exploração do aquífero.
Além disso, diz ele, a forma como as autoridades tratam a água disponível atualmente é "obscena" - citando desperdícios, construções residenciais em áreas que deveriam servir para armanezagem de água natural e problemas de planejamento.
-É VIÁVEL EM SP? Para Whately, o uso de água subterrânea já é uma realidade para diversas cidades brasileiras, mas, por serem importantes reservas de água para o futuro, seu uso deve ser racional. "Ainda temos pouco conhecimento a respeito de nossos aquíferos. Eles precisam ser melhor estudados e mais bem cuidados – por exemplo, há locais em que o uso de agrotóxicos (no solo) pode prejudicá-los."
CIDADE DO CABO (ÁFRICA DO SUL) – GUERRA AO DESPERDÍCIO
Khayelitsha, a 20 km da Cidade do Cabo, é uma das maiores "townships" (como são chamadas as comunidades carentes sul-africanas) do país, com 450 mil habitantes. No início dos anos 2000, uma investigação descobriu que cerca de uma piscina olímpica era perdida por hora por causa de vazamentos em sua rede de água.
A principal fonte de desperdício eram os encanamentos domésticos, muitos dos quais deficientes e incapazes de resistir alta à pressão de bombeamento da água.
Com isso, aumentavam o consumo de água e também a inadimplência, já que muitas pessoas não conseguiam pagar as contas mais caras. Além disso, a Cidade do Cabo vive sob constante ameaça de falta d’água.
Um projeto-piloto de US$ 700 mil, iniciado em 2001, funcionou em duas frentes: a reforma de encanamentos ruins e a redução da pressão da água fornecida ao bairro, para evitar os vazamentos.
Segundo um relatório do governo da Cidade do Cabo, o projeto custou menos de US$ 1 milhão e o investimento foi recuperado em menos de seis meses.
Com a iniciativa, aliada a uma campanha de conscientização para evitar desperdícios, Khayelitsha conseguiu economizar 9 milhões de metros cúbicos de água por ano, equivalente a US$ 5 milhões, segundo o consórcio 2030 Water Resources.
- É VIÁVEL EM SP? Para Whately, as perdas de água também são um "problema enorme" em São Paulo. "Quase um terço da água é perdida (no caminho ao consumidor), o que equivale a todo o volume do Guarapiranga e Alto Tietê juntos", diz. "Em alguns casos, encanamentos antigos podem contribuir para isso. Seria necessário mapear, com a ajuda das prefeituras, áreas onde há grandes perdas de água e identificar os motivos."