quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O agente Tício, no Brasil, compra sementes de maconha do exterior pela internet e fornece para Mévio. Quais os crimes? 5 (cinco) correntes!


Análise pontual sobre a lei 11.343/06 à luz da teoria constitucional do delito e teoria da conduta.

Publicado por Ruchester Marreiros Barbosa - 1 dia atrás
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INTRODUÇÃO

Inicialmente, a motivação de escrever este arrazoado é demonstrar através da evolução histórica da lei de drogas e da política criminal adotada nas leis de drogas já promulgadas, qual seria, ao nosso ver, qual a melhor adequação da eficácia da atual lei de drogas conforme a atual política criminal adotada pela lei 11.343/06 e não a política criminal populista midiática dos governos que se sucedem período a período eleitoral, desde a década de 70, de diabolização das drogas, totalmente contrária a política de redução de danos anunciada no artigo 20 da lei 11.343/06:
Art. 20. Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas. (grifo nosso)

MOVIMENTO HISTÓRICO E POLÍTICO CRIMINAL DA LEI DE DROGAS

Para quem pensa que a guerra as drogas no Brasil começou na década de 70, com a lei 6.368/76 é um ledo engano. O Brasil já fazia parte de diversos tratados internacionais de combate as drogas desde a Primeira Conferência Internacional do Ópio, em Haia, tendo o Brasil subscrito o protocolo suplementar de assinaturas da Conferência Internacional do Ópio, na qual D. 2.861/1914 sancionou a resolução do Congresso que aprova a adesão, tendo sido ratificado pelo Presidente Wenceslau Braz pelo D.11.481/1915.
O Brasil, desde então sempre fez parte, por pressões políticas, de todos esses tratados, como diversos outras nações, tendo influenciado, inclusive a edição do art.281 do Código Penal de 1940, equiparando-se, com as mesmas penas, o crime de tráfico e o porte para uso.
Foi na década de 60, com o golpe de 64, que o Brasil ingressou definitivamente no cenário internacional de guerra as drogas, tendo, por influência da Convenção Única Sobre Entorpecentes de Nova York, de 1961, capitaneada pelos Estados Unidos, que consegui a ratificação de mais de 100 países, como medida de controle e fiscalização sobre plantio das drogas, o que culminou na edição de lei 4.451/64, na qual alterou o art. 281 para incluir o verbo "plantar".
Posteriormente, leis de 1968 e 1971 alteraram novamente o art. 281, deixando-o, ainda mais rigoroso contrariando o cenário internacional, que faziam distinção entre usuário e traficante, no entanto estes diplomas continuavam equiparando o usuário ao traficante, principalmente depois que uma decisão do STF e anterior a estas alterações entendia que o artigo 281 não abrangia os usuários, mas somente o trafico, tendo ocorrido uma descriminalização na jurisprudência, o que levou o legislador a vir com todo arsenal legislativo de equiparação entre usuário e traficante, inaugurando o que Nilo Batista[1] denominou de "modelo bélico", proporcionado pelo ambiente da ditadura que se inaugurava em 1964.
Diante de tantas emendas ao art. 281 do CP, foi elaborado um grupo de trabalho para elaboração de um projeto de lei, que culminou na primeira descodificação sobre lei de drogas e criação de um micro sistema próprio para a guerra às drogas, e mais compatível com a política de criação um sistema de transnacionalização do controle e fiscalização das drogas, caminhando para o que Richard Nixon denominou de "War on Drugs" na década de 70.

O INÍCIO DO RECUO (TÍMIDO) LEGISLATIVO DA GUERRA ÀS DROGAS

Diante deste breve histórico, percebe-se que nossos legisladores chegaram ao pico máximo do exagero, equiparando o usuário ao traficante, recebendo críticas de toda a comunidade jurídica, científica e psicólogos da época, demandando um estudo jurídico mais acurado, que teve um de seus precursores, Menna Barreto. Neste projeto, não obstante a "guerra as drogas" o legislador começa a recuar naquele exagero e faz distinção entre usuário e traficante.
Voltado a pergunta inicial, sobre a semente de maconha comprada do exterior no Brasil, e se estivéssemos conversando com João de Deus Lacerda Menna Barreto, que compôs o grupo de trabalho do projeto de lei, que originou a revogada lei6.368/76, nomeado pelo então Ministro da Justiça, o Exmo Sr. Arnaldo Falcão, indicado pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, à época, o Exmo. Sr. Luiz Antônio de Andrade, teríamos como resposta: Art. 12§ 2ºIII da lei6.368/76, qual seja,
Art. 12 (...), § 2º. Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:
III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica..
Para Menna Barreto[2], a lei 6.368/76 havia introduzido no revogado art. 12, dezoito verbos, abrangendo a tônica da comercialização, apesar de conter o elemento normativo o "ainda que gratuitamente", e todas as outras condutas previstas no tipo penal para o "usuário", três verbos: "adquirir, guardar ou trazer consigo", que para o grupo seriam os verbos compatíveis com condutas "para o uso próprio".
Nestes termos leciona[3]:
"É curial ressaltar que todos os crimes constantes do preceitos insertos no artigo 12 da lei consubstanciam atividade de comércio ilegal. De modo que, não se tratando de uso próprio, como verificaremos ao analisar o artigo 16, o fato de adquirir, guardar ou mesmo trazer consigo entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, corresponderá a uma ação de tráfico."
Verifica-se com isso, que o lei praticamente cria uma forma de responsabilização penal, tipicamente da política criminal do direito penal do autor, posto que se alguém"importar"uma droga, independentemente do dolo do agente, ou seja, se importa para consumo pessoal, por esta conduta não está inserida no art. 16, da revogada lei, seria portanto, crime de tráfico.
O próprio autor corrobora com essa conclusão com comentar o art. 16, da lei revogada, in verbis:
"A expressão 'para o uso próprio' define exatamente a natureza do crime, sendo de ressaltar que somente três ações caracterizam-no: as de adquirir, guardar e trazer consigo. De fato, a ampliação dos elementos do tipo importaria uma abertura não recomendável, pela possibilidade de uma mimetização do tráfico capaz de confundir a própria apuração do evento. Destarte, o cometimento de qualquer das ações ínsitas no preceitos dos outros crimes catalogados na lei, mesmo que para o uso pessoal, não estará regido pela disposição do art. 16."
Como se vê, a guerra às drogas, além de questionável conteúdo científico sobre os malefícios da droga, em especial da maconha, trás o ranço do direito penal objetivo, que existia na parte geral do código penal, antes da reforma pela lei 7.209/84
Neste sentido, lembra com propriedade Rogério Greco[4] ao comentar a finalidade do art. 19 do Código Penal, após a reforma:
"Eliminar a chamada responsabilidade penal objetiva, também conhecida como responsabilidade penal sem culpa, ou pelo resultado, evitando-se, dessa forma, que o agente responda por resultados que sequer ingressaram na sua órbita de previsibilidade.
Ou seja, o legislador de 1976 baseava sua noção de culpabilidade ainda de forma destorcida, e presumindo o perigo de dano trazido com a lei 6.368/76, consolidando ainda mais o crime de perigo abstrato sob égide de uma responsabilidade penal do autor, definindo aqueles que praticavam os verbos do artigo 12 como traficantes, independentemente do dolo, um absurdo, que nem mesmo a reforma de 1984 no início do processo de redemocratização do Brasil, e nem após a Constituição de 1988 foram capazes de ilidir qualquer interpretação em sentido diverso, ainda que surgissem vozes considerando o artigo 16 inconstitucional por violar o princípio da alteridade, à luz da teoria constitucional do delito.
Diversas foram as decisões[5] que consideraram o plantio para uso próprio como crime de tráfico em razão de não existir no art. 16 de lei 6368/76 uma redação correlata ao disposto no artigo 12 (...):
§ 1º, Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substãncia que determine dependência física ou psíquica.
No entanto, a jurisprudência para abrandar o efeito deletério do direito penal do autor dar eficácia a reforma da parte geral do código penal, passou a entender que o plantio para uso pessoal era crime de uso, aplicando o art. 16 por analogia.
Apesar disso, Damásio de Jesus em artigo publicado na internet[6], em 11.05.2003, asseverou que tratava-se de fato atípico com fundamento no art. Bem como daConstituição da República, em especial o art. XXXIXCR/88, na qual não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal, ou seja, não havia conduta de plantio para uso, e portanto, desclassificar a conduta do art. 12§ 1º, II para o 16 era uma analogia in malam partem, pois esta interpretação era pior do que a da atipicidade.

A CONSAGRAÇÃO (TÍMIDA) DA RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA PELA LEI 11.343/06

Damásio de Jesus estava certo.
Com a edição da lei 11.343/06, e seguindo o princípio da continuidade normativa o antigo artigo 16, passava agora por uma transformação e, com redação definida no art.28, incluiu mais dois verbos:"transportareter em depósito", que também já existia no antigo artigo 12 da lei 6.368/76.
Além de outras mudanças, incluiu o plantio para uso pessoal, no art. 28, § 1º:
" § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. "(grifo nosso)
Em outras palavras, se alguém tivesse sido condenado no art. 12§ 1ºII da lei6.368/76, em razão do princípio da retroatividade mais benéfica, conforme art. XL,CR, à uma pena de 3 anos de reclusão, se não beneficiado pela penal alternativa, teria que ser solto imediatamente porque seu dolo teria sido reconhecido legislativamente.
Em verdade, o que fora reconhecido teria sido seu estigma de" usuário ", ou seja, o legislador teria realizado uma" desclassificação social ". Deixou de ser"traficante"para ser"usuário", o que denota flagrante resquício de uma teoria causalista da conduta pela lei 6368/76 em detrimento da teoria teoria finalista adotada pelo Código Penal.
Em suma, essa mudança legislativa demonstra o total desprezo do art. 12 do Código Penal:
"Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso."
Não há em nenhum título da lei 6368/76 nem da lei 11.343/06 qualquer menção sobre a adoção de uma teoria causalista em detrimento da teoria da conduta. Ademais, ainda que a lei 6.368/76 adotasse uma teoria causalista como fundamento, a atual lei11.343/06, que possui os mesmos resquícios seria inconstitucional se assim o fizesse por violação ao princípio constitucional de proibição ao retrocesso, fazendo-se necessariamente constitucional a incidência da teoria finalista, adaptando as antinomias trazidas pela lei 11.343/06, por herança da lei 6368/76. Portanto, não há nada que explique a não incidência do art. 12 do CP na atual lei 11.343/06, nem mesmo sua natureza de perigo abstrato, que antes de se entender a natureza, a lógica da teoria da conduta obriga a análise da ação humana, em razão do critério de controle de Convencionalidade[7] fazendo-se incidir o princípio pro homine, e somente após, sua classificação acadêmica.

A ANÁLISE DAS ELEMENTARES OBJETIVAS SEMEAR E PREPARAR

Pela análise do disposto na jurisprudência, na época da vigência de lei 6368/76 e no escólio de seus maiores mentores, o Des. Do Rio de Janeiro, Menna Barreto traz em sua obra uma importante exegese dos verbos"semearepreparar", que hoje a tomamos como uma interpretação histórica preparar para efeito, respectivamente do art. 12§ 1ºII e I da lei 6368/76
Segundo o Barreto[8]:
" No número II, houve a inclusão do verbo "semear", que traduz outra ação até agora não contemplada nos estatutos penais. Realmente, o ato de lançar a semente ao solo ou iniciar a plantação pode ser entendido diferentemente dos que as destinam a fazer cultivo ou a colheita, que são também, por sua vez, distintos."
Continua o Mestre[9], fazendo distinção do verbo preparar para o fabricar:
" (...) preparar e o produzir autorizavam a exigência do pressuposto da existência da planta in natura para o enquadramento legal. "
Em outras palavras, antes da lei 6368/76 a doutrina incluia na interpretação da preparação e produção a ação de fabricar, que após a inclusão do verbo fabricar, não mais era possível fazer essa interpenetração elástica, fortalecendo a idéia mais restrita sobre preparação e produção, o que pressupunha a existência da planta natural, ou seja, após ter sido germinada, não mais sob a forma de"semente".
Diante desta interpretação, a posse de semente, mesmo diante do rigor doutrinário da lei 6.368/76, em hipótese alguma poderia ser considerado matéria prima para preparo ou produção da maconha.
Ainda assim, verificamos na prática que o Ministério Público Federal insiste, mesmo após a lei 11.343/06, na classificação de importação ou porte de semente como tráfico nos moldes do art. 33, § 1, I daquele diploma, que é correlato ao art. 12§ 1ºIda lei 6368/76, revogada, o que vem sendo rechaçado por alguns julgados sobre o assunto, desclassificando para o crime do art. 28 da lei 11.343/06, como ocorria em 2003, entre o at. 12, § 1º, I e o art. 16 da lei 6368/76, in verbis:
APELAÇÃO CRIMINAL ACR 36084020114013400 DF 0003608-40.2011.4.01.3400 (TRF-1)PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRAFICO ILICITO DE DROGAS. TENTATIVA DE IMPORTAÇAÕ DE QUINZE SEMENTES DE MACONHA. AQUISIÇÃO DE DROGA PARA CONSUMO PRÓPRIO, SEM AUTORIZAÇÃO. 1. Imputa a denúncia ao acusado a tentativa de importação de quinze sementes de maconha (cannabis sativa L.) da Holanda, pela internet, conduta que classificou no art. 33§ 1ºI da Lei 11.343 /2006porém enquadrada pela sentença, corretamente, no art. 28 da lei, que trata da aquisição de droga para consumo pessoal. 2. Embora a figura penal do art. 28 não contenha o núcleo típico importar, ele está contido no núcleo típico adquirir, mais abrangente, certo que a importação não deixa de ser uma forma de aquisição. As razões do recurso do MPF, insistindo na definição jurídica adotada pela denúncia, não desautorizam os fundamentos da sentença, mais atenta às circunstâncias especificas do caso. 3. Desprovimento da apelação.
Verifica-se com essa decisão que incorre no mesmo equívoco que outrora se fazia, conforme já afirmamos acima, ou seja, desclassificaram do crime de tráfico equiparado par ao crime de usuário, perfazendo a mesma lógica da desclassificação social, transmudando o sujeito de "traficante" para "usuário", como uma forma de manter o controle social penal sobre uma conduta que não está descrita no tipo, realizando uma verdadeira interpretação in malam partem, interpretando o verbo "importar" como uma espécie do gênero aquisição, contido no verbo "adquirir", um verdadeiro "triplo carpado hermenêutico", quiçá um puxadinho jurídico.
Retrocesso maior ainda é o julgado sufragando o entendimento, que importar semente de maconha para uso pessoal configura o verbo "importar" do aludido art. 33§ 1ºI da lei 11.343/06, ignorando a teoria do dolo, violando o princípio da vedação ao retrocesso, face a adoção da responsabilidade penal objetiva, já rechaçada pela reforma do código penal em 1984, ipsis literis:
5019091-37.2013.404.7000 (TRF-4), Data de publicação: 14/08/2013 PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 33,§ 1ºI, DA LEI 11.343/06. APREENSÃO DE SEMENTES DE MACONHA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. POTENCIALIDADE LESIVA CONFIGURADA. AUTORIA E DOLO. IN DUBIO PRO SOCIETATE. SÚMULA 709 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. A importação clandestina de sementes de cannabis sativa (maconha), do Reino Unido, amolda-se à conduta típica prevista no artigo 33, § 1º, da Lei Antidrogas. 2. Presente a potencialidade lesiva, em vista capacidade de multiplicação de sementes e do quanto atestado no exame pericial, não podendo se falar em atipicidade da conduta. 3. Quando da realização do juízo de admissibilidade da denúncia, tem lugar o princípio in dubio pro societate, sendo desnecessária a obtenção de juízo de certeza acerca da autoria delitiva e do dolo do agente, questões que serão solucionadas no decorrer do processo. 4. Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela. Súmula 709 do Supremo Tribunal Federal.

A ATIPICIDADE DA IMPORTAÇÃO E POSSE DA SEMENTE DE MACONHA POR RAZÕES DIVERSAS

Diante deste estudo de caso e comparando historicamente a evolução, em especial, da lei 6.368/76 e da lei 11.343/06, verificamos que a inclusão dos verbos transportar e ter em depósito para consumo pessoal demonstra que o legislador reconhece que existe a possibilidade da prática de qualquer das condutas do art. 33, caput como compatíveis com a teoria finalista.
A não adoção desta teoria na lei de drogas, forçadamente excluída pelo legislador somente com a exclusão de outros 13 verbos do art. 28 não é o suficiente para transmudar a teoria da conduta e responsabilização do direito penal de objetiva para a subjetiva, e se traduz numa verdadeira política criminal do direito penal do inimigo, que se deu por razões históricas e políticas.
Evidente que este modesto arrazoado não tem nenhuma pretensão de esgotar o tema, na qual nos limitaremos a lançar reflexões a respeito do estudo de um caso em específico qual seja a importação ou posse de semente de maconha, de cujas ilações irradiam questionamentos sobre toda a norma incriminadora e de como o legislador evoluiu pouco com a lei 11.343/06.
Mais recentemente, ao que parece, é que se descobriu que a semente de maconha não possui o princípio ativo da cannabis sativae lineu (maconha), qual seja o tetrahidrocanabinol, o que macula de toda sorte qualquer conduta que se refira a semente de maconha, seja qualquer um dos 18 verbos do art. 33 ou dos 5 do artigo28, ambos da lei 11.343/06, conforme já decidiu o TRF da 3ª região[10].
Outro julgado veiculado nas mídias virtuais[11], mas que não foram divulgados os números dos autos, em especial uma decisão em recurso em sentido estrito, interposto pelo MPF diante da rejeição de sua denúncia, pois o juiz federal da 2ª Vara Federal da seção judiciária de Guarulhos/SP considerou que "a quantidade de sementes de Cannabis Sativa Linneu apreendidas (27, equivalentes a 397g) e a absoluta transparência e regularidade da importação (empreendida sem nenhum artifício de ocultação), claramente evidenciam que a intenção do acusado era o plantio para consumo pessoal e não para o tráfico de entorpecentes".
Interpretando a decisão verificamos que qualquer conduta envolvendo a semente para consumo pessoal é um ato preparatório para o art. 28§ 1º da lei 11.343/06, sendo portanto atípica a conduta, pois este ato preparatório não é punido pela lei, contudo esta decisão inovou no ordenamento, pois entendeu por ser produto proibido no Brasil, praticou o crime previsto no art. 334-A do CP, com a redação introduzida pela lei13.008/2014, in verbis:
"Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)"
Caminha no sentido da atipicidade e não no crime de contrabando o TRF da 2ª Região:
TRF-2. RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO-3596 Processo:201351010133323. Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA. Data Decisão: 14/05/2014
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. SEMENTES DE CANNABIS SATIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO COMO MATÉRIA-PRIMA DESTINADA A PRODUÇÃO DE DROGAS. CONDUTA ATÍPICA. INEXISTÊNCIA DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. MERO ATO PREPARATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 28§ 1º DA LEI 11.343/06. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DESPROVIDO. 1 - Os fatos objeto da denúncia referem-se à importação de 49 (quarenta e nove) sementes de maconha pelo réu no ano de 2012 através de duas encomendas, havendo apreensão dos pacotes pela Equipe de Despachos Aduaneiros dos Correios e de Inspetoria de Receita Federal em São Paulo. O Ministério Público Federal enquadrou a conduta como importação de matéria-prima para a produção de drogas e tráfico de drogas. 2 - O laudo nº 262/2013 da Polícia Federal de fls. 86/95 atestou que o material apreendido consistia em frutos aquênios da planta Cannabis sativa Linneu, popularmente conhecida como maconha. O exame destacou que as sementes não apresentam em sua composição a substância tetraidrocanabinol (THC). Somente a planta originada dos frutos questionados poderia vir a produzir substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas nos termos da Portaria SVS/MS nº 344/98. Assim, a princípio, as sementes apreendidas não podem ser consideradas como substância capaz de causar dependência física ou psíquica. 3 - Julgado esclarecedor do TRF-3 - HC: 25590 SP 0025590-03.2013.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, Data de Julgamento: 12/11/2013, PRIMEIRA TURMA. 4 - A conduta praticada pelo acusado seria atípica, uma vez que a semente não possui em si qualidades químicas entorpecentes, como ficou evidenciado pelo laudo pericial, tornando-se necessário o seu cultivo para então se obter o entorpecente proibido. 5 - Também não se pode concluir pela existência do crime do crime de tráfico internacional de drogas do art. 33, I da Lei 11.343/06, pois a importação das sementes sem a presença do tetraidrocanabinol (THC) configuraria apenas um ato preparatório, não punível nos termos do art. 31 do CP. E mais, ainda que a semente possuísse em si mesma substância capaz de causar efeitos entorpecentes, a quantidade apreendida não se mostra suficiente para demonstrar que o réu objetivava a traficância da droga através do seu plantio. 6 - O crime do art. 28§ 1º, da Lei 11.343/06 consuma-se com a realização das condutas previstas nos núcleos verbais (semear, cultivar, ou colher), o que não ocorreu. Ainda que se cogitasse que a aquisição de sementes configuraria ato preparatório para a prática do delito, tal conduta, na forma tentada, afigura-se impunível, vez que o preceito secundário do tipo não comporta combinação com o § 1º do art. 14 do CP. 7 - Recurso em sentido estrito desprovido. E-DJF2R - Data:: 09/07/2014
Nesta decisão verificamos que a turma analisou a questão, além da ausência do princípio ativo da maconha caracterizaria a atipicidade como evoluiu para a análise da lei de acordo com a teoria finalista e adoção da responsabilidade subjetiva, ainda assim, com um voto vencido que entendia tratar-se de hipótese de crime do art. 28§ 1º da lei 11.343/06 e que portanto os autos deveriam ser remetidos para os juizados especiais criminais.
Não obstante a resistência ainda atual sobre a diabolização das drogas e conseqüentemente o endurecimento das interpretações legislativas, por distorções e sabotagem nas teorias constitucionais do delito e na teoria do dolo, percebemos uma gradativa evolução na aplicação destas teorias nas jurisprudências mais recentes.
Foi em 2014, mas nunca é tarde para novos ares oxigenados pela DEMOCRACIA.

CONCLUSÕES

Por todo o exposto, verificamos que sobre a importação e posse de semente de maconha para consumo pessoal encontramos 5 (cinco) correntes:
1 - Trata-se do art. 33§ 1ºI no verbo "importar" ou "trazer consigo" da lei 11.343/06.
2 - Trata-se do art. 28, caput, no verbo "adquirir" da lei 11.343/06
3 - Trata-se do art. 334-A do Código Penal, por "importar" produto proibido já que a semente não possui o princípio ativo THC. (no caso de importação somente)
4 - Fato atípico por se tratar de ato preparatório do verbo "semear", o que não é previsto
5 - Fato atípico em qualquer hipótese porque a semente não possui o princípio ativo THC, não sendo crime algum, nem o art. 334-A, do CP.
Em suma, vivemos, na busca míope de combate as drogas, além de matando inocentes, trazendo umas das maiores inseguranças jurídicas para nosso sistema judiciário, o que somente contribui para o estigma da "sensação" de impunidade. Nada mais. Ah, e dificuldades para os candidatos que almejam alguma carreira acessível por concurso público.

Resolução permite o uso de canabidiol (não lido)


Publicado por Eudes Quintino de Oliveira Junior - 1 dia atrás
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O Conselho Regional de Medicina de São Paulo saiu à frente e editou a Resolução nº 268/2014, que autoriza a prescrição da substância canabidiol, um dos 80 princípios ativos da maconha, apenas para pacientes latentes e da infância que apresentem casos graves de epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais. Isto porque os ensaios clínicos realizados até o presente demonstraram que o CBD reduz as crises convulsivas com razoável margem de segurança e boa tolerabilidade.
De acordo com as normas brasileiras, todo medicamento sujeito a controle especial, sem registro no país, necessita da avaliação da ANVISA, órgão responsável pela aprovação da importação. Até há pouco imperava o inconveniente de se perquirir judicialmente a autorização mas, em razão de reiterados pedidos, a pretensão pode ser atendida administrativamente, observando a obrigatoriedade dos seguintes documentos: prescrição médica, com a posologia, quantitativo necessário e tempo de tratamento; laudo médico, contendo a justificativa do uso do medicamento não registrado no Brasil; Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo médico, paciente ou responsável legal, com específica ciência de que a medicação ainda não foi submetida ao controle de eficácia e segurança pela agência brasileira.
Noticia-se com certa insistência que alguns países tomaram iniciativa de liberar o uso medicinal da maconha. Como exemplo, basta ver que vários Estados norte-americanos passaram a liberar o uso da maconha para fins terapêuticos (Califórnia foi o 1º, em 1996, Flórida o 22º, em abril de 2014). Embasados em estudos que demonstram a capacidade da maconha colaborar com alguns tratamentos, os Estados norte americanos toleram a prática terapêutica da cannabis, permitindo que os médicos receitem a conhecida erva como forma de tratamento. Até o presente, o CDB não provocou efeitos alucinógenos ou psicóticos, nem mesmo qualquer prejuízo para a cognição humana.
A iniciativa do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, ao meter a primeira cunha em assunto tão tormentoso, com muita precisão e bom senso, merece aplausos e reconhecimento não só da classe médica que representa, mas também da população que necessita da medicação. Além do que, de forma magistral, aplicou os princípios da Bioética, que devem revestir a decisão a respeito da conduta mais adequada, conveniente e salutar para o paciente. Na bioética, termo utilizado pela primeira vez em 1970 pelo oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter, busca-se a resposta para os temas que aguçam e desafiam o homem, ainda despreparado e que não carrega de pronto uma definição a respeito da aceitação ou rejeição de condutas que podem quebrar o consenso ético ou da utilização de técnicas que venham a ser incompatíveis com a expectativa da vida individualizada.
O princípio da autonomia da vontade, o primeiro deles, valoriza o homem em sua individualidade, como um ser dotado de racionalidade e liberdade no sentido de tutelá-lo e valorizá-lo não só em sua vida biológica, mas invadindo também sua dimensão moral e social no âmbito de sua liberdade e autonomia, seja como cidadão ou paciente a ser cuidado.
Daí que o novo Código de Ética Médica, em vigência a partir de abril de 2010, inseriu o princípio da autonomia da vontade do paciente, pelo qual o médico deve, em primeiro lugar, informar o paciente a respeito das opções diagnósticas ou terapêuticas, apontar eventuais riscos existentes em cada uma delas e, em seguida, obter dele ou de seu representante legal o consentimento para sua intervenção. Esta parceria de decisão que se forma a respeito do tratamento mais adequado nada mais é do que a conjugação das alternativas de ações apresentadas pelo médico e a escolha livre e autônoma do paciente. O profissional da saúde não será detentor pleno da decisão para realizar determinada conduta interventiva. É uma modalidade de coautoria, que depende da aquiescência do paciente, representada, no caso específico, pelo indispensável Termo de Assentimento do paciente, se possível, e pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de seu representante legal.
O da beneficência (primum non nocere), atrelado ao da não-maleficência (malum non facere) não basta proteger a autonomia do paciente, busca-se a proteção a eventual dano para assegurar a ele o bem-estar ou, em outras palavras, extremar os possíveis benefícios e minimizar os possíveis danos.
O da Justiça, ou da distribuição igualitária, determina que os benefícios recebidos por uma pessoa, no caso o medicamento, mesmo que seja de outro país, devem ser estendidos a outras, em razão da igualdade de tratamento que deve imperar no relacionamento humanitário.
A vida humana, revestida da dignidade prevista constitucionalmente, vincula o Estado a proporcionar o bem-estar a todo cidadão, compreendo aqui não só as políticas públicas voltadas para a área da saúde, mas também qualquer necessidade decorrente de doença que atinja um número reduzido de pessoas, com a permissão de, justificadamente, quebrar regras sociais consideradas proibitivas.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp/São José do Rio Preto/SP.
Eudes Quintino de Oliveira Junior
Pós-Doutor em Ciências da Saúde. Mestre em Direito Público. Professor de Processo Penal, biodireito e bioética. Promotor de Justiça aposentado/SP. Advogado. Reitor do Centro Universitário do Norte Paulista.