sábado, 15 de março de 2014

Encrenca adiada - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 15/03

O pacote para o setor de energia elétrica escancara fragilidades do governo Dilma e mais um adiamento da solução de problemas.

O governo vem sendo incapaz de assumir a vulnerabilidade da economia a um colapso no fornecimento de energia elétrica. Essa situação poderia ser mais bem evitada se a população fosse incentivada a reduzir o consumo ou por meio de estímulos ou por meio do aumento de preços. Mas, por uma reação narcisística que pretende evitar qualquer ideia que lembre racionamento ou algo parecido, decidiu por medidas paliativas e protelatórias cujo principal efeito é o aumento da desconfiança, e não o contrário. O investidor tem agora mais razões para se sentir inseguro em relação ao custo e ao fornecimento do insumo mais importante para a produção.

O pacote cuidou de repassar imediatamente R$ 12 bilhões às distribuidoras de energia sem repassar imediatamente essa despesa para o consumidor. O Tesouro se encarrega de uma despesa adicional de R$ 4 bilhões, 10% do que a presidente Dilma prometeu cortar há apenas 23 dias, a ser coberto com aumento de impostos, que ninguém explicou como será.

Outra decisão é levar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica a contratar uma dívida de R$ 8 bilhões. Como esta é uma instituição sem ativos e, portanto, incapaz de fornecer garantias reais, não haverá instituição privada capaz de adiantar esses recursos. A saída será apelar para os bancos públicos de sempre: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, apenas para disfarçar o adiantamento de uma conta que, depois das eleições, será descarregada sobre o consumidor.

Outra decisão será a realização de um leilão de "energia existente" para tentar reforçar a oferta. Como quase tão somente a Petrobrás possui unidades termoelétricas que podem ser acionadas, embora a custos mais altos, o resultado será nova sobrecarga do caixa da empresa.

O governo se exime de responsabilidades pela crise. Argumenta que é vítima de uma fatalidade provocada por uma seca implacável. Não é assim. O colapso é o resultado de uma administração casuística e autoritária do setor, que não consegue nem sequer reconhecer que o sistema está vulnerável a apagões provocados por raios ou por ação de queimadas sob linhas de transmissão.

Culpar a falta de chuvas é o mesmo que descarregar a raiva sobre "esse juiz mal-intencionado (segue-se o palavrão de praxe)" pela inversão da marcação de uma falta que levou o time à derrota. Os problemas do perdedor são outros: mau preparo físico e técnico, falta de padrão de jogo, desmotivação dos atletas, etc.

A presidente Dilma interferiu autoritariamente no mercado com a Medida Provisória 579, de setembro de 2012, e desorganizou o sistema. A construção de hidrelétricas e de linhas de transmissão, que poderiam regularizar a oferta, está cronicamente atrasada. A queima de óleo diesel em termoelétricas ultrapassadas é mais um fator que provoca a deterioração do caixa da Petrobrás. E tem essa omissão incompreensível que bloqueia uma política de uso racional de energia em tempos de escassez.

Cabeça de tirano - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 15/03

SÃO PAULO - Kim Jong-un, o ditador da Coreia do Norte, acaba de ser eleito deputado pela 111ª circunscrição com 100% dos votos e sem nenhuma abstenção, embora o sufrágio seja facultativo no país. O curioso é que é possível que os números propriamente ditos não tenham sido falsificados. É que pelo sistema local, há apenas um candidato por circunscrição, e o eleitor se limita a dar seu "sim" ou "não" ao nome proposto. O pulo do gato é que, para votar "não", o cidadão precisa dirigir-se a uma cabine separada.

Por que tiranos se dão ao trabalho de encenar farsas eleitorais? Kim Jong-un está longe de ser um caso isolado. Os há pouco depostos presidentes Zine el Abidine Ben Ali (Tunísia) e Hosni Mubarak (Egito) costumavam ser "eleitos" por margens superiores aos 94%. Na Síria, Bashar al-Assad ungiu-se em 2007 para mais sete anos de mandato com o apoio de 97,2% de seus compatriotas; hoje enfrenta uma guerra civil. Saddam Hussein também era um sujeito querido. Em 95 ele fora aprovado por 99,96% dos iraquianos e, em 2002, conseguiu a notável marca dos 100%.

É improvável que estes e tantos outros ditadores achem que vão enganar governos estrangeiros e a própria população divulgando números tão absurdos. Não obstante, insistem neles. Por quê? Penso que há aí dois sistemas psicológicos em operação.

De um lado, ao promover a farsa, os tiranos prestam tributo à democracia, admitindo que é a vontade popular que confere legitimidade a um governo. De outro, como ditadores não podem nem por hipótese demonstrar fraqueza, não resistem a apelar aos números superlativos. Mas como lidar com a contradição resultante? Isso não é um grande problema. Se há algo que nós, seres humanos, conseguimos fazer bem, é ir reprocessando mentalmente ideias incompatíveis até que elas deixem de causar dissonância cognitiva, isto é, que deixemos de senti-las como uma ameaça à lógica.

Gênios impúberes - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 15/03

RIO DE JANEIRO - Um estudante inglês, Jamie Edwards, de 13 anos, construiu um reator nuclear --em casa, nas horas vagas, com um dinheiro que sua avó lhe deu no Natal. Há dias, na escola, ele apresentou o invento: fez dois átomos de hidrogênio se chocarem e provocou uma fusão nuclear, ou algo assim.

A ciência favorece a que certos garotos descubram ou inventem coisas espetaculares. Steve Jobs e Bill Gates, como se sabe, tinham menos de 20 anos quando pensaram no computador pessoal, na internet e em outras ferramentas que iriam mudar o mundo. E quem inventou o Google, o Facebook, o Twitter? Vários meninos também impúberes. Não por acaso, todos ficaram bilionários.

Na área da criação artística, isso é mais raro de acontecer. Supõe-se que, para fazer grande poesia, literatura ou música, exijam-se alguma idade, maturidade e experiência --pense em Dante, Stendhal, Beethoven. Claro, há exceções. Mozart, aos cinco anos, já podia dar aulas de piano a seu professor. Mary Shelley escreveu "Frankenstein" aos 19. E Rimbaud, antes dos 20, dissera tudo que tinha a dizer. Não por acaso, nenhum deles ficou bilionário.

E houve Orson Welles. Aos 25 anos, em 1941, ele revolucionou o cinema com "Cidadão Kane". Mas, antes disso, aos 22, já fora capa da "Time" por seu "Júlio César" de terno e gravata na Broadway. E, aos 23, aterrorizara os EUA com sua versão de "A Guerra dos Mundos" no rádio. Mesmo assim, um amigo da família comentou: "Quem conheceu Orson aos cinco anos sabe que ele é um fiasco aos 25".

O contrário também acontece. Meu tio-avô Benicio, um homem do século 19, levou seus mais de 80 anos de vida tentando construir o moto contínuo. E, a exemplo de milhares antes dele, fracassou. Dizem que o moto contínuo é uma impossibilidade. Mas isso porque, até hoje, nenhum menino de 11 anos resolveu construir um.