terça-feira, 4 de março de 2014

Para onde vai o desemprego? - ILAN GOLDFAJN


O GLOBO - 04/03

Não é comum ter desemprego baixo numa economia fraca. Em geral, a desaceleração da economia contamina o mercado de trabalho, pelo menos depois de um tempo. Mas nos últimos anos no Brasil o PIB tem crescido ao redor de 2%, enquanto o desemprego continuou caindo para 5%. É importante. Afinal, o desemprego tem relevância única para a sociedade. Na economia, afeta o poder de compra e o consumo, sem falar na sua contribuição para a produção. Nas pesquisas de bem-estar figura como determinante. Por isso, é crucial na política, pois pode decidir eleições. Mas o que explica esse aparente paradoxo entre crescimento e desemprego? Qual é a consequência para a economia?

Apesar do desemprego baixo, o crescimento mais fraco do PIB afetou o mercado de trabalho, pelo menos na criação de empregos. A quantidade total de trabalhadores (população ocupada) caiu 0,1% em janeiro em relação ao mesmo mês do ano passado. Essa taxa de crescimento anual alcançou 2,1%, em média, em 2011 e 2012, e em torno de 3,0% no período entre 2006 e 2008, antes da crise financeira mundial.

O paradoxo é que, não obstante a menor criação de emprego, o desemprego permaneceu baixo. Uma explicação importante são as mudanças demográficas. Há menos trabalhadores disponíveis para a economia. A razão é simples: se a população cresce menos, o número de trabalhadores disponíveis para a economia também diminui. Na faixa etária de 20 a 59 anos, grupo que forma grande parte da força de trabalho, a desaceleração do crescimento passou de 2% ao ano (2004-2008) para 1,4% ao ano (2009-2013). No fim da década, esperamos expansão de apenas 0,7%. Uma queda e tanto.

Mas a dinâmica demográfica explica apenas uma parte da queda da População Economicamente Ativa (PEA) e do desemprego baixo. Ocorre que mesmo pessoas em idade ativa estão desistindo de trabalhar. De 2012 a 2013, a média de inativos entre os jovens de 18 a 24 anos subiu de 1,58 milhão para 1,62 milhão, uma alta de 47 mil. Pode parecer pouco, mas não é, quando consideramos que a população nessa faixa etária diminuiu em 115 mil nesse período.

A desaceleração das contratações provavelmente explica parte da queda na taxa de participação dos jovens na economia. Diante das taxas mais baixas de crescimento econômico, uma parcela da população em idade ativa desistiu de procurar emprego. Desde 2012, houve aumento de 8.700 jovens na situação “nem-nem”, que não trabalham, não procuram emprego e nem estudam (os números referem-se às seis regiões metropolitanas da PME/IBGE).

A boa notícia é que a grande maioria dos jovens que desistiu de trabalhar (82% do total, 38.700) desde 2012 está estudando. Esses jovens devem voltar no futuro ao mercado de trabalho, espera-se que mais qualificados e produtivos, o que será benéfico para a economia. Mas isso não é imediato, pois quem está estudando em geral demora mais para voltar ao mercado de trabalho.

Um fator que pode ter contribuído para a redução da participação desses jovens no mercado de trabalho é o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), um programa do governo para a educação superior. O número de matrículas no Fies, que era de 50 mil por ano, em média, entre 1999 e 2009, saltou para 556 mil em 2013.

Na verdade, o Fies pode potencializar o efeito da desaceleração da economia na procura por trabalho. Com condições mais fáceis e menor custo para conseguir financiamento dos estudos, um enfraquecimento da economia que reduz as opções no mercado de trabalho pode levar os estudantes a optar por estudar mais.

Quais as consequências desse fatores para a economia?

Na última década, a forte expansão do mercado de trabalho foi possível, em grande parte, pela existência de ociosidade de mão de obra. Havia pessoas disponíveis para trabalhar em abundância, o que permitiu o emprego crescer a taxas elevadas durante o ciclo recente de expansão econômica. Contudo, com a taxa de desemprego em níveis historicamente baixos, associada a um baixo crescimento do número de jovens em idade de trabalhar, esse processo mostra sinais de esgotamento. De fato, começam a surgir restrições à expansão da economia advindas das condições do mercado de trabalho.

Sem imigração ou aumento relevante da produtividade do trabalho (ou seja, produzir mais com o mesmo número de trabalhadores), haverá falta de mão de obra e menor contribuição do trabalho para o crescimento. A força de trabalho já tem contribuído menos para a expansão do PIB (de 1 ponto percentual entre 2004 e 2008 para 0,6% nos próximos anos).

A atual falta de ganhos de produtividade está aumentando os custos da economia, tornando-a menos competitiva. A solução para a frente é mais fácil de diagnosticar do que de implementar. É necessário aumentar a produtividade da economia através de mais investimento (inclusive infraestrutura) e educação. A boa notícia é que uma parte dos jovens está adiando a entrada no mercado para estudar mais.

Escutem o louco, por Eliane Brum

Escutem o louco

O homem que empurrou uma passageira nos trilhos do metrô desnuda o momento perturbador vivido pelo Brasil

De repente, o taxista aumentou o som da pequena TV acoplada no console do carro. No banco de trás, eu parei de ler e afinei os ouvidos. Era meio-dia da sexta-feira de Carnaval (28/2). O homem que, dias antes, havia empurrado uma passageira nos trilhos do metrô de São Paulo tinha sido preso. A mulher teve o braço amputado. O agressor sofre de esquizofrenia, destacou o apresentador de TV. “Louco”, decodificou de imediato o taxista. Doença triste, disse o apresentador na TV. Ao ser preso, continuou o apresentador, o agressor afirmou que a empurrou porque sentiu raiva. Essa parte o taxista não escutou. Algo lá fora o havia perturbado. Colou a mão na buzina, abriu a janela do carro e xingou o motorista ao lado, que tentava mudar de pista. Perdigotos saltavam da sua boca enquanto ele empunhava o dedo médio com uma mão que deveria estar no volante. Fechou a janela, para não perder a temperatura do ar-condicionado, e voltou a falar comigo. “A polícia tem de tirar os loucos da rua”. A quem ele se refere, pensei eu, confusa, olhando para fora, para dentro. Era ao louco do metrô.
Há algo de trágico nos loucos. E não apenas o que é definido como loucura nessa época histórica. Há uma outra tragédia, que é a de não ser escutado. Sempre que alguém com um diagnóstico de doença mental comete um crime, a patologia é usada para anular as interrogações e esvaziar o discurso de sentido. A pessoa não é mais uma pessoa, com história e circunstâncias, na qual a doença é uma circunstância e uma parte da história, jamais o todo. A pessoa deixa de ser uma pessoa para ser uma doença. Se há um histórico, é o de sua ficha médica, marcada por internações e medicamentos – ou a falta de um e de outro. Esvaziada de sua humanidade, o que diz é automaticamente descartado como sem substância. A doença mental, ao substituir a pessoa, explica também o crime. E, se não há sujeito, não é preciso nem pensar sobre os significados do crime, nem sobre o que diz aquele que o cometeu.
Mas o que essa escolha – a de reduzir uma pessoa a uma patologia e a de anular os sentidos do seu discurso – diz da sociedade na qual foi forjado esse modo de olhar? Se Alessandro de Souza Xavier, 33 anos, o homem que na terça-feira (25/2) empurrou Maria da Conceição Oliveira, 28, no metrô, for escutado, há algo de particularmente perturbador na justificativa que confere ao seu ato. Alessandro diz: “Fizeram um mal pra mim, e eu descontei. Fiz porque estava nervoso com o pessoal do mundo.”

O louco não expressa apenas a sua loucura. Ele também denuncia a insanidade da sociedade em que vive
O que há de particularmente perturbador nessa fala é que, quando escutada, ela desnuda o atual momento do Brasil. Vale a pena lembrar que o louco é também aquele que diz explicitamente do seu mundo. Sem mediações, ao dizê-lo ele pode sacrificar a vida de outros, assim como a sua. Vale a pena lembrar ainda que o louco não expressa apenas a sua loucura. Ele denuncia também a insanidade da sociedade em que vive.
Ao interrogar sobre os sentidos do que Alessandro diz, quando explica por que empurrou Maria, é necessário olhar para os outros crimes que viraram notícia nos últimos dias. Nenhum deles, até agora, relacionado a doenças mentais. Torcedores do São Paulo bateram com barras de ferro em um torcedor do Santos que esperava o ônibus. Bateram nele até matá-lo. Ao deparar-se com blocos de Carnaval interrompendo o trânsito, na Vila Madalena, bairro de classe média de São Paulo, um homem acelerou o carro e feriu dez pessoas. Quem estava perto o arrancou do veículo e passou a agredi-lo. Quando ele conseguiu fugir, destruíram o carro. Um casal de lésbicas foi espancado ao sair de um bloco de Carnaval, no Rio. Uma delas teve a roupa arrancada. Apenas uma pessoa na multidão ao redor tentou ajudá-las. Em Franca, no interior de São Paulo, um adolescente correu atrás de um suspeito de assalto e lhe aplicou um golpe chamado de “mata-leão” (estrangulamento). O suspeito, de 22 anos, teve um infarto após ser imobilizado e morreu no hospital. Um morador de rua foi linchado em Sorocaba (SP) por ter pegado um xampu de um supermercado. Teve afundamento do crânio. No Rio, mais um adolescente foi amarrado e agredido depois de furtar um celular. Linchamentos eclodiram em todo o país depois do caso do garoto acorrentado com uma trava de bicicleta no Flamengo. Nas semanas anteriores, dois manifestantes acenderam um rojão num protesto no Rio, matando um cinegrafista. Na Baixada Fluminense, um homem executou um suspeito de assalto com três tiros, em plena rua, durante o dia, assistido por vários. Mais de 40 ônibus foram incendiados em São Paulo em 2014.

A lucidez do louco é a de não vestir como razão a nudez do seu ódio – ou do seu medo
O discurso do louco é encarado como uma afirmação (e confirmação) da sua loucura, o que é outra forma de não escutá-lo. No caso de Alessandro, uma das provas da loucura do louco teria sido ele dizer que jogou Maria nos trilhos do metrô por raiva e também por vingança. Explícito assim. Outra prova da loucura do louco revelou-se ao afirmar que não a conhecia, que a escolheu de forma aleatória. “Desconexo” – foi o adjetivo usado para definir o discurso de Alessandro. Sua vítima não era torcedora do Santos, não era lésbica, não tinha furtado um celular ou um xampu, as desrazões interpretadas como razões. Por que, então? O louco confessou: Maria não era Maria, já que não a conhecia nem sabia o seu nome, mas o “pessoal do mundo”. A lucidez do louco talvez seja a de não vestir como razão a nudez do seu ódio – ou a nudez do seu medo. Por isso também é louco.
Diante da violência que irrompe no Brasil em todos os espaços, talvez seja a hora de escutar o louco. Talvez o fato de ele atacar no metrô não seja um detalhe descartável, uma coincidência destituída de significado. No mesmo dia em que Alessandro foi preso, morreu no hospital Nivanilde de Silva Souza, aos 38 anos. No mesmo dia em que, na Estação da Sé, Alessandro empurrou Maria, na Estação da Luz um trem atingiu a cabeça de Nivanilde. Ela tinha dito a um estagiário da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) que estava grávida, o que lhe assegurava o direito a entrar no vagão especial. O estagiário disse a ela que teria de apresentar um documento comprovando a gestação. Os dois teriam se empurrado, seguranças deram voz de prisão à Nivanilde. Na confusão, ela teria caído na plataforma. O trem bateu na sua cabeça.
No início de fevereiro, a linha-3 vermelha do metrô parou por cinco horas depois da falha em uma porta na estação da Sé, a mesma em que Alessandro empurrou Maria. No verão paulistano mais quente desde 1943, o ar-condicionado foi desligado. Pessoas vagavam pelos túneis, algumas desmaiaram, grávidas e velhos esperaram dentro de vagões abafados por horas. Pelo menos 19 dos 40 trens que circulavam na linha foram depredados.

O outro, qualquer outro, tornou-se inimigo e competidor por um lugar no trem que nos engole e nos cospe em seu vaivém automático
Os protestos de junho de 2013 começaram por causa das tarifas do transporte público, em São Paulo os 20 centavos de aumento da passagem. Naquele momento, milhares romperam o imobilismo, no concreto e no simbólico, e passaram a andar por cidades em que não se andava, vidas consumidas em ônibus e metrôs superlotados. O aumento de 20 centavos foi cancelado, mas o péssimo transporte público continuou mastigando o tempo, desumanizando gente. Basta parar para esperar o trem nos horários de pico para ser empurrado, xingado, odiado. O outro, qualquer outro, tornou-se nosso inimigo e nosso competidor por um lugar no trem que nos engole e nos cospe em seu vaivém automático. Somos passageiros que não passam, e a tensão dessa impossibilidade cotidiana pode ser apalpada. A violência é gestada como uma promessa para o segundo seguinte.
Então o louco vai lá e empurra a mulher sobre os trilhos. Rompe o imobilismo e empurra aquela que espera. Porque é louco. Caso isolado, nenhuma conexão com nada, desconexo é o seu discurso, fora da história é o seu gesto, a insanidade é só dele. Basta eliminá-lo, tirá-lo de circulação, para que a sociedade brasileira volte a ser sã. E o metrô de São Paulo um espaço de convivência agradável e pacífico, marcado pela cordialidade.
Talvez estejamos todos não loucos, mas no lugar do louco. Já não nos subjetivamos, tudo é literal. Nos mínimos atos do cotidiano nos falta a palavra que pode mediar a ação, interromper o gesto de violência antes que se complete. Mas talvez estejamos no lugar do louco especialmente porque nem escutamos, nem somos escutados. E quem não é escutado vai perdendo a capacidade de dizer. Só resta então a violência.

Reprimir os protestos é uma forma brutal de não escutar o que dizem aqueles que ainda se preocupam em dizer
Os protestos iniciados em junho pelos 20 centavos e agora centrados na Copa do Mundo são um dizer. Responder a eles com repressão – seja da polícia no espaço público, seja em projetos de lei que transformam manifestantes em terroristas, seja anunciando que o Exército vai para as ruas em tempos de democracia – é uma forma brutal de não escutar aqueles que ainda se preocupam em dizer. É talvez a maior violência de todas.
É preciso ser muito surdo para acreditar que prender todos, “deter para averiguação”, criminalizar manifestantes é suficiente para voltarmos a ser o Brasil cordial e contente que nunca existiu, 200 milhões em ação torcendo pela seleção canarinha. Que o dizer de quem deseja um Brasil diferente seja hoje expressado no campo simbólico do futebol é mais uma razão para escutá-lo, ao mostrar que estamos diante de novas construções do imaginário.
Escutem o louco. Para não colocar aqueles que protestam no lugar do louco, no lugar daquele que não é escutado porque não teria nada a dizer. E depois surpreenderem-se com a resposta violenta, convencendo-se de que não têm nada a ver com isso.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes, o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua e A Menina Quebrada e do romance Uma Duas. Email: elianebrum@uol.com.br. Twitter: @brumelianebrum

Em 2013, brasileiros sonegaram R$ 415 bilhões em impostos

Os brasileiros sonegaram R$ 415 bilhões em impostos no ano passado. Todos os tributos devidos e não pagos pelos brasileiros, e inscritos na Dívida Ativa da União, já passam o R$ 1 trilhão e 300 milhões. 
 
Cobertos de razão, cobramos governos municipais, estaduais e o federal. Talvez valha a pena refletir também sobre responsabilidades coletivas e individuais. 
 
O estudo sobre sonegação é do Sinprofaz – Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. 
 
Sonegação de R$ 415 bilhões é igual a 10% do PIB do país. É maior, com muita sobra, do que a soma dos orçamentos da Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia…
 
Existem, claro, motivos vários para tanta sonegação. Desde a falta de mão de obra para fiscalizar até o injusto sistema de tributação. Sistema regressivo, que penaliza os mais pobres e favorece os mais ricos. 
 
A carga de impostos em relação ao PIB é de 36%. Mas, como o grosso disso é de tributos sobre produtos e serviços, paga mais quem tem menos. 
 
No Brasil, quem ganha até 2 salários mínimos paga, no geral, tributos de 49% . Quem ganha até 20 salários, paga 26%. E assim por diante. Menos ganha, mais paga. 
 
Com os tributos, uma água mineral em aeroporto, por exemplo, custa R$ 4. O peso é diferente para quem ganha 2 e para quem ganha 20 salários mínimos. 
 
O "impostômetro" conhecido não explicita quem paga o quê. Quem sabe não é o caso de um "impostômetro" esmiuçando o que os mais pobres pagam em produtos e serviços? 
 
Já a grande sonegação se dá na Pessoa Jurídica dos mais ricos. Sonegação encoberta por mecanismos sofisticados.
 
O apelido dado a isso costuma ser "planejamento tributário", como diz Heráclio Camargo, presidente do Sinprofaz. 
 
Sonegação no ISS, Cofins, PIS, mas especialmente nos tributos sobre Pessoa Jurídica. Sonegação que tem saída legal, abrigo e sede nos paraísos fiscais. 
 
A carga tributária do Brasil é semelhante à da Alemanha. O problema está na contrapartida, diferente e muito melhor na Alemanha. E está no injusto imposto regressivo. 
 
Mexer nesse sistema significaria enfrentar os que podem muito e pagam pouco, ou quase nada diante do que poderiam e deveriam pagar. 
 
Com R$ 415 bilhões sonegados em um ano, e R$ 1 trilhão e 300 milhões devidos e não pagos, há muito para ser feito. E muito para debate e reflexão. 
 
A saída mais fácil é discutir a tributação pelo volume, 36% do PIB, e não pelo que tem de injusta. Ou fazer de conta que problema são os R$ 24 bilhões do Bolsa-Família. 
 
Esses R$ 24 bilhões socorrem 14 milhões de famílias; são, em média, R$ 152 por pessoa. Para cidadãos sem acesso a planejamentos que permitem a sonegação de R$ 415 bilhões em um ano.