domingo, 6 de outubro de 2013

Adolescentes até quando? - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA


Quanto mais se preparam, menos eles se sentem aptos a viver como gente grande

A adolescência agora vai até os 25 anos – e não apenas até os 18, como era previsto. Essa é a nova orientação dada a psicólogos americanos. É como se a neurociência pudesse eximir a todos de responsabilidade por um fenômeno deste século: jovens demoram muito mais a amadurecer, sair de casa e ser independentes. As pesquisas revelam que “a maturidade emocional de um jovem, sua autoimagem e seu discernimento são afetados até que o córtex pré-frontal seja totalmente desenvolvido”. E isso só acontece aos 25 anos.

Então o culpado é o córtex? Não é por falta de esforço dos filhos. Nem por superproteção dos pais. Tampouco é porque a competitividade exige mais estudos e especializações. Quanto mais eles se preparam, menos se sentem aptos a viver como gente grande. Por uma mistura de insegurança pessoal, liberdade e mordomias na casa dos pais, muitos jovens se paralisam, especialmente nas famílias de classe média para cima, no Brasil. Não é “qualquer trabalho” que os realizará. Criticam os pais. Acham que eles fizeram concessões demais à sobrevivência e à prole: “Quem mandou vocês darem tudo para mim?”.

Antes, era diferente. Aos 18 anos, os cinquentões de hoje só pensavam em sair da casa dos pais. Era preciso ter um emprego, não necessariamente o dos sonhos. Bastava que o salário fosse suficiente para não depender de pai e mãe, alugar um quarto e sala, poder dormir com o namorado ou a namorada, chegar tarde em casa. Se o emprego se relacionasse aos estudos, que privilégio! Almejávamos múltiplos destinos, mas não havia tempo nem grana para experimentar primeiro e decidir depois. Ralávamos a alma para ascender rápido. Só soube agora que meu córtex pré-frontal não estava totalmente desenvolvido quando saí de casa aos 21 anos. Se me chamassem de adolescente, me sentiria ofendida.

“A ideia de que de repente, aos 18 anos, a pessoa já é adulta não é bem verdade”, disse à BBC a psicóloga infantil Laverne Antrobus, da Clínica Tavistock, em Londres. “Minha experiência com jovens sugere que eles ainda precisam de muito apoio e ajuda além dessa idade.” Diante da extrema condescendência com quem tem 18 ou 25 anos, penso em quem tem 60 ou 80. Não sei em que idade o ser humano pode prescindir de apoio ou ajuda. Dos pais, filhos, parceiros e amigos.

“Amadurecer é um termo complexo, e sabemos que não se limita à independência financeira”, diz a psicanalista Eliane Mendlowicz. “Crescer, dar adeus à proteção dos pais, enfrentar um certo desamparo é uma tarefa árdua, mas vale a pena por seu efeito libertador.” Mesmo assim, trintões e trintonas continuam na casa de papai e mamãe. “Frequentemente se apontam razões econômicas para esse fenômeno”, diz o professor de sociologia Frank Furedi, da Universidade de Kent, na Inglaterra. “Mas houve também uma perda da aspiração por independência. Quando fui para a universidade, se fosse visto com meus pais, decretaria minha morte social.”

Muitos pais financiam filhos casados. Não é raro que filhos divorciados voltem a morar com o pai ou com a mãe. São chamados de “filhos bumerangues”. “Há também os pais que estimulam o comportamento infantil dos filhos para evitar o ‘ninho vazio’”, diz Eliane. Outros, que acreditavam ter criado o filho para ser independente, reagem com sentimentos que se alternam: resignação, preocupação, irritação e perplexidade. O que deu errado?

“Os pais desejam que seus filhos sejam lindos, magros, inteligentes, carismáticos, felizes, competentes, amados. E o que querem os jovens hoje? Buscam aflitos uma maneira de cumprir tantos ideais”, diz a psicanalista Gisela Haddad. Para ela, essa geração precisa encarar um fato: “O futuro está em aberto, e tudo pode ser possível”. Paradoxalmente, isso tem causado, segundo Gisela, pânicos, depressões, vícios em drogas.

Uma pesquisa com mais de 2 mil entrevistados entre 18 e 30 anos, em seis capitais do Brasil, mostrou que 70% não se sentem preparados para enfrentar o mercado de trabalho. Culpam a universidade por não oferecer aulas práticas e não orientar para o empreendedorismo. Sempre foi assim. A universidade nunca formou profissionais prontos.

A legislação tenta se adequar aos novos tempos. Em agosto, o Senado aprovou projeto que aumenta o limite de idade para dependentes no Imposto de Renda dos atuais 21 para 28 anos, ou mesmo 32, quando cursarem universidade ou escola técnica.

O córtex tem pouco a ver com isso. Como diz o psiquiatra Luiz Alberto Py, “o amadurecimento cortical é perfumaria, apenas um álibi”. A adolescência é cultural, depende do país e da sociedade. O fenômeno fisiológico é a puberdade. “Crianças de rua não têm adolescência, só puberdade. Rapidamente se tornam adultos.”

Prolongar a adolescência além dos 18 anos é prolongar a angústia. O jovem não é tão despreparado quanto teme. Nem tão brilhante quanto gostaria.

Demandas sociais ainda têm premissas não cumpridas

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Wilson Tosta - O Estado de S. Paulo
Quando milhares de pessoas foram às ruas exigir transporte de massas barato e de qualidade em junho, nos protestos que derreteram a popularidade de prefeitos, governadores e da presidente Dilma Rousseff, reivindicavam um direito inscrito na Constituição há um quarto de século, mas nunca cumprido. Vinte e cinco anos depois de o texto constitucional passar aos municípios a responsabilidade pelo serviço, só 3,8% das cidades tinham Plano Municipal de Transportes, 3,7% possuíam Fundo Municipal para a área e 6,4% das prefeituras contavam com Conselho Municipal para o setor. Mais: uma em cada quatro cidades não tinha nenhuma estrutura para tratar do tema, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O cenário de baixa regulamentação dos transportes, descrito pela Pesquisa Básica de Informações Municipais 2012 do instituto, é apenas parte das promessas da Constituição até hoje não atendidas ou só parcialmente cumpridas no País. O detalhado texto estabelece como direitos sociais "a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados". Torna obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes a aprovação de Plano Diretor para regular a ocupação do solo, estabelece a Seguridade Social, lança o Sistema Único de Saúde e cria um Plano Nacional de Educação – mas seus resultados são questionados.
"É zero", diz Claudio de Moura e Castro, especialista na área, ao falar da influência da Constituição no avanço da educação. "O Plano Nacional de Educação (estabelecido no texto constitucional) é um Frankenstein, que o governo federal faz para o Estado e o município implantarem. Se tivesse um plano bem feito, por pessoas competentes, poderia ser um bom exercício de contabilidade. Do tipo: se queremos ter tantos formandos na universidade, precisamos que tantos concluam o ensino médio. Mas isso não é feito. O plano são os caras do MEC desesperados para compatibilizar 2 mil demandas." Castro elogia, porém, o dispositivo constitucional que preservou a iniciativa privada no setor. "A esquerda queria que educação fosse uma concessão", diz.
Para o professor Luís Antônio Cunha, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na educação, a Constituição trouxe avanços, ao lado de "persistências arcaicas". Entre os primeiros, ele lista a afirmação do ensino como direito de todos, em qualquer idade, e subjetivo, ou seja, que não precisa ser comprovado. Como retrocesso, o professor lembra a instituição da educação religiosa opcional nas escolas públicas, drenando recursos e tempo que deveriam ser dedicados às matérias tradicionais. "É a única disciplina mencionada. Foi inscrita lá por um acordo de circunstância."
Saúde. Um dos destaques do inovador capítulo da Seguridade Social, a parte dedicada a serviços de saúde da Constituição de 88 estabeleceu, em seu artigo 198, que eles "integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único". Passadas duas décadas e meia, porém, o SUS, embora teoricamente tenha cobertura universal, ainda luta contra problemas como a falta de qualidade, a superlotação de unidades e equipamentos e hospitais precários. Segundo o IBGE, dos quase 100 mil estabelecimentos de saúde do País, pouco mais da metade é pública e mais de 90% são municipais.
O médico Hésio Cordeiro, um dos idealizadores do SUS, diz que a entrada de organizações sociais para administrar desde a atenção básica à alta complexidade "corre o risco de desvirtuar o SUS". "A gestão da saúde deveria ser inteiramente pública, e complementar com convênios com o setor privado apenas naqueles casos em que não existissem os serviços na rede pública", diz Cordeiro. / COLABOROU CLARISSA THOMÉ

Entrevista: ‘Carta foi avanço, mas intolerância persiste’

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Mariléia Inoue, socióloga e historiadora - O Estado de S. Paulo
Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é preciso assegurar o respeito à diversidade religiosa.
Qual a importância da Constituição de 1988 para a questão religiosa?
A Constituição foi um avanço por ser feita em resposta aos movimentos sociais da época. Até então, o Brasil era um País essencialmente católico. A Carta avançou e previu liberdade de culto, inclusive em assegurar o direito de não se ter religião.
Tais direitos estão garantidos no cotidiano?
A lei não está maturada. A intolerância religiosa ainda existe. As pessoas ainda não conseguem lidar bem com a diversidade religiosa. Elas ainda têm a impressão de que podem interferir no foro íntimo. E ninguém pode, nem o Estado.
Como avalia o embate entre direitos homossexuais e dogmas religiosos?
Casos como o debate entre o movimento gay e o deputado Marco Feliciano demonstram o descompasso entre esses universos. O que a legislação traz é suficiente (para assegurar os direitos de todos), mas ela não se efetiva por causa de entraves sociais.
Cabe ao poder público liderar tal processo?
Temos um Estado de Direito ainda em construção. O fato de o Estado não ser totalmente laico contribui para aquele descompasso porque faz haver essa confusão entre o que é público e privado. / L.V.


Artigo: Um Guia para as mudanças do Brasil


Dilma Rousseff: 'É uma Constituição ambiciosa em direitos e deveres. E nessa ambição reside sua perenidade. É um roteiro para um Brasil mais inclusivo e desenvolvido'

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Dilma Rousseff - Presidente da República
A História recente do Brasil pode ser contada em uma única frase: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição". Sintética como um poema haicai, ampla como um sonho, o artigo 1.º, parágrafo 1.º, da nossa Constituição carrega em si séculos de lutas por um país mais democrático, justo e de oportunidades para todos.
A Constituição que expressa a submissão à vontade do povo em sua primeira frase nasceu 25 anos atrás em um dos momentos mais vibrantes da nossa história. Discussões reprimidas por décadas de autoritarismo e violência do Estado afloraram em dois anos de uma Constituinte multifacetária, igual a da nossa sociedade.
Hoje é comum ouvir a crítica de que nossa Constituição é por demais detalhista, mas esse exagero é explicado pelas circunstâncias. Saímos de um momento de represamento das liberdades individuais para um momento único no qual todos os setores da setores da sociedade se empenharam em debater o que se tornaria lei na nossa Carta Magna. Graças ao trabalho de homens e mulheres dignos, gigantes como Ulysses Guimarães, a Constituição foi fruto de um pacto político de inúmeras forças. O texto final é o mais avançado em termos de direitos sociais e de liberdades individuais da nossa história.
É uma Constituição ambiciosa em direitos e deveres. E nessa justa ambição reside a sua perenidade. Assim como os meus antecessores e, tenho certeza, assim como os meus sucessores, considero a Carta de 1988 um guia que aponta a direção para onde o País deve seguir. Um roteiro para um Brasil mais inclusivo, mais democrático e mais desenvolvido.
Programas de inclusão como o Brasil Sem Miséria/Bolsa Família, de afirmação como o ProUni, de universalização como o Luz e o Água para Todos e de melhoria dos serviços de saúde como o Mais Médicos têm suas sementes no artigo 3.º dos Princípios Fundamentais: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: Erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
E o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e o Pronatec são programas que almejam cumprir o princípio constitucional de que a educação é "direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Os programas de inclusão social, o Sistema Único de Saúde, a liberdade de imprensa, a impessoalidade do serviço público são todas conquistas de 1988. Pela primeira vez na história o meio ambiente ganhou um capítulo específico, no qual o poder público e a coletividade receberam "o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
Em seu histórico discurso na promulgação das Constituição, Ulysses Guimarães disse que "esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora". Cada presidente pós-Constituição foi, a seu jeito, o guardião dessa aurora. Uma aurora de um país sedento por mais cidadania, mais democracia, mais inclusão social. Disse o doutor Ulysses no seu discurso: "A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança". Uma mudança que construímos todos nós, brasileiras e brasileiros, todos os dias.