sábado, 18 de maio de 2013

Haddad quer cercar Cantareira para reduzir impacto do Rodoanel Norte



Prefeitura de SP sugere fazer 40 km de muros ou grades em volta de parque estadual, com custo pago pela Dersa, como forma de barrar ocupações irregulares

18 de maio de 2013 | 1h 20
Caio do Valle - O Estado de S. Paulo
Para reduzir os impactos do Trecho Norte do Rodoanel, em construção desde março, a Prefeitura de São Paulo quer muros ou grades no entorno do Parque Estadual da Cantareira, criado em 1963 entre a zona norte da capital e outros municípios. A ideia para evitar ocupações irregulares foi anunciada ontem pelo prefeito Fernando Haddad (PT) e recebeu a aprovação do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A intenção de Haddad é que a Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), empresa estadual responsável pela construção do Rodoanel, possa cercar o perímetro de quase 40 quilômetros da área verde, uma das principais reservas de Mata Atlântica remanescentes em São Paulo. Segundo o petista, seria uma contrapartida da obra rodoviária, polêmica entre ambientalistas e defensores da floresta.
"É um investimento que, na minha opinião, seria de grande valia para a cidade de São Paulo e para a Região Metropolitana, em função do fato de que se trata de um patrimônio da humanidade", declarou ontem Haddad, ao lado de Alckmin, em um evento na sede da Prefeitura, onde foi confirmada a data para aumento das tarifas de ônibus, metrô e trens.
Em seguida, o governador disse que "anotou" o objetivo do governo municipal e avaliará o gasto necessário para a implementação. "Anotei aqui porque acho que essa é uma boa proposta. Vamos avaliar o custo e verificar, mas acho que é a lógica da compensação ambiental: você sempre trazer um benefício a mais para a população."
Não ficou claro se a medida trará despesas extras à obra do Trecho Norte, que, de acordo com a Dersa, custará R$ 5,6 bilhões, entre construção, compensações ambientais, desapropriações e ações complementares. O percurso desse ramal do Rodoanel será de 44 km, com conclusão prevista para 2016.
Por enquanto, as compensações ambientais desse empreendimento giram em torno de ações como o plantio de 1,7 milhões de mudas de espécies nativas e o pagamento de R$ 24,3 milhões pela Lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação. A Dersa informou que o Trecho Norte "passará ao sul da Serra da Cantareira e não cortará o Parque Estadual" e "as interseções com o parque serão feitas em dois túneis que somam 2,8 km".
Haddad disse que quer deixar o Parque da Cantareira cercado como os Parques Anhanguera, que é municipal e fica na zona norte, e o estadual Fontes do Ipiranga, na zona sul.
Reserva ameaçada
Com 7,9 mil hectares, o Parque Estadual da Cantareira fica entre São Paulo, Caieiras, Mairiporã e Guarulhos. Segundo a Secretaria Estadual do Verde, é tido como uma das maiores florestas urbanas do mundo.
Em 1994, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o classificou como parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da cidade de São Paulo, onde está a maior porção do Cantareira. Nas últimas décadas, o parque tem sofrido com invasões que diminuíram a cobertura verde.
Moradias humildes e até mansões foram sendo construídas sem autorização ao longo do tempo. Para o ambientalista Maurício Waldman, doutor em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a discussão sobre a instalação de grades ou muros no entorno do Cantareira é "inócua". "As pessoas precisam começar a pensar em um processo de ocupação do espaço mais decente e não ficar falando em paliativos, como colocar cerca."
A tese de Waldman foi sobre o Parque da Cantareira. Ele lembra que o cercamento de áreas por onde passam vias, sejam elas férreas ou rodoviárias, muitas vezes não funciona. "O processo de ocupação vai continuar ocorrendo."
Ainda na avaliação do especialista, o trânsito na cidade "não vai ser resolvido pelo Rodoanel", mas sim com planejamento da rede de transportes, principalmente pública.
Ontem, Alckmin disse que, quando os 178 km do anel viário estiverem prontos, 17 mil caminhões serão retirados por dia da capital, de vias como a Marginal do Tietê. Ele também diz que o Trecho Norte impactará fauna e flora da Serra da Cantareira. "Tem impacto de ruído, de material particulado emitido por veículos. E tem acidentes com transportes de cargas perigosas que podem derramar." 

Com uma farofinha...


Neide Rigo
Podemos até discordar da estratégia da FAO de combater a fome e prevenir catástrofes nutricionais estimulando o consumo de insetos, pois uma das saídas seriam ações para melhorar a distribuição de alimentos e evitar seu desperdício. Mas duas coisas são certas. Uma é que, involuntariamente, comemos insetos, ovos e larvas com certa frequência. Afinal, ainda que evitemos alimentos industrializados vermelhos à base de carmim, corante natural feito a partir de cochonilhas, é difícil fugir da proteína animal do bicho da goiaba e dos carunchos dos cereais, às vezes ainda na forma de ovos ou larvas. Outro dado é que o Brasil é essencialmente um papa-insetos, ainda que não o admita, pelo menos até agora.
O próprio documento da FAO cita o País usando referências do especialista baiano Eraldo Medeiros Costa Neto, que estima em 135 o número de espécies de insetos comestíveis por aqui. Diante de nossa biodiversidade e das quase 2 mil possibilidades mundo afora também mencionadas pelo relatório, é de se imaginar que esse número seja ainda maior.
O hábito indígena de comer insetos – sejam formigas nos vários estágios, larvas de abelhas, cupins, tenébrios, lagartas ou crisálidas – sobrevive, e podemos trazer do Alto Rio Negro deliciosas saúvas inteiras com tucupi e pimenta ou paneiros com seus abdomes moqueados. Ainda podemos ir à cidade de Silveiras, no Vale do Paraíba, para comer içás em restaurante popular. Mas mesmo nos bairros da cidade de São Paulo e arredores encontramos grandes formigueiros de saúvas cortadeiras, terror dos jardins, com o mesmo sabor de citronela do inseto amazônico.
O perfume cítrico característico dessa espécie, Atta sexdens, vem do feromônio produzido numa glândula mandibular. A substância tem várias funções, entre elas a de inibir o crescimento de micro-organismos outros que não o fungo desejável para a própria nutrição da colônia. Porém, apesar do apreciado sabor herbáceo na cabeça dessas formigas, o hábito disseminado por todo o Brasil é perseguir as fêmeas em revoada, chamadas de içás ou tanajuras, quando estão prenhes. É exatamente o abdome esférico, do tamanho de um grão de ervilha, que é dourado na própria gordura ou na banha de porco e comido como petisco crocante, puro ou com farinha. Uma mistura de torresmo com amendoim torrado, uma iguaria.
No entanto, tirando o exemplo do Vale do Paraíba e da Amazônia, onde há certo orgulho do alimento, pouca gente admite que come ou já tenha comido içá ou qualquer outro inseto. É hábito tachado como primitivo ou de pobre – exceção feita a quem viaja para o México, ou Tailândia, Japão, China e tantos outros países asiáticos, onde os insetos são vendidos na rua ou em lojas especializadas. Basta ao turista experimentar um deles, fotografar e postar na rede social como fato pitoresco e, pronto, está batizado. Passar a encarar os insetos como alimento nutritivo e saboroso do dia a dia, sem distinção de classe, é outra história.
No verão passado, por exemplo, quando consegui recolher um tanto de içá em Piracaia, cidade a 100 km de São Paulo, achei que só eu sabia que aquele inseto era comestível, que só eu tinha presenciado centenas de formigas gordas caindo do céu. Aos poucos, as pessoas foram revelando que também coletaram içás naquela tarde de domingo que anunciava chuva com trovoadas – mas só depois de eu dizer que já tinha provado a formiga até em restaurante e gostava muito. Não fosse assim, teriam negado até a morte.
Não é diferente o que acontece com os bichos de coco, de taquara, de tronco de palmeira. A larva do besouro Pachymerus nucleorum, por exemplo, cresce dentro da amêndoa do fruto de várias palmeiras, como o licuri, que produz coquinho adocicado e crocante. Essas larvas, que parecem confitadas em gordura de coco como uma síntese da polpa que as alimentou, são apreciadas em todo o Brasil, seja a que dá no butiá, no babaçu ou no buriti. Os nomes regionais variam conforme a planta e são geralmente repletos de "os": gongo, coró, fofó, boró, bigolô, gogolô. No interior do Maranhão, os gongos do coco babaçu fritos viram ingrediente para farofas ou são servidos com arroz. Mas é comida interna, familiar, de pertencimento. Vá querer compartilhar essa emoção...
O preconceito chegou com o colonizador, que encontrou aqui grandes dissonâncias de costumes e higiene em relação aos padrões europeus. Vide os termos pejorativos e de asco em relação aos hábitos alimentares dos índios nos relatos dos viajantes. Hoje sabemos o que nossos índios sempre souberam: que quase todos os insetos são comestíveis – grilos, lagartas sem pelo, larvas, crisálidas, cupins, abelhas, besouros. Estaríamos mais saudáveis e teríamos menos problemas ambientais se não comêssemos tanta carne e tantos camarões – que se alimentam de restos putrefatos do fundo do mar – e enxergássemos gafanhotos nutridos à base de folhas verdes como limpos e apetitosos camarões do campo.
* NEIDE RIGO É NUTRICIONISTA, COLUNISTA DO PALADAR E AUTORA DO BLOG COME-SE

Mercado do medo



O resultado positivo para alta probabilidade de câncer de mama transformou Angelina Jolie em cliente da mercadoria risco

18 de maio de 2013 | 15h 46
Debora Diniz - O Estado de S.Paulo
Não há sobrevivência humana sem a experiência do adoecimento. E não se trata de uma resignação passiva diante do corpo que insiste em falhar, pois essa é nossa condição. O encanto da medicina está no poder de nos oferecer tratamento para as aflições e as dores. O câncer é uma delas – "uma palavra que impõe medo nos corações das pessoas", disse Angelina Jolie. Talvez tenha sido o medo que a fez se submeter a uma cirurgia de mastectomia radical: retirou os dois seios como medida preventiva para desautorizar o destino anunciado em seus genes. Angelina não estava doente – o câncer era uma probabilidade. A estatística genética a sentenciou à morte e o mesmo bisturi que a mutilou reconstruiu seu corpo.
Atriz revelou que fez uma cirurgia de retirada de mamas para diminuir o risco de câncer - Todd Heisler/NYT
Todd Heisler/NYT
Atriz revelou que fez uma cirurgia de retirada de mamas para diminuir o risco de câncer
Angelina contou sua história em um jornal de circulação mundial. A narradora do texto – em um misto de confidência e apelo às outras mulheres – seduz pela autoridade de atriz e pacifista da Organização das Nações Unidas. A mãe de Angelina morreu aos 56 anos de um câncer de mama. Um teste genético identificou a herança materna do gene defeituoso. "Assim que soube do risco, decidi ser proativa e minimizá-lo", justificou-se. Risco não é somente um fenômeno estatístico, mas uma categoria moral e uma mercadoria. Minimizar o risco do adoecimento genético ofereceu a Angelina um sentimento de controle sobre o futuro e acerto de contas com o passado: os filhos não vivenciariam sua história de orfandade. Ou, ao menos, assim o mercado dos testes genéticos a faz crer.
O teste sanguíneo para a identificação do gene defeituoso de Angelina custa US$ 4 mil nos EUA. É produzido por uma única empresa, a mesma que busca patentear o sequenciamento genético na Suprema Corte americana. No Brasil, não está disponível na rede pública de saúde por duas razões. A primeira é que a genética clínica ainda não foi seriamente implementada como política pública do SUS. A segunda, e mais importante, é o custo exorbitante do exame, dado o controle econômico da patente e do sequenciamento do gene por uma única empresa. É a ciência que cartografa nossos genes a que vende o teste para classificar alguns deles como "defeituosos". O de Angelina tem nome, BRCA1. Mas a história da mastectomia radical para tratamento do câncer de mama conheceu matriarcas distantes da atriz de Hollywood: em 1894, William Stewart Halsted, médico do Hospital Johns Hopkins, propôs o revolucionário tratamento de mutilação dos seios para o câncer. A diferença é que a mastectomia do século 19 era feita após o câncer dar sinais de presença no corpo.
Os médicos de uma mulher com risco genético alto para o câncer de mama podem indicar a mastectomia preventiva. Diferente do passado, não há uma doença instalada no corpo, apenas seu espectro de probabilidade. O admirável mundo novo da genética não apenas provocou a ficção científica dos embriões em tubos de ensaio de Aldous Huxley, mas atiçou um extenso mercado de medos e novas necessidades. O teste genético passou a ser uma necessidade de saúde para Angelina. O resultado positivo para a alta probabilidade a transformou em cliente do mercado do medo. Os números eram fortes: com os seios, seu risco de desenvolver o câncer eram de 87%; mutilada, de 5%. A mutação genética está em seu corpo e o mercado que a identificou oferece promessa de solução.
Se Angelina se salvou da ficção como a garota interrompida, é agora uma mulher sobrevivente de um câncer que nunca teve. Mas é também uma celebridade genética. Angelina lançou-se como ativista de mais uma causa: a do teste preditivo para o câncer de mama e da mastectomia preventiva. Suas boas intenções humanitárias favoreceram o crescente mercado genético. Em poucos dias, as ações comerciais da Myriad Genetics, a única que controla o teste preditivo para o BRCA1, cresceram nas bolsas de valores. A missão agora é convencer outras mulheres a despir-se do apego ao corpo e lançar-se à hipótese da antecipação da doença. Para isso, apresentou-se como rosto e voz da necessidade da mutilação e descreveu suas próteses como bonitas. Porém, não há escolha simples. A de Angelina foi favorecida pelo poder de consumo médico, animada pela orfandade da mãe e pelo cuidado dos filhos.
Mas probabilidade não é predestinação. Nem na genética nem em nenhum outro campo da medicina. A diferença é que a medicina genética se move por um poder de sedução que revolucionou as políticas populacionais – a métrica estatística. Angelina é não somente uma mulher com gene defeituoso, mas também uma mulher laudada pela genética como de alto risco para desenvolver a doença e morrer precocemente. Ser uma mulher com genes defeituosos foi insuportável para ela, como é para tantas outras. Esse novo estatuto faz circular uma ampla rede de produtos, profissões e consumos. Por isso, nosso estranhamento não deve ser à história de Angelina Jolie, sua mutilação e reconstrução corporal, mas ao discurso médico e de consumo que nos oferece destinos. Mesmo que a escolha pela mutilação venha a ser considerada a mais razoável, ela é apenas uma tentativa de controlar o acaso da vida humana e seu eterno jogo com o adoecimento.
* DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA E PESQUISADORA DA ANIS – INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO