segunda-feira, 15 de abril de 2013

Tolerância zero, por Aécio Neves


15/04/2013 - 03h04


Não dá mais para tentar esconder a escalada da inflação, como insiste em fazer o governo federal, tratando-a como se fosse um parente incômodo atrapalhando a festa da família.
Os fatos estão aí, incontestáveis. O Dieese apontou que os preços dos gêneros alimentícios essenciais continuaram em alta e subiram em 16 das 18 capitais, onde o órgão faz pesquisa sobre a cesta básica.
Ligado aos sindicatos de trabalhadores, o Dieese é 100% insuspeito de alarmismo para assustar a população, atitude que os petistas teimam em atribuir à oposição.
A alimentação no domicílio saltou cerca de 14% em 12 meses. O bom humor dos brasileiros fez a disparada do preço do tomate virar piada nacional. Mas podia ser a farinha de mandioca, que teve crescimento de 151% em um ano.
O impacto é maior entre as famílias mais pobres. Elas gastam do seu orçamento com comida e bebida bem mais que as famílias mais ricas.
Para ampliar a lista de notícias ruins, a inflação anual registrada em março, de 6,59%, estourou o teto da meta, fixada em 4,5%, com margem de dois pontos percentuais.
Confirmou-se também que a pressão maior veio dos alimentos. No trimestre, tomate, cebola e cenoura foram as altas de destaque, 60,9%, 54,9% e 53,3%, respectivamente.
Em boa parte, o descontrole nos preços está associado à forma equivocada como o governo federal gasta, a começar pela máquina administrativa em permanente regime de engorda.
A irresponsabilidade fiscal tem consequências maléficas. O país precisa se afastar, com urgência, do projeto anacrônico de inchaço estatal, reconhecidamente fracassado no planeta.
Cultiva-se uma farta distribuição de privilégios, movida com recursos públicos. Predomina a manipulação de setores importantes da economia para fins meramente políticos e partidários.
Ninguém sabe quanto custarão ao Tesouro Nacional as perdas da Petrobras e da Eletrobras, resultantes da má gestão. Ou do BNDES e da Caixa Econômica Federal para socorrer projetos empresariais de acerto duvidoso.
O PT sempre foi permissivo com a inflação. Basta lembrar que se posicionou contra o Plano Real, instrumento que derrotou a inflação e fez o país entrar numa era de prosperidade.
Os mais jovens não conheceram os dias difíceis vividos pela geração de seus pais e avós nos anos 80 e 90, quando os preços mudavam todos os dias nos supermercados e alcançavam a estratosfera.
Inaugurada pelo Plano Real, a estabilidade econômica converteu-se em patrimônio de todos os brasileiros e não pode ser colocada sob ameaça.
É senso comum que a marcha da inflação sacrifica os mais pobres, em primeiro lugar. Por isso, para nós, a receita é uma só: com a inflação, a tolerância é zero.
Aécio Neves é senador pelo PSDB-MG. Foi governador de Minas Gerais entre 2003 e 2010. É formado em economia pela PUC-MG. Escreve às segundas-feiras na página A2 da versão impressa.

O inferno de um cérebro digitalizado, Luli Radfahrer



Assumindo que o cérebro possa ser digitalizado e todas as memórias preservadas, o resultado seria uma consciência desencarnada, capaz de experimentar de tudo sem se preocupar com eventuais consequências para o corpo.
Livre deste fardo mortal, todos os sonhos seriam possíveis. Seria difícil resistir às tentações do sistema nervoso primitivo. Em um porre sem ressaca, não existiriam restrições a psicotrópicos e aventuras nunca imaginadas. Como seria saltar de bungee-jumping, sem equipamentos de segurança, doido de heroína em um espetáculo de cores, cheiros, gostos e imagens?
Passada a infância das experiências não tardaria o tédio. Na imortalidade a adrenalina não tem o mesmo sabor. Talvez fosse a hora de tentar se unir ao próximo em uma intensidade jamais vista, infinitamente superior a uma gravidez, fundindo capacidades em uma compreensão infinita.
Não tardaria para que outros se juntassem a esse Woodstock cibernético em busca de uma consciência única, mundial, transmitindo em ondas cósmicas a experiência telúrica para pirâmides esotéricas em outros planetas.
Já ouvimos essa história. Desde muito antes do Tim Maia é comum a figura do doidão que vira crente, nem que seja por um breve período.
A digitalização do cérebro, se for possível em algum dia muito distante, terá que ser analisada sob diversos parâmetros éticos. Sem o original, qual das cópias teria direito à identidade? Se todo clone pensa, todo clone tem direito à existência. Mas isso é Filosofia para os próximos milênios. Para não atormentar você com ficção cientifica, prefiro me concentrar em uma questão prática, bem conhecida por todos: a memória das redes.
É bem sabido que um dos efeitos colaterais de redes sociais é o de lembrar (e expor publicamente) seus micos. Por mais que se tente esquecer de uma declaração, foto ou lugar frequentado, não tarda para alguém encontrar o registro e marcá-lo, para o desespero de quem sonhava esquecê-lo.
O esquecimento, visto por muitos como um defeito, uma perda de informação, está gravado no código genético. Ele ajuda a selecionar e priorizar as experiências vividas, contribuindo para o aprendizado e o desenvolvimento. A memória humana precisa administrar a informação recebida entre os recursos limitados que tem para armazenar o que for relevante e recuperá-lo quando for necessário.
O cérebro humano é maleável. Sua estrutura muda conforme o contexto, a emoção e a utilização da informação recebida. Não há máquina capaz de reproduzir esse processo orgânico chamado de plasticidade, que em uma mente saudável, remove o que é tóxico em busca de evolução.
Há vários motivos para se esquecer de algo: para se livrar de uma experiência traumática, de lembranças tristes ou vergonhosas, de estilos de vida doentios, de comportamentos embaraçosos ou de coisas e lugares que não são mais usadas. Como Sherlock Holmes, é possível se esquecer temporariamente de tudo que não é relevante para uma situação. Apaixonados e fanáticos em geral descartam tudo o que não for belo em seu objeto de adoração. Quem sofre um trauma precisa se esquecer da experiência para continuar a viver produtivamente.
Sob esse aspecto o esquecimento não é uma perda, mas um desapego. Ele acontece quando não há vontade de reter uma informação. É tão comum que é normal desenvolver métodos externos para lembrar do que é importante.
Digitalmente essa administração de recursos não é necessária. Como não há plasticidade, pouco se aprende do que se acumula - e nada se esquece. As estruturas não se modificam e a memória é infinita. Quando tudo pode ser recuperado, perde-se a noção do que é relevante. É aí que surgem as implicâncias.
Quem não esquece não perdoa, guarda rancores e revive frustrações. Um cérebro digitalizado será obrigado a rever todos os seus erros, incapaz de mudá-los ou esquecê-los, como quem relê uma discussão de relacionamento por SMS. Ele estará preso eternamente no pior lugar do mundo, sem a opção de melhorá-lo, de aprender com ele ou de encerrar a história, apagando o conteúdo em um suicídio. Não é uma situação desejável.
Voltando à Filosofia, a neurociência de hoje mostra como a mente depende do corpo físico em que habita. Descartes errou ao tentar separá-los, da mesma forma que Platão se enganou ao imaginar um mundo habitado apenas por ideias. De todos os aforismos antigos, talvez o mais profundo ainda seja o bom e velho "mens sana in corpore sano".
Luli Radfahrer
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.

Estudo mostra que caminhar em parque pode ter efeito restaurador para o cérebro



GRETCHEN REYNOLDS
DO "NEW YORK TIMES"
The New York TimesOs cientistas já sabem que o cérebro humano tem uma capacidade limitada de permanecer calmo e focado.
Essa capacidade pode ser influenciada pelo barulho e pelas frenéticas demandas da vida urbana, às vezes causando a condição conhecida informalmente como fadiga cerebral. Quem tem fadiga cerebral fica facilmente distraído e esquecido.
Mas um novo estudo na Escócia sugere que é possível atenuar a fadiga cerebral simplesmente passeando em um parque frondoso.
Há muito tempo, os pesquisadores teorizam que áreas verdes são relaxantes, exigindo menos da nossa atenção do que as ruas.
Os ambientes naturais evocam a "fascinação suave", um termo para a contemplação silenciosa, durante a qual o cérebro pode reiniciar os recursos sobrecarregados da atenção e reduzir a fadiga mental.
Mas essa teoria é difícil de testar. Estudos anteriores mostraram que pessoas que moram próximas a árvores e parques têm níveis menores de cortisol, o hormônio do estresse, em comparação às que vivem primariamente no meio do concreto.
Também crianças com deficit de atenção tendem a se concentrar mais e ter resultados melhores em testes cognitivos depois de passearem em parques.
Os cientistas observaram, com base na leitura de ondas cerebrais, que voluntários ficam mais calmos ao verem cenas naturais.
Até recentemente, não havia sido possível estudar os cérebros das pessoas quando elas estão de fato ao ar livre.
Agora, surgiu uma versão portátil do eletroencefalograma (EEG), tecnologia que estuda os padrões das ondas cerebrais.
Para o novo estudo, publicado em março na revista "The British Journal of Sports Medicine", cientistas da Universidade Heriot-Watt, em Edimburgo, e da Universidade de Edimburgo acoplaram os novos EEGs aos couros cabeludos de 12 jovens saudáveis.
Os eletrodos enviavam, sem fio, leituras das ondas cerebrais para um laptop que cada voluntário levava numa mochila.
Os pesquisadores então enviaram os participantes para caminhadas curtas por Edimburgo, inicialmente em um bairro histórico, depois num ambiente semelhante a um parque e, finalmente, num bairro comercial.
Depois, os cientistas procuraram os padrões cerebrais que eles julgavam corresponder a determinados graus de frustração, atenção dirigida, excitação e calma mental ou estado meditativo.
O que eles encontraram confirmou a ideia de que áreas verdes reduzem a fadiga mental: na área comercial, os cérebros ficavam excitados. Já no parque, as leituras se tornaram mais meditativas.
O estudo foi pequeno -mais um teste da nova tecnologia do que um exame definitivo sobre os efeitos cognitivos de olhar para o verde.
Mas, mesmo assim, Jenny Roe, conferencista do Heriot-Watt que supervisionou o trabalho, disse que as conclusões foram consistentes, fortes e valiosas.
Ela recomenda que, assim que possível, você faça uma pausa no trabalho e vá a um parque --ou que pelo menos olhe para áreas verdes da janela do seu escritório.