quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Carro Flex pode fracassar, dizem usineiros



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TATIANA FREITAS
DE SÃO PAULO
Diante da queda de competitividade do álcool em relação à gasolina e da falta de um plano estrutural para o setor, os produtores de cana começam a admitir a possibilidade de o programa flex fuel fracassar, como ocorreu com o Pró-Álcool.
O presidente da Unica (União da Indústria da Cana-de-açúcar), Marcos Jank, disse ontem que, se não houver mudanças significativas no setor, o consumo de etanol hidratado deve cair ainda mais, diminuindo o interesse dos consumidores e da indústria nos carros flex.
Segundo os dados mais recentes da ANP (Agência Nacional do Petróleo), as vendas de etanol hidratado pelas distribuidoras caíram 22% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2010.
Em contrapartida, as vendas de gasolina subiram 15% no mesmo intervalo.
"Se não houver alta da gasolina, mudança na Cide [tributo incidente sobre os combustíveis] e redução importante de custos, a produção de hidratado não vai crescer, o consumo dos carros flex vai crescer cada vez menos e vai desestimular a produção dos automóveis flex", disse.
"Se não fizermos nada pelo hidratado, a tendência é que apenas o anidro cresça", acrescentou. O etanol anidro é misturado à gasolina, enquanto o hidratado abastece diretamente os carros flex.
PREÇO
O motivo da queda nas vendas do hidratado é o preço. Diante da estabilidade do valor da gasolina no mercado interno, o álcool tornou-se menos atrativo para o motorista --a Petrobras não mexe no preço da gasolina nas refinarias desde 2009.
Na semana passada, era mais vantajoso para o consumidor abastecer seu carro flex com etanol em apenas quatro Estados, segundo pesquisa da ANP: São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Tocantins.
Nos outros, o litro do hidratado custava 70% (ou mais) do valor litro da gasolina.
"O consumidor escolhe pelo bolso", disse Adriano Pires, presidente do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura). "Corremos o grande risco de acabar com o carro flex, da mesma forma como acabou o carro a álcool. A história se repete", acrescentou.
PLANEJAMENTO
A falta de um planejamento estratégico para o setor é outra queixa dos usineiros.
Os investimentos em canaviais estão praticamente paralisados desde a crise financeira de 2008, e os produtores aguardam uma sinalização do governo para investir.
Hoje, as usinas conseguem abastecer com álcool apenas 45% da frota flex, segundo estimativa da Unica.
Mas, para o presidente da Açúcar Guarani, Jacyr Costa Filho, não é possível comparar o fracasso do Pró-Álcool com a crise atual do setor.
"A diferença é que agora o consumidor pode escolher entre o álcool e a gasolina no momento da compra do combustível, não ao comprar o carro", afirma.


O juro caiu. E aí?

04 de setembro de 2011 | 0h 00

José Roberto Mendonça de Barros - O Estado de S.Paulo
O cenário para o crescimento mundial continua sendo revisto para pior. Na realidade, hoje restam apenas duas possibilidades para o mundo desenvolvido: um crescimento muito lento, por pelo menos dois ou três anos, ou, em caso de um evento de crédito que detone uma reação forte dos mercados, a temida segunda recessão em três anos.
Nossa percepção é que os EUA não terão um evento de crédito, a despeito das pressões sobre os bancos (amenizadas pelo investimento feito por Warren Buffet no Bank of America). Entretanto, as autoridades fiscais e monetárias estão claramente sem saber o que fazer. Na Europa, por outro lado, existe um rumo: o euro será mantido, o ajuste na Grécia segue um caminho que, embora pedregoso, leva a um acordo do tipo Brady, que os países latino-americanos fizeram nos anos 80.
Além disso, os esforços para manter Itália e Espanha fora do fogo seguirão intensos. Um avanço mais decidido na direção de um federalismo fiscal ainda está difícil no curto prazo e embora o rumo esteja sendo construído, o risco de um evento de crédito segue existente, o que garante muita incerteza e volatilidade.
As projeções mais recentes sugerem, portanto, um crescimento bem mais lento no mundo desenvolvido e uma leve desaceleração na expressiva expansão do mundo emergente. Por exemplo, o Banco Goldman Sachs reviu os números para 2012 da seguinte forma: o PIB mundial deve crescer 4,4%, e não 4,6%; a expansão das economias desenvolvidas passou de 2,8% para 2,3%; China e Índia manteriam o mesmo ímpeto, de 9,2% e 7,8%, respectivamente. Mesmo os mais pessimistas ainda não consideram a segunda recessão como o cenário mais provável.
No cenário básico, aquele no qual ocorre desaceleração, mas não recessão, nos países desenvolvidos e bom crescimento na Ásia, os principais efeitos para o Brasil serão:
- O dólar seguirá fraco e a liquidez elevada.
- Os juros americanos, especialmente, e europeus seguirão baixos, tanto pela liquidez abundante como pela busca de segurança na compra de papéis do Tesouro dos EUA e da Alemanha.
- Os preços de alimentos seguirão elevados, dada a manutenção de uma forte demanda na Ásia e um reduzido nível de estoques. Na verdade, eles subiram em agosto. Mais ainda, a safra americana de grãos está sendo revisada para baixo e ainda apresenta riscos climáticos consideráveis.
A primeira consequência desse cenário é que o real deverá se manter apreciado pela entrada de recursos externos. Mais importante é que não haverá importação de recessão vinda do exterior enquanto a China e o remanescente da Ásia continuarem a crescer de forma acelerada, como deverá ser o caso. Entretanto, essa não é a visão das autoridades brasileiras consubstanciada na decisão, surpreendente para muitos, do Banco Central em reduzir abruptamente a taxa de juros em 0,5 ponto e sinalizar a continuidade desse movimento nas próximas reuniões.
É importante refletir sobre o que representa essa decisão. Em primeiro lugar, foi feita uma reversão sem precedentes no curso dos juros, enterrando de vez qualquer comunicação do BC com os mercados. Basta comparar as notas liberadas após as duas últimas reuniões do Copom: teria sido preciso não uma, mas duas falências do Lehman Brothers para justificar a radical mudança de visão de mundo lá embutidas.
Ademais, o comunicado do BC assume claramente um mandato duplo. O desempenho do produto industrial (pois é apenas lá que se encontra desaceleração na atividade) vai dividir com a inflação a atenção do BC. Nesse sentido, o regime de metas de inflação tal como concebido está morto e acabado.
Em segundo lugar, é evidente que a decisão do BC foi do governo, e cuidadosamente planejada. Basta lembrar que, após anos de expansionismo fiscal (reafirmado na proposta orçamentária para o próximo ano), o recente discurso de consolidação teve pouca repercussão, até porque o próprio superávit primário deste ano é quase que totalmente explicado por um inesperado crescimento da arrecadação, especialmente no último mês, quando houve o pagamento de uma só vez, pela Vale, de um disputado tributo. Em consequência, o anúncio do bloqueio de R$ 10 bilhões feito na segunda-feira teve uma morna reação, o que levou à elaboração de um cozido fiscal rápido em panela de pressão, que foi vazado para alguns jornalistas como "Plano Dilma" na terça-feira, seguido por declarações de que os juros poderiam cair "quando o BC assim o decidisse", o que foi realizado na quarta-feira.
Essa brusca mudança de rumo da política monetária, afora o até aqui colocado, tem duas dificuldades adicionais, ligadas à inflação futura e à atividade industrial.
Quanto ao primeiro ponto, não vejo efeitos deflacionários fortes vindos de fora enquanto China, Índia e o resto da Ásia (exceto Japão) crescerem bem. Nosso BC sonha com isso desde quando a inflação estava próxima de 4%, há um ano, até os 7% de hoje, com o mundo desenvolvido já cheio de problemas.
Além disso, a renda das famílias e o seu acesso ao crédito vão continuar crescendo. O crescimento acumulado em 12 meses do salário médio dos admitidos já está na casa de 10%. O recente reajuste dos metalúrgicos de São Paulo foi de 10% mais R$ 2.400, o que dá algo entre 14% e 18% de ganhos nominais.
Finalmente, os preços dos serviços seguirão subindo e a inflação de 2011 e 2012 vai flutuar na faixa de 6%. Só uma grande catástrofe mundial puxará a inflação para baixo, e isso não está visível. Daí porque o risco assumido pelo governo e pelo BC é bastante elevado.
O que está tirando o sono das autoridades é a evidente perda de dinamismo da indústria, que passou a ampliar intensamente componentes e produtos importados, como já falamos inúmeras vezes neste espaço. Ora, a perda de competitividade da produção local é sistêmica (tributos, infraestrutura, custo da energia, má regulação, custo da mão de obra e do capital), e não será revertida ou muito amenizada pela queda de juros apenas, embora ela seja parte da solução. Basta lembrar que a recorrente elevação de tributos continua com o IOF, a revisão do Código Mineral, e agora, pela volta da conversa da CPMF.
O que está por trás da perda de competitividade é o modelo de crescimento atual: o governo eleva o gasto de custeios e transferências, que aumenta o consumo; para financiar essa expansão, eleva os tributos e ainda mantém juros altos para conter a resultante pressão inflacionária. Como o investimento público é mínimo, a energia é cara e a infraestrutura é deplorável. Como o governo gasta mal, a qualidade da nossa educação é triste (embora possa produzir candidatos a prefeito).
É este o conjunto que mata a competitividade do país, bem diverso do que a tão admirada China faz. Enquanto essa estrutura de política for mantida, assentada num projeto de poder que precisa de muito dinheiro para se manter e expandir, não iremos competir com ninguém, apenas importar cada vez mais. Até os setores mais produtivos estão sendo afetados pela doença dos custos elevados, como está evidente hoje no caso do complexo da cana de açúcar.
O futuro vai dizer se essa gigantesca aposta vai dar certo. Não acredito.
PS: Perdemos recentemente o professor Antônio Barros de Castro. Tinha por ele a maior admiração, construída ao longo de muitos anos. Antônio foi uma daquelas raras pessoas que vão crescendo e ganhando sabedoria ao longo da vida. Foi uma honra tê-lo conhecido.

ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS 


Terra para estrangeiros – a insegurança jurídica persiste

A demora em uma orientação precisa do governo sobre o tema de aquisição e propriedade de terras por estrangeiros continua a causar danos ao agronegócio. As restrições impostas aos estrangeiros para a compra de terras no Brasil estão tendo consequências várias na liberação de crédito para atividades rurais. Desde agosto de 2010, quando o parecer da AGU tornou-se “lei”, bancos estrangeiros e tradings multinacionais estão muito mais cautelosos neste tipo de operação pelo grau de insegurança das garantias dadas em terras. 
Explica-se: até então as instituições de financiamento aceitavam as terras como garantia dos seus empréstimos. Mas com a nova legislação pode haver problemas para transferir esses imóveis em caso de execução do título, uma hipoteca como exemplo. O problema teve início no ano passado quando o governo decidiu limitar a compra de imóveis por estrangeiros por conta de suposto interesse de fundos soberanos internacionais na compra de grandes extensões de terras no Brasil. O então Presidente Lula aprovou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) destacando que qualquer empresa de capital externo tem de obter autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou do Congresso para concluir a negociação, dentro de situações específicas.
Há um consenso de que o Brasil tem legitimidade para restringir a compra de terras por estrangeiros, especialmente se houver evidências de que o negócio é especulativo. O que não está claro é como devem ser aplicadas as regras, face às dificuldades encontradas em um país de tão vasta extensão territorial. Desde a entrada em vigor, as regras já atrapalharam inúmeras transações de compra e venda de terras, com muitos investidores temendo fazer aquisições que possam vir a ser anuladas (isto se conseguirem o registro necessário).
A imprecisão já começa em Brasilia. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) diz que dos 851 milhões de hectares do Brasil, cerca de 4,5 milhões de hectares estão nas mãos de estrangeiros. Mas este número não tem qualquer credibilidade em função dos controles precários que o Incra e o governo em geral tem em mãos.
Temendo serem punidos por algum erro no processo de registro, nos principais estados onde ainda há muita terra agricultável a ser negociada, os cartórios não estão fazendo nenhuma escritura de aquisição por empresas que tenham sócios estrangeiros, mesmo que minoritários. Para redigir este texto consultamos vários cartórios de notas e de registro de imóveis em Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul. Todos conhecem a legislação mas, pasmem os leitores, nenhum deles diz ter passado sequer uma escritura ou feito um registro de negócios com estrangeiros, desde que a legislação foi imposta.
Foto: Brazil Map 1602 – encontrado em commons. wikimedia