sexta-feira, 3 de junho de 2011

Os males do crescimento das cidades: ciência para suas soluções?



por Arthur Molina, do Observatório das Metrópoles
1 300x199 Os males do crescimento das cidades: ciência para suas soluções?As configurações espaciais das cidades hoje, que resultam de um crescimento acelerado, correspondendo a conurbações, metrópoles e megalópoles dispersas, é realmente um mal que deve ser evitado e combatido? Seria possível prever por simples matemática a maioria das tendências de crescimento ou desenvolver uma teoria geral sobre os processos de urbanização para todas as cidades no mundo?
Um ditado popular alemão Stadtluft macht frei, contempla que “o ar da cidade liberta”, faz referência às cidades medievais que não estavam sob julgo do controle feudal de famílias da nobreza e possuidores das terras produtivas. Na cidade, os habitantes eram considerados cidadãos livres. As cidades medievais foram a peça inicial de desenvolvimento das cidades que conhecemos hoje. Bem diferente do ar citadino, principalmente londrino pós-revolução industrial, que era considerado o mal e o modo de infecção de todas as doenças e pestes, em especial o cólera, que se alastravam facilmente e matavam em poucas horas após os primeiros sintomas.
Nesta época acreditava-se que o contágio era feito pelos vapores fétidos ou “miasmas  na atmosfera” dos subúrbios apinhados de pessoas em condições precárias (KOCH, 2005; TUTHILL, 2003). Nesta época, a compreensão de cidade era bem diferente, tal  era a tecnologia da época, tanto em termos de manter uma densidade populacional que suportasse os limites das estruturas de água e despejos de detritos, quanto o acesso a alimentos, uma vez que não podiam estar a uma distância superior à velocidade dos transportes da época.
Entre 1831 e 1854, mais de dez milhões de pessoas morreram na Inglaterra devido ao cólera. Nesta época, as pessoas usavam bombas d’água públicas abastecidas por poços e não havia rede de esgotos fazendo com que os dejetos fossem jogados diretamente nos rios ou em poços abertos chamados fossas. A partir deste último ano, o médico John Snow pôs em prática o que é considerado hoje em dia como as fundações do SIG moderno. Ele identificou geograficamente todos os casos de cólera no bairro do Soho. A partir desta visualização cartográfica, pôde provar que na realidade o meio de infecção da doença era a água, em especial, de uma bomba de poço d’água pública na Broad Street. A epidemia de cólera, na Europa e nos Estados Unidos, do Século 19 terminou após cidades metropolitanas finalmente melhorarem o saneamento e o abastecimento de água.
Apesar dos avanços da tecnologia e até mesmo com o grande interesse atual pelos conceitos de ecodesenvolvimento, o pensamento corrente ainda persiste na definição de cidade doente. Quanto maior a cidade, maiores seus problemas sociais e ambientais para a população e o planeta. Amparadas nestas constatações, várias políticas públicas, herdeiras daquelas higienistas e sanitaristas do Século 19, se alastraram durante todo o século passado e até hoje são postas em prática. Pode-se citar, como erros de políticas que acabaram tendo efeito contrário, não apenas os processos de remoção de favelas brasileiras, como também a estratégia de “encolhimento planejado” em Nova York dos anos 1970, e processos de diminuição da densidade populacional na Europa.
A alta densidade provocada pelo crescimento acelerado de diversas cidades levando a conurbações, metrópoles e megalópoles é realmente um mal que deve ser evitado e combatido?
Segundo os pesquisadores Bettencourt e West (2010, p. 912-913), esta não seria uma verdade. As cidades fornecem tantas soluções quanto problemas em razão de serem centros mundiais de criatividade, poder e riquezas. Em função de uma economia de escala similar à encontrada em organizações de comunidades de formigueiros e colmeias, a poupança não apenas de recursos, mas também de capital humano, poderia ser um fator importante a ser considerado.
Estes pesquisadores defendem que é possível prever por simples matemática a maioria das tendências de crescimento e que é possivel desenvolver uma teoria geral sobre os processos de urbanização para todas as cidades no mundo. A grande variável que define a previsão é a mais simples: a quantidade populacional da cidade. E mais, elegem o valor de 15% como uma espécie de proporção áurea do crescimento da cidade em habitantes em relação aos índices gerais mensuráveis em uma cidade. Por exemplo, se uma dada cidade duplicar o seu tamanho de população, será necessário apenas 85% mais de infraestrutura urbana, seja de arruamento, cabeamento elétrico, tubulação de água e esgoto dentre outros. Desta forma há uma economia de 15% pois, em geral, a criação e operação de uma mesma infraestrutura mais densa é mais eficiente e economicamente viável do que em espaços mais extensos.
Contudo esta “proporção áurea” serve para o bem e para o mal. Não apenas a renda per capita, salários, infraestrutura urbana, número de instituições educacionais e de pesquisa crescem  15% a mais do que a espectativa linear de crescimento, mas também índices de criminalidade, tráfico de drogas, congestionamentos de trânsito, incidência de determinadas doenças também seguem o mesmo padrão. Seguindo esta linha de raciocínio, as cidades são versões aproximadas umas das outras, em escalas menores ou maiores. O trabalho faz referência a que Nova York e Tóquio seriam, em um nível previsível e surpreendente, versões em uma maior escala de São Francisco na Califórnia e Nagoia no Japão. Trazendo para o Brasil, esta não é uma realidade tão distante, uma vez que, segundo dados da Rede de Cidades Médias (ReCiMe), várias das dinâmicas e mazelas características de cidades de grande porte já são identificáveis nas cidades médias.
Seguindo o mesmo raciocínio, a pesquisa de Hoornweg, Sugar e Gomez (2011) aponta que a pegada de carbono provocada pelas grandes cidades e metrópoles é menor do que a gerada por cidades menos densas e com menor população. Uma vez que as cidades são responsáveis por 80% das emissões globais de gases-estufa, faz-se necessário uma análise mais detalhada de quais e que padrão de cidades deixam maior pegada. Foram analisadas 110 cidades de 30 países. A partir deste estudo concluiu-se que, com a eficiência principalmente de meios de transporte público e matrizes energéticas ecológicas, muitas grandes cidades desenvolvidas emitem menos gases que cidades menores. Como é o caso de Nova York e Barcelona na Espanha, que apresentam emissões menores que a Cidade do Cabo na África.
O estudo analisa quatro cidades brasileiras. Os resultados mostram que o Rio de Janeiro é a que tem maior quantidade de emissão (2,1 toneladas por habitante por ano), seguido de Porto Alegre (1,48 ton/hab/ano), São Paulo (1,4 ton/hab/ano), e Goiânia, (0,99 ton/hab/ano).
Não é a primeira vez que a compração entre a estrutura e a dinâmica das cidades é feita em relação à organização em sociedade de formigas e abelhas. Johnson (2003) segue a mesma linha, valorizando a vida nas cidades enquanto meio não só de promoção de economias de escala mas também de desenvolvimento tecnológico e inovação.
Como está sugerido, nem erradicação das cidades, nem a diminuição da densidade urbana são soluções para o problema urbano. Um novo modelo menos desigual faz-se necessário, e uma vez que tivermos definido os parâmetros desta teoria unificada de urbanização definida por Bettencourt e West, para que seja possível alterar as variáveis para o bem da sociedade humana.
Bibliografia
BETTENCOURT, L.; WEST, G. A unified theory of urban living. In: NATURE vol. 467, p.912-913. 21 outubro 2010.
HOORNWEG, D.; SUGAR, L.; GOMEZ, C. L. T. Cities and greenhouse gas emissions: moving forward. In: Environment and Urbanization January 10, 2011. Artigo acessível em: < http://eau.sagepub.com/content/early/2011/01/08/0956247810392270.abstract>. Acesso em 18/03/2011.
JOHNSON. S. Emergência: A dinâmica de rede em formigas, cerebros, cidades e softwares. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2003.
KOCH T. Cartographies of Disease: maps, mapping and medicine. California: ESRI Press, 2005.
TUTHILL, K. John Snow and the Broad Street Pump on the trail of an epidemic. Cricket 31(3), pp. 23-31, Novembro, 2003. Artigo acessível em . Acesso em 24/05/2010.
*Publicado originalmente no Observatório das Metrópoles.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A inteligência é um lixo

01/6/2011 - 10h39



por Gilberto Dimenstein*
Imagine uma cidade em que não existam caminhões de lixo passando pela rua nem se vejam, em nenhum lugar, lixeiras. O lixo passaria por tubos subterrâneos, desembocando num centro de reciclagem. Esta imagem está prestes a ser realidade em Barcelona, onde a experiência começou em 1992 com a Olimpíada. Desde então, o projeto vem sendo expandido.
1436 A inteligência é um lixoAcontece nesta semana em São Paulo (onde ainda existe muito lixo na rua) o encontro dos prefeitos das 40 maiores cidades do mundo, ideia que surgiu em Londres e Nova York para compartilhar projetos ambientais e traçar uma ação conjunta.
É uma chance de conhecer alguns desses projetos, que revelam como a criatividade e a ousadia estão produzindo cidades mais inteligentes e saudáveis.
Mesmo quem não se importe com a sustentabilidade vai reconhecer que essas experiências são formidáveis exemplos da inventividade.
Por coincidência, Londres e Nova York, as cidades criadoras do encontro batizado de C-40, chamaram na semana passada a atenção mundial para ações que visam manter o ar mais limpo.
Nova York já tinha sido pioneira em banir o fumo de lugares fechados, inclusive bares e restaurantes. Agora, numa ofensiva ainda mais radical e polêmica, proibiram o cigarro em parques e na praia.
Para ser a cidade mundial do carro elétrico, Londres lançou oficialmente no dia 26 o projeto de instalar até 2013 uma rede de 1.300 postos de recarga. Este número supera o de postos de gasolina. Os indianos, aliás, estão prometendo o carro elétrico mais barato do mundo e imaginam que as ruas londrinas venham a ser o seu, digamos, grande test drive.
Londres prepara-se para projetar uma imagem de sofisticação ambiental, aproveitando o fato de, no próximo ano, receber a Olimpíada. A cidade teve a ousadia de lançar o pedágio urbano e está estimulando seus moradores a criar fazendas urbanas, plantando hortas em todos os lugares possíveis, especialmente sobre os prédios e as casas. O objetivo, nada modesto, é fazer com que a cidade produza o que consome ao mesmo tempo em que dissemina áreas verdes por todos os lados.
Tudo isso serve de inspiração para o mundo em geral e, em particular, para o Brasil, que vai receber a Olimpíada seguinte. Assim como ocorreu em Barcelona, a Olimpíada pode ser uma chance não apenas de melhorar uma cidade mas de elevar o seu patamar civilizatório.
O que essas cidades inovadoras fazem é justamente melhorar nossa percepção de civilidade. É o que sentimos quando vemos o prefeito de San Francisco, nos Estados Unidos, indo de bicicleta para o trabalho. Ou, no caso brasileiro, a Lei Cidade Limpa, em São Paulo, ou o sistema de transporte público de Curitiba. Poucas coisas são importantes para a imagem do Brasil como a disseminação do etanol, que acabou pondo o país na vanguarda tecnológica da indústria automobilística e química (produção do plástico verde, por exemplo). Em nenhum lugar do planeta existe um museu de arte tão ecológico como o de Inhotim, em Brumadinho (Minas Gerais), uma reserva florestal que virou um templo de arte contemporânea.
Na cidade de Calgary, no Canadá, graças a uma rede de energia eólica, o abastecimento do transporte público vem do vento. Na Dinamarca, as famílias que produzem sua própria energia ganham dinheiro do governo. Surgiram assim cooperativas de energia eólica. Por isso, Copenhague virou um modelo admirado mundialmente.
Na cidade de Linköping, na Suécia, todo o transporte público é movido com o que sobra das cantinas e restaurantes.
Colocar a inteligência no lixo é hoje uma das grandes e maravilhosas fontes da inventividade humana.
PS – Estou tendo a maior experiência ecológica da minha vida. Cambridge, onde moro, é um imenso jardim, onde podemos fazer quase tudo a pé ou de bicicleta. Aqui é um lugar em que o compartilhamento de carro deu certo e estimulou a invenção de chaves digitais. Prédios emprestam ou alugam suas garagens para as pessoas deixarem os carros compartilháveis. Coincidência ou não, minha gastrite crônica deu um tempo. Quanto mais inteligente a cidade, mais podemos usar a mais antiga das trações: a tração humana. Preparei uma seleção de projetos inovadores para as cidades, postos no Catraca Livre (www.catracalivre.com.br), além do detalhamento dos casos citados nesta coluna.
* Gilberto Dimenstein é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e comentarista da rádio CBN, e fundador da Associação Cidade Escola Aprendiz – gdimen@uol.com.br.

Plástico “verde” usa sobra vegetal da indústria canavieira


Quase já não é possível imaginar o nosso mundo sem plástico. Até mesmo quando se trata de conservação ambiental, essa espécie de “matéria-prima da vida moderna” também possui um papel importante. Por motivos bastante óbvios: o plástico convencional provém, em sua maioria, do petróleo.
De todos os estoques mundiais do óleo bruto, cerca de 4% são destinadas à fabricação do produto. Durante o processo industrial, são liberados na atmosfera seis quilos de CO2 para cada quilograma de plástico produzido. Considerando ainda o ritmo acelerado com o qual as reservas naturais de petróleo estão se extinguindo, logo se conclui o porquê das alternativas sustentáveis ao plástico terem sido tão bem-sucedidas nos últimos anos – especialmente na indústria de embalagens.
O plástico “verde” – ou o bioplástico – é composto geralmente por plantas como a cana-de-açúcar, o trigo, o milho ou a batata, mas também por óleo vegetal. Dificilmente pode-se encontrar algum produto doméstico para o qual ainda não haja ou esteja sendo desenvolvida uma alternativa em bioplástico. As aplicações do material incluem desde estruturas para celular e talheres descartáveis até sacolas de supermercado e vasos de flores, passando por sapatos e fraldas.
Para os especialistas, esse é apenas um elemento da crescente demanda por produtos sustentáveis, causada pela explosão no mercado de alimentos orgânicos nos últimos anos. “Hoje é bem melhor ter uma imagem ‘ecológica’ do que uma convencional. E as empresas tiram proveito disso”, analisa Norbert Voell, representante da Duales System GmbH – sociedade responsável pelo Ponto Verde, sistema de reciclagem de lixo na Alemanha. “Evidentemente, é melhor saber que os legumes orgânicos que se compra no supermercado vêm embalados de forma ecológica do que no saco plástico convencional”.
Grandes negócios – A tendência despertou reação também nas empresas responsáveis pelo produto tradicional, feito de petróleo – além de um investimento multimilionário em pesquisas e métodos de produção “verdes”. O grupo de gigantes globais desse ramo inclui, entre outros, a corporação agrícola estadunidense Cargill, a empresa italiana Novamont e a companhia química alemã BASF.
Materiais plásticos biodegradáveis como o poliactide, derivado de milho, já estão em uso em algumas das maiores redes de supermercados e multinacionais da indústria alimentícia, tais quais o Wal-Mart ou a Coca-Cola.
O plástico “verde” é responsável ainda por grandes negócios em solo brasileiro. No país, líder mundial na produção de açúcar, a empresa petroquímica Braskem utiliza a crescente indústria nacional de etanol canavieiro para produzir o bioplástico.
Do bagaço ao ecologicamente correto – No entanto, questionamentos foram levantados quanto à nova alternativa. Um deles discute se a sua produção não irá promover o desmatamento ou estancar as plantações de alimentos, assim como supostamente teria acontecido com o biocombustível. “Os argumentos apresentados quando se trata de bioplástico são parecidos com os relativos ao óleo de dendê”, aponta Voell, se referindo ao sul da Ásia, onde enormes áreas florestais são erradicadas a cada ano para dar lugar a lucrativas lavouras de palmas.
A fim de reagir às críticas, pequenos projetos procuram sair do padrão e, ainda assim, integrar a explosão da indústria canavieira. Um deles, concebido numa parceria entre Brasil e Alemanha, no Senai Climatec de Salvador (BA), produz plástico a partir dos restos da cana-de-açúcar, que são descartados pelas fábricas de etanol da região.
Os chamados “bagaços” costumam ser queimados, resultando em grandes emissões de dióxido de carbono na atmosfera. O objetivo é transformar o produto reciclado no futuro plástico convencional e, com isso, sobrepor outro grande setor econômico do país: a indústria automotiva.
O avanço comercial do plástico “verde” parece inevitável. Todavia, até o momento, a variante ecológica representa apenas um percentual menor do que 1% no mercado global de plástico. E a associação industrial Plásticos Europeus acredita que o montante não deve crescer mais do que 5 a 10% nos próximos anos.
“A questão está nos altos custos de produção, mas também no fato do bioplástico ser pior em termos de manipulação e tratamento termomecânico em comparação com o material tradicional”, afirma Michael Niaounakis, especialista em polímeros do Instituto Europeu de Patentes de Haia.
Menos dióxido de carbono? – Ainda assim, os especialistas veem um verdadeiro potencial no bioplástico para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e, com isso, adiar as mudanças climáticas. O produto “verde” subjuga o convencional por demandar menos energia em sua produção e por ser livre de toxinas. Mas, a princípio, são necessários mais estudos científicos para se comprovar o quão sustentável, de fato, é o bioplástico.
“O fato de ele ser feito com matéria-prima renovável não o faz automaticamente melhor para o meio ambiente”, ressalva Gerhard Kotschik da Agência Federal do Meio Ambiente na Alemanha. “É preciso considerar todo o ciclo de produção. Para, só então, dizer se o bioplástico é mais ecologicamente correto do que o feito de petróleo”.
Com a reciclagem do bagaço da cana-de-açúcar, contudo, os produtores de plástico de Salvador, na Bahia, oferecem uma primeira resposta positiva. (Fonte: Folha.com)