segunda-feira, 2 de junho de 2025

A felicidade no Brasil: sorrindo de estômago vazio, - Victor Srougi, FSp

 Segundo dados da World Happiness Report 2025, da Universidade de Oxford (Reino Unido), o Brasil encontra-se hoje na 36ª posição no ranking de felicidade, entre 147 nações avaliadas, e à frente de países como Espanha, Itália e Japão.

A pesquisa avaliou parâmetros como liberdade de expressão, renda, desigualdade e estrutura social. Os dados revelaram que 87% dos brasileiros contam com suporte emocional em seu círculo próximo e 71% sentem emoções positivas em relação à vida. Notícia aparentemente auspiciosa, já que em 2024 estávamos na 44ª colocação e, em um ano, saltamos oito posições.

Um grupo de pessoas se diverte em uma festa ao ar livre. Algumas mulheres estão usando roupas com estampas de onça e acessórios brilhantes. Elas estão sorrindo e dançando, enquanto outras pessoas ao fundo também parecem estar se divertindo. O ambiente é festivo, com luzes e uma atmosfera alegre.
Foliões durante Carnaval de rua em São Paulo - Bruno Santos - 1º.mar.25/Folhapresss

Levando em conta o fuzuê social, político e econômico que prevalece atualmente no Brasil, não é fácil compreender nossa posição, superando inclusive nações mais desenvolvidas.

Pergunto-me, ressabiado, como pode prevalecer a felicidade no Brasil quando nossas autoridades, exultantes, anunciaram que, no ano passado, "a população na faixa da pobreza recuou de 67,7 milhões para 59 milhões", revelando que o que já era insuportável continuou indecente?

Como ser feliz se em 2024 viviam no Brasil cerca de 41 milhões de jovens e adultos analfabetos, verdadeiros ou funcionais, impossibilitados de usufruir da vida com altivez? Em 2024, o tempo médio de espera para a realização de cirurgias de câncer no SUS era de 188 dias, tempo suficiente para acabar com a alegria e a existência de muitos brasileiros.

Como podem usufruir da felicidade os 9,5 milhões de miseráveis que, abandonados, insistem em sobreviver —acordam a cada dia, subjugados pela fome, intempéries, violência e ignorados por aqueles que seguidamente lhes prometem proteção?

Mas talvez haja uma explicação para a posição do Brasil no ranking da felicidade. Um estudo científico iniciado em 1938, na Universidade Harvard (EUA), acompanhou mais de 700 homens com o objetivo de avaliar, entre outros parâmetros, o desenvolvimento da saúde mental e emocional ao longo da vida. Trata-se do estudo mais longo já realizado, que continua até os dias de hoje, já na terceira geração de participantes.

Na população avaliada incluem-se figuras notáveis, como John F. Kennedy, mas também homens profissionalmente frustrados e que se tornaram dependentes químicos. Os dados coletados geraram alguns livros e dezenas de artigos científicos. Uma das avaliações apontou que os indivíduos mais felizes na vida madura eram aqueles cuja infância envolveu grande suporte familiar, com boa relação conjugal e que contavam com uma rede solidária de amigos para os momentos tempestuosos.

A capacidade de reagir positivamente às adversidades e ter a saúde mais preservada também prenunciaram maior felicidade. Ao contrário do esperado, Q.I., desempenho na vida profissional, dinheiro e fama não se relacionaram com o grau de felicidade. George Vaillant, psiquiatra e terceiro diretor do estudo, enfatiza em seu livro "Thriumphs of Experience: The men of the Harvard Grant Study" que o mais importante para usufruirmos da plena existência é a qualidade da relação com as pessoas a sua volta.

Notícia boa. Grande parte da felicidade depende de nós, basta cuidar e ser bom com o próximo. Portanto, cultive diligentemente a relação com aquele que você divide o lençol, que está no cômodo ao lado, nos andares abaixo ou do outro lado da linha. O brasileiro sustenta a fama de ser positivista e afetuoso. Em calor humano, somos bons. Imagine se fôssemos governados por políticos decentes, menos atentos ao próprio umbigo e mais preocupados com o seu entorno? Ninguém seria páreo.

Enquanto nossos governantes não fazem o melhor que podem, os brasileiros alegremente seguem em frente, não sei bem se numa resiliência estoica ou cegueira hipócrita. As dicas de Vaillant, no mínimo, nos fazem mais felizes. Mas, talvez, se o descontentamento aflorasse, pleitearíamos por posições mais altas no ranking da felicidade.

Será que não estamos dormindo no ponto? Temo que despertemos muito tarde. Chico Buarque já dizia: "Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações. O estandarte do sanatório geral vai passar".

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