quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Velhice e vida, José Benjamim de Lima, do site da APMP

 Quando as pessoas envelhecem, tendem a ser encaradas pelos mais

novos como seres de um outro universo, quase habitantes do

mundo do não-ser. São vistas como pessoas confinadas, imersas na

clausura da velhice, andando em círculos, num tempo imóvel, vida

acabada, sem futuro, ocupando um espaço físico e social que não

deveria mais ser seu. Muitos idosos aceitam passivamente essa

postura, introjetam esse modo suicida de ser velho que o próprio

sistema social lamentável e desumanamente parece querer impor-lhes.


É certo que a velhice traz sensível redução das potencialidades,

físicas e psíquicas, implica incontáveis restrições e limitações;

empobrece o presente, reduz o futuro, obriga o idoso a lutar

diariamente contra a sensação do acabou-se, it’s over. Não é apenas

o tempo exterior que se encurta, também o tempo interior se

contrai, as lembranças fogem, a memória falha.

As limitações crescentes à medida que a idade avança reduzem o

vigor, o ritmo, a velocidade. Mas não são por si só uma

condenação. Envelhecem mal aqueles que, não sabendo conviver

com as limitações, se entregam à morte prematura que parte dos

valores sociais tenta carimbar-lhes.


As contingências do envelhecimento não querem dizer,

necessariamente, vida inativa, vegetativa, sem futuro e sem sonhos.

Não devem ser pretexto para abdicações e desistências, exceto

aquelas decorrentes das limitações próprias da idade. O sociólogo

Karl Mannheim escreveu, certa vez, que um homem para quem

nada existe além de sua situação imediata, não é totalmente

humano. Imagino que um homem assim seria incapaz de sonhar,

porque sonhar é estar sempre além do imediatismo do aqui e agora,

sempre construindo futuro, para si mesmo ou para a comunidade

em que vive. Claro, não é preciso ser velho para fazer de sua vida

uma morte prematura. Há muita gente jovem que parece estar mais

morta do que viva.


Para o crítico canadense Northrop Frye, “uma vida dividida apenas

entre um trabalho alienante e um ócio sem criatividade não é vida,

mas, essencialmente, um mero esperar a morte”. Uma situação

como esta pode ocorrer com qualquer pessoa, independentemente

da idade. Mas nossa cultura parece ter reservado especialmente aos

idosos essa perspectiva de reduzir-se à “situação imediata” e ao

“ócio sem criatividade”. Por isso, tende a encarar com reserva e

certa má vontade os mais velhos que insistem em serem produtivos

e criativos, apesar da idade.


No meu sentir, são dignos de admiração os velhos que jamais

desistem da vida ativa, enquanto o destino o permite. Seu modo de

envelhecer e de ser velho não significa recusa de aceitar a natureza

das coisas, o declínio e a morte que se avizinha. É antes resistência

e desafio, afirmação da invencível natureza humana, orientada para

o chamado da vida; rejeição da morte precoce e do gueto

discriminatório onde parcela dos valores sociais tenta confiná-los.


(limajb48@gmail.com)

(Crônica extraída do livro “Vou-me embora pra Galápagos”,

pp. 63-64) 

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