Quando as pessoas envelhecem, tendem a ser encaradas pelos mais
novos como seres de um outro universo, quase habitantes do
mundo do não-ser. São vistas como pessoas confinadas, imersas na
clausura da velhice, andando em círculos, num tempo imóvel, vida
acabada, sem futuro, ocupando um espaço físico e social que não
deveria mais ser seu. Muitos idosos aceitam passivamente essa
postura, introjetam esse modo suicida de ser velho que o próprio
sistema social lamentável e desumanamente parece querer impor-lhes.
É certo que a velhice traz sensível redução das potencialidades,
físicas e psíquicas, implica incontáveis restrições e limitações;
empobrece o presente, reduz o futuro, obriga o idoso a lutar
diariamente contra a sensação do acabou-se, it’s over. Não é apenas
o tempo exterior que se encurta, também o tempo interior se
contrai, as lembranças fogem, a memória falha.
As limitações crescentes à medida que a idade avança reduzem o
vigor, o ritmo, a velocidade. Mas não são por si só uma
condenação. Envelhecem mal aqueles que, não sabendo conviver
com as limitações, se entregam à morte prematura que parte dos
valores sociais tenta carimbar-lhes.
As contingências do envelhecimento não querem dizer,
necessariamente, vida inativa, vegetativa, sem futuro e sem sonhos.
Não devem ser pretexto para abdicações e desistências, exceto
aquelas decorrentes das limitações próprias da idade. O sociólogo
Karl Mannheim escreveu, certa vez, que um homem para quem
nada existe além de sua situação imediata, não é totalmente
humano. Imagino que um homem assim seria incapaz de sonhar,
porque sonhar é estar sempre além do imediatismo do aqui e agora,
sempre construindo futuro, para si mesmo ou para a comunidade
em que vive. Claro, não é preciso ser velho para fazer de sua vida
uma morte prematura. Há muita gente jovem que parece estar mais
morta do que viva.
Para o crítico canadense Northrop Frye, “uma vida dividida apenas
entre um trabalho alienante e um ócio sem criatividade não é vida,
mas, essencialmente, um mero esperar a morte”. Uma situação
como esta pode ocorrer com qualquer pessoa, independentemente
da idade. Mas nossa cultura parece ter reservado especialmente aos
idosos essa perspectiva de reduzir-se à “situação imediata” e ao
“ócio sem criatividade”. Por isso, tende a encarar com reserva e
certa má vontade os mais velhos que insistem em serem produtivos
e criativos, apesar da idade.
No meu sentir, são dignos de admiração os velhos que jamais
desistem da vida ativa, enquanto o destino o permite. Seu modo de
envelhecer e de ser velho não significa recusa de aceitar a natureza
das coisas, o declínio e a morte que se avizinha. É antes resistência
e desafio, afirmação da invencível natureza humana, orientada para
o chamado da vida; rejeição da morte precoce e do gueto
discriminatório onde parcela dos valores sociais tenta confiná-los.
(limajb48@gmail.com)
(Crônica extraída do livro “Vou-me embora pra Galápagos”,
pp. 63-64)
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