Quem costuma presenciar discursos oficiais deve estar familiarizado com a expressão "na pessoa de...". É o artifício retórico de que oradores se valem para, referindo-se apenas à figura mais ilustre ali presente, estender suas homenagens a todos os que ela representa: "na pessoa do doutor Fulano de Tal, eu saúdo a todos os professores aqui reunidos".
Algo parecido vale para as trocas de presentes entre autoridades. Quando potentados árabes regalaram Jair Bolsonaro com mimos em valores de milhões de reais, estavam presenteando o povo brasileiro "na pessoa de seu presidente".
Basta ver que, quando Bolsonaro deixou o cargo, o fluxo de prendas nababescas misteriosamente cessou. Não era, portanto, o magnetismo pessoal do capitão reformado que encantava os sauditas, mas o fato de ele ser o chefe do Estado brasileiro. É, portanto, apenas lógico que os presentes recebidos por presidentes pertençam ao Estado brasileiro.
Se alguém ainda tem dúvidas, deve olhar para as práticas de democracias mais antigas e mais consolidadas. Nelas, os regalos, exceto pelos de valor simbólico ou irrisório, são geralmente considerados patrimônio público, não privado.
A decisão da maioria bolsonarista do TCU que procurou beneficiar o ex-presidente "na pessoa do atual" não é mais do que uma manobra diversionista. E, a meu ver, materialmente errada. Se falta uma lei definindo claramente o que são bens personalíssimos ou de valor irrisório (e falta), a posição default deve ser a de considerar que tudo é patrimônio público, jamais privado.
A jogada do TCU pode até trazer alguma vantagem propagandística para Bolsonaro, mas não altera muito sua situação penal. Ele foi indiciado por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Como é um clássico entre políticos não particularmente espertos, é ao tentar encobrir as marcas de seus malfeitos e indiscrições que eles mais se complicam.
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