Minha avó me ensinou a expressão "entre a cruz e a caldeirinha". É o que se diz quando não há saída para uma situação. Pesquisando a origem da expressão, descobri que se refere ao moribundo que, no leito de morte, tem um crucifixo sobre a cabeceira e uma caldeirinha com água benta aos pés da cama.
Essa expressão costuma me assombrar enquanto escrevo. Isso acontece porque minhas histórias misturam dois ingredientes básicos: o gênero da comédia e o gênero feminino. E fazer piadas com uma personagem mulher é sempre estar entre a cruz e a caldeirinha.
De um lado, há uma pressão conservadora. Se essa personagem for adúltera, golpista, mentirosa ou arrogante, periga o público não gostar dela. Um herói masculino pode ser mulherengo e adorável. Já uma heroína homerenga é inconcebível. Primeiro, porque a palavra homerenga não existe, segundo, porque essa heroína seria considerada uma vilã.
Do outro lado, há uma pressão progressista. Se essa personagem for insegura, atrapalhada, passional, tomar péssimas decisões, rivalizar com outra mulher ou ser feita de trouxa, periga a crítica não gostar dela. Essa personagem precisa ser empoderada, independente e bem resolvida.
Duplamente encurralada pelo moralismo machista e pelo moralismo feminista, a personagem feminina é impedida de errar, ou seja, de viver sua própria comédia de erros.
Mas nem eu nem minha personagem precisamos sucumbir ao clichê de que uma mulher precisa sempre agradar. Se entendi bem, o objetivo do feminismo é nos libertar, não o contrário. E, para uma mulher, só tem um jeito de combater o mito da perfeição feminina: errando.
Muitos humoristas têm se posicionado sobre o fato de a "militância" e a cultura do cancelamento estarem cerceando nossa liberdade de expressão. Uma afirmação que considero ambígua, já que pode jogar contra nós ou a nosso favor.
Se for usada como justificativa para perpetuar preconceitos contra grupos minorizados, é uma cilada. Se for usada para nos lembrar que o humor é essencialmente amoral, subverte expectativas, ridiculariza ideais, provoca o riso e a reflexão, aí já é outra história.
E precisamos muito de outras histórias, com piadas e personagens mais humanas.
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