O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai intensificar a busca por acordos com empresas que tenham valores pendentes do salário-educação, numa tentativa de ampliar a arrecadação do tributo, cuja função é ajudar a financiar a educação básica.
A lista dessas empresas, obtida pela Folha, reúne R$ 7,9 bilhões em valores acumulados por 38,6 mil contribuintes que não recolheram a contribuição, equivalente a 2,5% sobre a remuneração dos empregados.
Cerca de 40% do valor está em situação regular, ou seja, as empresas apresentaram garantias para efetuar eventual pagamento enquanto questionam se o valor é de fato devido. No entanto, essa situação acaba não tendo efeito na arrecadação da área.
O plano da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), braço jurídico do Ministério da Fazenda, é diversificar a estratégia de cobrança para torná-la mais efetiva. No ano passado, o órgão conseguiu recuperar apenas R$ 170 milhões do salário-educação.
A Procuradoria firmou um acordo de cooperação com o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e vai lançar mão de instrumentos como protesto em cartórios, acordos de transação tributária, além da própria divulgação da lista de empresas inscritas na dívida ativa da União por pendências com o salário-educação.
"Nossa meta neste ano tem que ser maior que isso [os R$ 170 milhões arrecadados em 2023], e cada vez maior que isso", disse a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida.
A adesão aos acordos é voluntária, ou seja, as empresas podem analisar se a transação vale a pena ou se preferem continuar contestando o débito judicialmente.
Os maiores valores sob questionamento estão nas mãos de Itaú BBA (R$ 135,1 milhões), Itaú Unibanco (R$ 123,7 milhões), Petrobras (R$ 115,8 milhões), a Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (R$ 39,2 milhões) e a PagSeguro (R$ 39,2 milhões). Desse grupo, apenas a Ascar está em situação irregular.
Completam a lista dos dez maiores a Fundação Hospitalar de Saúde de Sergipe (R$ 37,8 milhões), a Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (R$ 29,6 milhões), o clube esportivo Sport Club Internacional (R$ 26,5 milhões), a Sociedade Goiana de Cultura (R$ 26,4 milhões) e a companhia Águas e Esgotos do Piauí (R$ 26,2 milhões).
A assessoria de imprensa do Itaú Unibanco, que responde também pelo Itaú BBA, disse que os valores possuem garantias e "decorrem de reflexos de autuações indevidas que buscam descaracterizar os pagamentos de Participação nos Lucros e Resultados que o Itaú Unibanco faz anualmente aos seus colaboradores".
Segundo a instituição, a cobrança "está sendo questionada nas instâncias competentes". O banco não respondeu sobre a tentativa da PGFN de buscar um acordo em torno dos valores.
A Ascar, que presta serviços de assistência social rural no Rio Grande do Sul, informou que o passivo se refere à cobrança de contribuições feitas desde 1991 e que são consideradas indevidas.
Naquele ano, um auditor do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) fez um parecer desconsiderando o direito da Ascar à imunidade tributária prevista na Constituição para entidades dessa natureza —e da qual ela gozava desde sua criação, em 1955. O caso gerou uma disputa que se arrasta há anos na Justiça.
"A entidade não reconhece o suposto débito, tampouco teria recursos para custeá-los caso fossem devidos", disse, acrescentando que todos os bens da entidade estão penhorados. A associação pretende pedir à PGFN a apreciação administrativa do caso, na busca de uma solução consensual.
O PagBank —marca atual do PagSeguro, pertencente ao Grupo UOL, que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita a Folha— não quis comentar. As demais empresas não responderam ao pedido de informações feito pela reportagem.
Segundo relatos de advogados das empresas, elas consideram indevido o passivo inscrito em dívida ativa. Além de questionamentos relativos a temas como PLR e imunidade, há controvérsias sobre a incidência do salário-educação sobre a parcela da remuneração de funcionários acima de 20 salários mínimos.
Em março, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) afastou o teto de 20 salários mínimos para a cobrança de contribuições recolhidas por conta de terceiros, focada no Sistema S, mas com repercussão também sobre o salário-educação. Com isso, deixou de existir um limite.
Na modulação dos efeitos da decisão, quem tinha uma liminar anterior contra a taxação ficou livre do passivo relativo ao passado. Algumas companhias, no entanto, não conseguiram posição favorável ou nem sequer tiveram uma decisão em primeira instância. Por isso, acabaram tendo os valores inscritos na dívida ativa.
O advogado Pedro Teixeira de Siqueira Neto, do Bichara Advogados, disse que esse foi o maior litígio envolvendo o salário-educação. Em sua avaliação, a vantagem do acordo vai depender da avaliação individual de cada contribuinte.
"Pode ser interessante o acordo, no caso concreto, a depender se ele acredita que a modulação vai mudar ou não. Pelas manifestações ao longo do julgamento, me parece que essa modulação, da forma que está posta, deve ser mantida", afirmou.
O advogado Adriano Moura, sócio de Tributário do Mattos Filho, afirmou que a nova linha de atuação geral da PGFN, de buscar soluções amigáveis para os débitos, é positiva ao minimizar a relação conflituosa e de desconfiança entre fisco e contribuinte.
Segundo ele, o sucesso dessas negociações requer uma "mudança de mentalidade" para chegar a uma proposta que faça sentido para a Fazenda, mas também prestigie o contribuinte.
"Vai ter o perfil de contribuinte que não quer briga nenhuma e vai fazer o possível para sair do conflito. Mas, quando vê inconstitucionalidade flagrante, ainda que seja um pagamento com benefício, não valerá a pena, pois tem que fazer a confissão e abrir mão do argumento de defesa", afirmou.
O procurador-geral adjunto de gestão da dívida ativa da União e do FGTS, João Henrique Grognet, disse que os grandes valores devem ser o foco do governo, e a divulgação da lista deve ajudar na tarefa de cobrança.
A divulgação da lista de contribuintes inscritos na dívida ativa da União é garantida pela Lei de Execução Fiscal. Ela reúne os débitos já cobrados pelos órgãos de origem (como Receita Federal), mas que não foram espontaneamente pagos.
"Tudo bem que eles estão regulares, têm garantia, estão discutindo legitimamente seu crédito", disse Grognet.
A presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba, afirmou que a área de educação enfrenta uma "carência orçamentária muito grande", e a cobrança dos valores pode ajudar a reequilibrar esse cenário.
Ela destacou a importância da medida, sobretudo após uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que alterou o critério de distribuição das receitas com o salário-educação, para considerar apenas o número de matrículas na educação básica —o que beneficiou estados das regiões Norte e Nordeste.
"Uma medida como essa vem a beneficiar tanto os grandes, que já tiveram dados efetivos de perda, por conta da decisão do Supremo, mas também o quinhãozinho daquele lá que eu reputo [ser] quem mais precisa", disse.
OS MAIORES VALORES PENDENTES DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO
- Itaú BBA (R$ 135,1 milhões)
- Itaú Unibanco (R$ 123,7 milhões)
- Petrobras (R$ 115,8 milhões)
- Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Ascar (R$ 39,2 milhões)
- PagSeguro (R$ 39,2 milhões)
- Fundação Hospitalar de Saúde de Sergipe (R$ 37,8 milhões)
- Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (R$ 29,6 milhões)
- Sport Club Internacional (R$ 26,5 milhões)
- Sociedade Goiana de Cultura (R$ 26,4 milhões)
- Águas e Esgotos do Piauí (R$ 26,2 milhões)
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