O empresário Valter da Silva Bispo, 55, foi acordado na madrugada de 22 de agosto de 2022 por policiais e promotores de Justiça em uma das operações de combate à suposta infiltração do PCC no transporte público da capital paulista.
Bispo, que é presidente da Transcap, empresa que transporta 110 mil passageiros por dia na zona sudoeste de São Paulo, relata que teve a casa revirada e foi levado algemado, diante da família e de vizinhos.
Oito meses depois, porém, a Justiça mandou soltá-lo e, após outros seis meses, o absolveu de todas as acusações. A Promotoria não recorreu, e o processo transitou em julgado (sem possibilidade de recurso).
Mesmo inocentado, Bispo diz sofrer com os efeitos de uma prisão desnecessária. Convive com os traumas (ele diz temer uma nova prisão) e com as marcas de uma "passagem pela polícia", como não conseguir fazer seguro de um carro e ter o visto americano cancelado.
"[Meu receio é] eles falarem algo que eu não consiga rebater. Eu era criminoso do PCC sem nunca ter cometido um crime na vida. A minha cara estava estampada na televisão como do PCC sem ter feito um crime na vida. Então, isso é muito complexo para uma pessoa que sempre foi íntegra", disse.
Embora as investigações tenham sido conduzidas também pela polícia, o empresário culpa o trabalho do Gaeco (grupo de combate ao crime organizado) por seu infortúnio porque, conforme diz, promotores menosprezaram testemunhos que garantiam a inocência dele.
No final de outubro de 2022, a Justiça chegou a conceder liberdade provisória ao empresário, mas ele teve de voltar à prisão 16 dias depois, após recurso do Ministério Público.
"Eu digo assim: o promotor que se candidata a deputado federal, que quer ser senador, que quer ser presidente da República, ele quer ficar na mídia. Independentemente de qual pai de família que ele vai matar. Independentemente qual a família que ele vai desmoronar. Independentemente de quem ele vai atingir", afirmou o empresário.
O empresário foi denunciado pelo Ministério Público em agosto de 2022, sob a suspeita de ter extorquido dinheiro de um grupo de pessoas ligadas à Transcap, entre os quais o sócio Ronaldo Tadeu de Oliveira. Este teria sido obrigado a repassar R$ 2 milhões à empresa.
Esse valor seria dividido em dez parcelas. Após o pagamento da primeira delas, em 20 de dezembro de 2021, Oliveira procurou a polícia para pedir ajuda. Na ocasião, narrou a existência de outras duas vítimas, Denis de Oliveira Silva e Ademilson Cunha, o contador e o advogado da empresa, respectivamente.
Silva teria sido constrangido a pagar R$ 285 mil, e Cunha, R$ 2 milhões. Segundo as supostas vítimas, o motivo alegado por Bispo seria a descoberta de desvios feitos por elas. A extorsão teria sido feita por meio de ameaças e até coronhadas, conforme a denúncia.
Em uma das ameaças, segundo a Promotoria, a vítima passou a ser obrigada a devolver o dinheiro à empresa "sob pena de ter que prestar contas a integrantes da facção criminosa PCC".
"Um inspetor operacional da empresa, de alcunha 'Fumaça', trabalharia na região da comunidade conhecida por favela de Paraisópolis e seria o responsável por trazer os integrantes da organização criminosa para a cobrança dos valores devidos", diz trecho da denúncia contra o presidente da Transcap.
Com a prisão de Bispo, o grupo das supostas vítimas assumiu o controle da empresa.
Em sua sentença, a juíza Valéria Longobardi diz que não ficaram comprovadas as supostas extorsões alegadas contra o empresário e, também, que as mensagens sobre Paraisópolis e o inspetor Fumaça "em nada relacionam o réu Valter [Bispo] com pessoas ligadas ao PCC".
"Portanto, ao contrário do alegado na denúncia e nas alegações finais ofertadas pelo Ministério Público, apesar de todo empenho, não se vislumbra prática de crime de extorsão", diz trecho da decisão judicial.
Em entrevista à Folha, Expedito Otaviano Machado, 72, o Fumaça, negou qualquer ligação com a facção criminosa e defendeu o presidente da empresa. "Fiquei até doente quando ele foi preso."
Antes mesmo da operação da polícia e da Promotoria, Bispo diz ter tomado conhecimento da investigação policial porque o inquérito, mesmo sigiloso, acabou sendo incluído em uma ação cível.
"Falei: legal, quando a polícia vier aqui, quando receber uma intimação para ir à delegacia prestar esclarecimento, eu vou mostrar quem é bandido. Fiquei indignado porque na madrugada bateram na minha porta, 5h, 5h15. Falaram que tinha um mandado de prisão e me algemaram."
Ainda sobre a vida no sistema prisional, Bispo diz que chegou a pensar no pior. "Vou te dizer: nos primeiros dias, se tivesse jeito de eu me matar, eu teria me matado dentro daquilo ali. Procurei cordinha, procurei qualquer coisa. Nem isso você consegue", disse.
O empresário diz ainda que um dos momentos de maior revolta foi quando, depois de seis meses na prisão, recebeu a visita de membros do Gaeco com uma proposta de delação. O objetivo dos promotores, conforme diz, era obter nomes de políticos.
"Vocês me colocaram no meio de gente que matou, roubou, estuprou, tacou fogo em criança, em mulher grávida. Vocês deixaram um pai de família que nunca fez nada de errado aqui dentro. [Mesmo] se eu soubesse, por terem me deixado aqui, eu não falaria, vocês podem me deixar mais 20. Não tem problema", teria dito empresário em resposta, segundo narra.
No início de abril deste ano, o Gaeco realizou uma operação em parceria com a Polícia Militar batizada de "Fim da Linha" contra dirigentes do transporte da capital, entre os quais da Transwolff.
Na denúncia, promotores colocaram como testemunhas a serem ouvidas o deputado federal Jilmar Tatto (PT) e o vereador paulistano Milton Leite (União). No final do mês passado, a Folha revelou que Leite está entre os investigados da Promotoria.
Sobre a operação contra a Transwolff, Bispo disse conhecer o empresário Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, há 30 anos. "Não sou advogado de ninguém, nem quero ser. Mas eu conheço o Luiz. Posso garantir que ele não é do crime organizado. Se ele tem algum problema, é problema fiscal, contábil, mas não é criminoso."
Procurados pela Folha, promotores do Gaeco responderam em nota. "A denúncia em tela [contra Bispo], que foi recebida pela Justiça, baseou-se nos indícios probatórios levantados na fase de investigação, como manda a lei. Na fase processual, não ocorreu a produção de provas contundentes para a condenação do réu."
Sobre a oferta de delação premiada, a Promotoria confirmou as tratativas para tentar formalizá-la, mas negou o teor das conversas citado por Bispo. Não informou, contudo, como elas aconteceram.
"De fato, promotores de Justiça mantiveram tratativas com o presidente da Transcap, na presença de seu advogado, para a formalização de um instrumento de colaboração premiada, acordo que acabou não prosperando. O relato do repórter não expressa os termos da conversação", diz a nota da Promotoria.
A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) informou, por sua vez, que Bispo deu entrada em 10 de novembro de 2022 e colocado em liberdade em 28 de abril de 2023, sem nenhum registro anterior.
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