quinta-feira, 6 de junho de 2024

Seria o LinkedIn a rede social mais tóxica?, Joanna Moura, FSP

 Eu passei um ano sem trabalhar depois que tive meu segundo filho. Fui demitida três meses depois que ele veio ao mundo, ou, como os polidos ingleses costumam falar por aqui: minha vaga tornou-se abruptamente redundante.

A demissão me pegou de surpresa e, por mais que eu desejasse levar as coisas com calma e não atropelar a minha licença maternidade para não sair procurando emprego imediatamente, foi exatamente isso que aconteceu. Entre uma mamada e uma troca de fralda, um passeio na pracinha e um cochilo no berço, a falta de emprego teimava em me atravessar o pensamento e se assentava no cérebro deixando pouco espaço para qualquer outra coisa.

Resolvi então que deveria me entregar a ele —o pensamento— e resolvi começar a procurar um novo trabalho no lugar mais óbvio: o LinkedIn. E foi a melhor/pior coisa que eu poderia ter feito.

Eu já possuía um perfil na plataforma, mas tendo emendado um emprego no outro durante a última década, investir tempo no LinkedIn não parecia fazer muito sentido. Mas eis que o destino quis que eu me encontrasse desempregada e, em 2024, essa me parecia a única ferramenta capaz de me ajudar.

A imagem mostra um teclado iluminado em azul com o logotipo do LinkedIn projetado sobre ele, simbolizando a integração da tecnologia e das redes profissionais no ambiente de trabalho moderno.
O mais cruel do LinkedIn é que, ao contrário do filtro rejuvenescedor do Instagram, a curadoria de palavras que se dá na plataforma torna muito mais difícil diferenciar o que é fake do que é real - Dado Ruvic/Reuters

Passei o primeiro mês ingenuamente aplicando para vagas que pareciam perfeitas para mim e para a minha experiência. Aplicava usando meu currículo, o mesmo que já havia usado anos antes, apenas adicionando a mais recente experiência de trabalho, que havia recentemente chegado ao fim.

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A cada confirmação de recebimento do meu CV, meu coração se enchia de esperança. Os dias seguintes eram preenchidos por um obsessivo checar de emails diariamente em busca de um convite para uma entrevista ou um processo seletivo. Em vão. A maioria nem respondia. Uma pequena parcela mandava um email padronizado mequetrefe informando que eu não havia sido escolhida para seguir adiante no processo, porém o meu CV seria guardado e considerado caso outras oportunidades na minha área surgissem.

No segundo mês, com a ausência absoluta de respostas positivas e a consequente confirmação de que esse approach não estava obtendo sucesso, entendi que precisava mudar. Passei a estudar o LinkedIn, entrar no perfil de pessoas com vagas semelhantes às que eu procurava, entendendo a curadoria aplicada a cada palavra de seus currículos, observando seus posts, como comunicavam suas vitórias e conquistas e também como reformulavam suas derrotas para que parecessem vitórias ainda mais significativas. Depois de seis meses de imersão na plataforma, eu seguia sem emprego e deprimida, me questionando se algum dia eu trabalharia novamente.

Muito se fala da toxicidade das redes sociais, das vidas perfeitas do Instagram, dos filtros da juventude do TikTok, da cultura do cancelamento do Twitter. Mas foi preciso que eu perdesse o emprego e em seguida perdesse o que restava da minha autoconfiança para perceber o quão tóxica é essa rede que, à primeira vista, parece tão bem intencionada.

Vivemos numa sociedade em que nosso valor é definido por meio do trabalho (remunerado) e do quão bem-sucedidos somos naquilo que fazemos em horário comercial. Estar desempregado, ganhar pouco, não ser promovido a cada ano… Tudo isso é visto como derrota. E é a partir desse reconhecimento que fica claro o poder nefasto do LinkedIn. Porque nenhuma outra rede social pode ser tão performática quanto aquela cujo cerne está justamente em divulgar nossos avanços profissionais.

Por conta disso, o comportamento no LinkedIn parece não obedecer às mesmas regras sociais dos encontros na rua ou até mesmo das interações que acontecem nas demais redes. Em nenhum outro ambiente nos sentimos confortáveis para nos gabarmos tão descaradamente de nós mesmos e das nossas conquistas. Mas no LinkedIn se gabar é a norma, o nome do jogo.

O resultado é um feed povoado por CEOs, milionários, empreendedores que vieram do nada e conquistaram tudo. Todo mundo está sendo promovido, ou mudando para uma empresa melhor, ou dando palestras, ou ganhando prêmios, ou dinheiro, ou clientes. Quando não estão divulgando seus aprendizados provenientes dos mais inusitados cenários: "5 coisas que aprendi sobre empreendedorismo no funeral da minha tia avó".

Para mim, o mais cruel do LinkedIn é que, ao contrário do filtro rejuvenescedor do Instagram, a curadoria de palavras que se dá na plataforma torna muito mais difícil diferenciar o que é fake do que é real. E nesse processo de consumir esse tipo de conteúdo, especialmente quando se está nessa posição de fragilidade, procurando um emprego, a distância entre o sucesso do outro e o nosso fracasso, entre a experiência do outro e a nossa inexperiência, parece incomensurável.

Dez meses depois de iniciada a minha busca, finalmente consegui um emprego. Celebrei como se tivesse ganhado o Prêmio Nobel. Novo trabalho e um adeus (pelo menos momentâneo) ao LinkedIn.

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