quarta-feira, 13 de março de 2024

Ricardo Mussa - Democratização da energia e industrialização: como driblar os percalços, FSP

 É um caminho sem volta. Nas grandes capitais, já é possível ver centenas de casas com a laje tomada por placas fotovoltaicas. Ou, nas regiões Sul e Nordeste, avistar das rodovias um sem-fim de hélices gigantes. Tais imagens cada vez mais presentes na paisagem revelam um cenário irreversível e bem-vindo: a democratização da eletrificação e a abundante oferta de energia renovável.

Empreendimentos de energia solar e eólica fazem parte de um acelerado processo que, a partir da virada do milênio, reforçou a capacidade do Brasil de gerar energia limpa e renovável. Juntas, as fontes impulsionadas pela luz do sol e pela força dos ventos representam 21% da matriz elétrica brasileira, que, por sua vez, é formada por 84,3% de fontes renováveis —incluindo os derivados de cana-de-açúcar (biomassa e etanol) e a água (hidráulica).

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Parque eólico no interior do Piauí - Lalo de Almeida/Folhapress

Um cenário que revela impactos positivos da democratização de fontes e das formas de comercialização para a vida do empreendedor brasileiro. Dados de fevereiro da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) apontam que já são 16.791 as empresas que decidiram migrar para o mercado livre de energia elétrica —modalidade que permite a fornecedores e consumidores a negociação bilateral das condições do contrato: preços, prazo e fonte da energia, além de produtos e serviços.

Desse universo, 94% são firmas de menor porte, com contas de luz acima de R$ 10 mil e demanda abaixo de 500 kW. É um número bastante significativo e um reflexo direto de uma mudança regulatória eficiente, trazida pela portaria 50/2022, do MME (Ministério de Minas e Energia), e que concede, desde janeiro, o direito aos consumidores de média e alta-tensão de escolher o seu fornecedor de energia.

Antes, apenas quem tinha demanda superior a 500 kW podia migrar para o mercado livre. Ou seja: uma medida simples que beneficia quem mais precisa de um alívio nas contas, seja um microempreendedor que produz comida para entregas, seja um dono de padaria em uma rua popular.

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Esse panorama positivo, porém, revela gargalos que colocam em risco a sustentabilidade de todas essas conquistas.

Uma projeção divulgada pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) mostra que, em 2028, o Brasil terá uma demanda de 110,98 GW (gigawatts) de energia, ante uma oferta que pode chegar a 281,56 GW ao final de 2027. A sobreoferta de energia renovável ainda não significa que o Brasil tenha como garantir o fornecimento em momentos de pico, uma vez que parte dessas fontes é intermitente ou sujeita a fatores climáticos, como El Niño, o que limita a segurança de abastecimento.

Mas, se por um lado há um risco de intermitência, por outro essa sobreoferta é uma grande oportunidade de industrialização para o Brasil. Podemos usar esse excedente para descarbonizar diversos produtos da nossa pauta de exportação, como celulose, etanol e metais, além de abrir a possibilidade de produção local de fertilizantes verdes e hidrogênio. Exatamente o que o mundo demanda para combater as mudanças climáticas.

A solução para tal quebra-cabeça não é simples, mas começa com melhorias no arcabouço regulatório e respeito aos contratos vigentes por parte do governo. O setor privado, por sua vez, tem capacidade e criatividade para encontrar alternativas à intermitência e, ao mesmo tempo, atrair capital para investimentos na indústria.

Esse círculo virtuoso poderá alavancar de forma certeira o aumento da oferta de energia renovável, favorecendo os esforços por uma economia de baixo carbono, inclusive na matriz de transportes, sem descuidar da segurança de abastecimento —lastro básico para o crescimento econômico e a geração de empregos.


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