O mundo está mudando numa velocidade assustadora, graças aos incríveis avanços tecnológicos que interferem, cada vez mais, na nossa maneira de viver. A assistência à saúde é uma das atividades mais impactadas, tanto pela complexidade crescente dos conhecimentos quanto pela busca de diagnósticos e tratamentos mais precisos.
Qualquer que seja o futuro, o médico será sempre uma figura-chave nas atenções de saúde e, portanto, precisa ser preparado para tal desde o curso de graduação. À educação tradicional mesclam-se novas metodologias de aprendizagem, tais como autoaprendizado, simulações, aulas online, telemedicina, podcasts e um transformador caminho, o da inteligência artificial. Contudo, além da formação técnica, o médico requer a indispensável formação humanística e ética, que deve nortear sua prática, baseada em relações empáticas de confiança e competência com seus pacientes. Para isso, é imprescindível o contato próximo entre alunos e docentes preparados, que não raro funcionam como mentores, bem como a exposição a distintas experiências clínicas, das mais simples às mais complexas.
Lamentavelmente, tanto a formação técnica quanto a humanística estão sendo amplamente prejudicadas pela política que facilita a abertura das novas faculdades de medicina pelo Brasil afora. A premissa é a falta de médicos em muitas cidades do país, quase todas de menor porte. Assim, a abertura das novas faculdades seria a melhor maneira de fixar profissionais nas regiões onde estudaram para corrigir o grave problema da má distribuição regional dos médicos. Contudo, isso não está ocorrendo da forma imaginada, à semelhança do que acontece até mesmo em países do primeiro mundo, como França, Canadá e Estados Unidos, que têm seus chamados desertos médicos, ou seja, regiões sem profissionais estabelecidos.
Quanto à má distribuição dos médicos no Brasil, apenas para exemplificar: temos atualmente 2,7 deles por mil habitantes, índice igual ao dos Estados Unidos, mas variando de 1,7 no Maranhão a 6,1 em Brasília.
Sem dúvida, é legítima a proposta de facilitar o acesso da população às atenções médicas, mas é extremamente preocupante quando ao acesso não se acopla a indispensável formação com qualidade dos médicos. Isso é algo quase utópico se considerarmos as quase 400 faculdades de medicina já existentes, capazes de formar mais de 50 mil médicos por ano, às quais poderão se juntar cerca de 450 novas instituições, atualmente com solicitações sob liminares e aguardando pronunciamento do Supremo Tribunal Federal.
A atual estrutura do ensino médico no Brasil é deficiente, pois peca em dois quesitos básicos: a patente falta de professores qualificados para formar tantos novos profissionais e a real limitação de ambulatórios e hospitais para treinamento. Nesse sentido, é uma grande falácia acreditar que o SUS, estruturado essencialmente para o atendimento, possa ser transformado em amplo ambiente de ensino às custas de uma lei, sem nenhum investimento planejado, medido e avaliado para tal.
Infelizmente, o descontrole já está instalado. Portanto, só nos resta esperar que se coíba a abertura desenfreada de mais escolas médicas e, principalmente, que sejam criados critérios nacionais rigorosos para regular o funcionamento de todas elas, antigas e novas.
Esses critérios devem valorizar a capacitação do aluno e permitir a avaliação e a acreditação das escolas médicas e dos seus respectivos campos de treinamento. Somente assim será possível achar o ponto de equilíbrio entre o número e o perfil de médicos que o país precisa, mas sem renunciar à fundamental formação com qualidade. Pelo bem de nossa população.
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