Conserto de relógios é uma dessas profissões em extinção. Hoje, a maior parte deles é eletrônica e o máximo que se precisa fazer é trocar a bateria para que voltem a funcionar. Existem, porém, grandes relógios mecânicos, às vezes com mais de um século de existência, que, em São Paulo, estão instalados em igrejas, estações de trem e faculdades e que são referências urbanas, além de patrimônios históricos.
É aí que entra Augusto Fiorelli, 64 anos, especializado nessas máquinas antigas. Ele é responsável, por exemplo, pelo relógio da Estação da Luz. O modelo antigo da estação era de 1898, mas foi destruído por um incêndio que fundiu suas engrenagens em 1946. Foi substituído e o atual é um produto nacional da marca Michelini.
Fica sob sua responsabilidade também o relógio da vila de Paranapiacaba, uma máquina de 1899, que está totalmente preservada e é da marca John Walker, a mesma do Big Ben de Londres. Na semana passada, Fiorelli foi lá cuidar dele, o que inclui lubrificá-lo e dar corda com uma manivela, o que ele faz a cada dez dias. O da Estação da Luz tem autonomia de funcionamento de oito dias.
Relojoeiro desde 1976, Fiorelli aprendeu o ofício com o avô, que tinha uma oficina na Rua Benjamin Constant, no Centro, desde a década de 40. No mesmo ano que o neto começou na atividade, o avô, que também se chamava Augusto, assumiu o contrato para fazer a manutenção dos três relógios da estrada de ferro São Paulo Railway: o da estação da Luz, o de Paranapiacaba e o de Santos. Desde então ele mantém a prestação do serviço. Só o de Santos foi desativado em 1996 porque foi alvo de depredação num período em que a estação do Valongo ficou abandonada. Em 2004 ela foi restaurada. E, em 2017, o relógio antigo foi substituído por uma versão elétrica, mas não é Fiorelli quem cuida.
Fiorelli navega praticamente sozinho nesse mercado e atualmente é responsável pelos relógios da igrejas da Freguesia do Ó e do Brás, e pelo relógio do antigo Mappin, depois Casas Bahia, que agora vai virar um Sesc. Cuida dele desde 1982. É sua também a responsabilidade pela manutenção das máquinas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e da Faculdade de Medicina da USP..
A Catedral da Sé não tem relógio. Mas a praça da Sé tem e está parado no horário das 10h10 há seis anos. Fica no alto de uma torre de vidro escuro. "Eu mantive ele até 2018, mas moradores de rua começaram a subir na torre e tirar peças. É um relógio inglês de 1910, uma relíquia, mas parou", diz Fiorelli. Ele está esperando a Prefeitura resolver botá-lo de novo para funcionar.
Na década de 70, quando Fiorelli começou no ofício, havia muitos relojoeiros, mas poucos cuidavam dessas grandes máquinas. Agora, praticamente não tem ninguém dedicado a esse serviço. "Esses relógios de torre são uma grande responsabilidade, tem importância histórica, é preciso dar corda regularmente e isso precisa ser feito por um profissional especializado, que faça a manutenção preventiva", explica. "Quando é necessário fazer um conserto, o que é raro, leva-se a engrenagem quebrada para um torneiro mecânico reparar."
"Aqui em São Paulo sou um dos poucos que faz isso", conta. "Conheço um profissional que conserta esse tipo de relógio que mora em Sorocaba e faz serviços no interior. Mesmo assim, muita gente liga para mim de fora de São Paulo para fazer consertos e vou muito para o Sul de Minas." Fiorelli trabalha sozinho e não tem funcionários. Na sua oficina, na rua Venceslau Brás, conserta também relógios de parede, de mesa e de pulso.
Dos relógios mais emblemáticos da cidade, o único que está fora de sua carteira de clientes é o do igreja de São Bento, mantido pelos próprios monges. Mas Fiorelli fez a manutenção até 2005. Segundo ele, depois que perdeu o contrato, o serviço foi assumido por um seminarista. "Em Igrejas acontece muito isso, o padre deixa a responsabilidade com o coroinha ou um assistente e aí ele acaba esquecendo de dar corda, lubrificar e o relógio pode parar", afirma. "É uma pena."
Nenhum comentário:
Postar um comentário