terça-feira, 12 de março de 2024

O senhor das horas, Vicente Vilardaga- FSP

 

SÃO PAULO

Conserto de relógios é uma dessas profissões em extinção. Hoje, a maior parte deles é eletrônica e o máximo que se precisa fazer é trocar a bateria para que voltem a funcionar. Existem, porém, grandes relógios mecânicos, às vezes com mais de um século de existência, que, em São Paulo, estão instalados em igrejas, estações de trem e faculdades e que são referências urbanas, além de patrimônios históricos.

É aí que entra Augusto Fiorelli, 64 anos, especializado nessas máquinas antigas. Ele é responsável, por exemplo, pelo relógio da Estação da Luz. O modelo antigo da estação era de 1898, mas foi destruído por um incêndio que fundiu suas engrenagens em 1946. Foi substituído e o atual é um produto nacional da marca Michelini.

Fica sob sua responsabilidade também o relógio da vila de Paranapiacaba, uma máquina de 1899, que está totalmente preservada e é da marca John Walker, a mesma do Big Ben de Londres. Na semana passada, Fiorelli foi lá cuidar dele, o que inclui lubrificá-lo e dar corda com uma manivela, o que ele faz a cada dez dias. O da Estação da Luz tem autonomia de funcionamento de oito dias.

Conserto de relógio
Augusto Fiorelli cuida da manutenção do relógio da Estação da Luz - Augusto Fiorelli

Relojoeiro desde 1976, Fiorelli aprendeu o ofício com o avô, que tinha uma oficina na Rua Benjamin Constant, no Centro, desde a década de 40. No mesmo ano que o neto começou na atividade, o avô, que também se chamava Augusto, assumiu o contrato para fazer a manutenção dos três relógios da estrada de ferro São Paulo Railway: o da estação da Luz, o de Paranapiacaba e o de Santos. Desde então ele mantém a prestação do serviço. Só o de Santos foi desativado em 1996 porque foi alvo de depredação num período em que a estação do Valongo ficou abandonada. Em 2004 ela foi restaurada. E, em 2017, o relógio antigo foi substituído por uma versão elétrica, mas não é Fiorelli quem cuida.

Fiorelli navega praticamente sozinho nesse mercado e atualmente é responsável pelos relógios da igrejas da Freguesia do Ó e do Brás, e pelo relógio do antigo Mappin, depois Casas Bahia, que agora vai virar um Sesc. Cuida dele desde 1982. É sua também a responsabilidade pela manutenção das máquinas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e da Faculdade de Medicina da USP..

Paranapiacaba
Relógio de Paranapiacaba é da mesma marca do Big Ben inglês - Augusto Fiorelli

A Catedral da Sé não tem relógio. Mas a praça da Sé tem e está parado no horário das 10h10 há seis anos. Fica no alto de uma torre de vidro escuro. "Eu mantive ele até 2018, mas moradores de rua começaram a subir na torre e tirar peças. É um relógio inglês de 1910, uma relíquia, mas parou", diz Fiorelli. Ele está esperando a Prefeitura resolver botá-lo de novo para funcionar.

Na década de 70, quando Fiorelli começou no ofício, havia muitos relojoeiros, mas poucos cuidavam dessas grandes máquinas. Agora, praticamente não tem ninguém dedicado a esse serviço. "Esses relógios de torre são uma grande responsabilidade, tem importância histórica, é preciso dar corda regularmente e isso precisa ser feito por um profissional especializado, que faça a manutenção preventiva", explica. "Quando é necessário fazer um conserto, o que é raro, leva-se a engrenagem quebrada para um torneiro mecânico reparar."

Estação da Luz
Relógio da Estação da Luz funciona desde o final da década de 40 - Vicente Vilardaga

"Aqui em São Paulo sou um dos poucos que faz isso", conta. "Conheço um profissional que conserta esse tipo de relógio que mora em Sorocaba e faz serviços no interior. Mesmo assim, muita gente liga para mim de fora de São Paulo para fazer consertos e vou muito para o Sul de Minas." Fiorelli trabalha sozinho e não tem funcionários. Na sua oficina, na rua Venceslau Brás, conserta também relógios de parede, de mesa e de pulso.

Dos relógios mais emblemáticos da cidade, o único que está fora de sua carteira de clientes é o do igreja de São Bento, mantido pelos próprios monges. Mas Fiorelli fez a manutenção até 2005. Segundo ele, depois que perdeu o contrato, o serviço foi assumido por um seminarista. "Em Igrejas acontece muito isso, o padre deixa a responsabilidade com o coroinha ou um assistente e aí ele acaba esquecendo de dar corda, lubrificar e o relógio pode parar", afirma. "É uma pena."

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