Nos anos 60, Carlos Heitor Cony publicava um romance por ano ("Matéria de Memória", "Antes, o Verão", "Balé Branco"), e a maioria esmagadora de seus leitores era do sexo feminino. Sabendo disso, o cronista Antônio Maria não se surpreendeu ao notar que no assento ao lado, na viagem de avião do Rio para São Paulo, a linda garota devorava o último Cony.
Com o cuidado de descobrir se na orelha do livro não havia uma foto do autor, Maria deu o bote, apresentando-se como o próprio, em carne e osso, Carlos Heitor Cony, a seu dispor: um homem torturado, sozinho, infeliz, descrente do amor. Impressionada, ela aceitou o convite para jantar naquela mesma noite.
"E aí?", perguntou dias depois o verdadeiro Cony ao ouvir no telefone o relato do farsante Maria. "Saímos do restaurante e fomos direto para a cama. Ou melhor, você foi para a cama com ela." "E aí, e aí?", o romancista não se segurava mais de ansiedade. "Aí, você brochou, Cony, você brochou", respondeu Maria, caindo na gargalhada.
Verdadeira ou não, a história é ótima --embora mostre todo o machismo da época. Tão boa que, recontada, foi incorporando outros personagens da vida literária e boêmia do Rio. Tendo sempre Cony como vítima, já fizeram o papel de Antônio Maria: Vinicius de Moraes, Paulinho Mendes Campos, Carlinhos Oliveira e os quase sósias Rubem Braga e Samuel Wainer. Em algumas versões, Cony assume a voz do vilão, dando o troco em Maria. A mais estapafúrdia delas coloca Clarice Lispector ou como a conquistadora ou como a mulher enganada. E Nelson Rodrigues só não entrou na lista porque não punha os pés num avião.
Uma coisa é certa: aquela turma de cronistas tinha talento de sobra para narrar ou inventar situações. Escreviam livros fabulosos, eram sedutores e charmosos. Eventualmente, brochavam. Mas o que me revolta é a garota ter passado a noite chupando o dedo.
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