Escrevo no clima de apreensão que se instalou desde que começou a apuração da eleição para a presidência dos EUA. Até agora, os resultados contrariam o otimismo da maioria das pesquisas. Joe Biden não está tão confortável na liderança quando supunham os pesquisadores. Deve ser uma eleição voto a voto.
Se a apuração vem contrariando a expectativa, o mesmo não se pode dizer da conduta do presidente Trump, que segue previsível, consistente, coerente na sua incoerência e, claro, oportunista.
Nem bem o dia amanheceu ontem no Brasil e Trump já havia cantado vitória antes da apuração de todos os votos. Havia, aliás, pedido o encerramento da apuração. Se com os votos apurados até aquele momento quem ganhava era ele, e se é ele o único possível vencedor do pleito, para que apurar os demais? Qualquer resultado diferente, claro, é fraude.
Interessante —e infelizmente comum— maneira de ver o mundo.
Uma forma corriqueira de desprezo das instituições é lançar mão da norma apenas quando convém. Caso eu ganhe a eleição, as regras valem. Se não, houve fraude. Se o devido processo legal protege a mim ou aos meus, é um direito fundamental inalienável. Quando protege alguém que eu considero abjeto, é uma tecnicidade dispensável. E, claro, desde que uma manchete satisfaça os meus anseios, tudo bem que ela possa induzir a erro pessoas legitimamente indignadas.
A Lava Jato —e seus produtos— parece não ter nos ensinado muito sobre aonde pode nos levar o desprezo pelas regras do processo justificado pela perseguição de um fim nobre. A cilada é que a prerrogativa de invocar a lei só quando lhe convém é recurso disponível principalmente a quem tem algum poder, manejado, justamente, pela manutenção desse espaço de poder. A lei substitui a vontade individual, porque decorre da vontade democrática. Assim como o sistema do qual é fruto, não é perfeita e admite aprimoramentos, mas a sua alternativa é o arbítrio.
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