A questão sobre como manter a saúde mental na pandemia é insistente, dada a importância do tema. Para além da demanda implícita por um "manual sobre como não pirar no isolamento", sua resposta passa por distinguirmos sofrer de adoecer e o efeito dessa distinção para nossas vidas.
A nos pautarmos pelas mídias, goza-se ininterruptamente, da manhã ao anoitecer, com picos de epifania durante as refeições, exercícios para enrijecimento do glúteo ou trocas de roupa no "tik tok". Durante a pandemia, o imperativo da felicidade pouco se constrangeu com as milhares de mortes, mas acabou revelando mais uma vez seu anacronismo.
O sofrimento correspondente aos acontecimentos disruptivos da vida — ou ao simples fato de sabermos de antemão que ela acabará — passa a ser interpretado como doença. O DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), que não para de acrescentar síndromes a cada nova edição, tenta encobrir o fato de que a vida cobra seu preço e que cada um responde como pode à "insustentável leveza do ser". De quebra, recomenda a medicação correspondente ao mal suposto.
Se consideramos a felicidade o bem supremo a ser alcançado, como se alcança um platô, e acreditamos que isso seria possível ou sequer desejável, passamos a entender o sofrimento como um erro a ser eliminado.
O paradoxo é que a negação de que sofrer faz parte do pacote da vida — e é o que dá aos momentos de satisfação algum sentido —acaba por promover o adoecimento que tenta eliminar. O reconhecimento social e a possibilidade de criar narrativas sobre o viver são condições para lidarmos com o que nos oprime. Aqueles à nossa volta capazes de validar e acolher nossas questões — sem ficar muitos assustados achando que poderiam ou deveriam ter respostas — criam a oportunidade de ouro para que a "mensagem dentro da garrafa jogada no mar", que a dor pode revelar, seja finalmente lida[ x ]
Suportar nosso próprio desconforto diante da dor de quem amamos é necessário para que cuidemos uns dos outros. Altos e baixos da vida funcionam como silêncio e som, um não vai sem o outro. Alguma dúvida de que estamos desaprendendo a ficar no silêncio e, consequentemente, surdos?
A tirania da felicidade e os recursos para alcançá-la vão da produção de miragens do gozo alheio, à extrema indulgência com nossos prazeres, passando pelo consumismo, chegando à medicalização — lícita ou ilícita — e podendo descambar para violência, depressões e suicídios.
É possível passar pela pandemia sem sofrer? Depende do grau de alienação do sujeito em questão. Talvez alguém loucamente apaixonado, totalmente alheio ao mundo ou psicopata passe uma crise dessas em estado de graça. Mas fora a psicopatia, as outras situações não costumam se sustentar indefinidamente.
Estou há 4 meses dentro de casa dividindo meu tempo entre atendimentos online, estudos, escrita, entrevistas, família e faxina. Se servir de consolo para alguém, minha situação privilegiada na pandemia não me poupa de sentir tristeza, medo, raiva, indignação e angústia por estar privada do espaço público, da companhia de pessoas amadas e testemunhar uma catástrofe sanitária, política e econômica sendo gerida por um psicopata. Momentos felizes ou de tranquilidade? Sim, saboreados ao máximo, ainda que sob um fundo de apreensão — por mim e pelos outros.
Estou doente? Felizmente, não. Apenas vivendo a vida.
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