18 de julho de 2020 | 03h00
As eleições presidenciais de 2002, que opuseram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB), foram sacudidas por dois crimes – e cada um incomodou uma candidatura. O assassinato do prefeito Celso Daniel, em janeiro, chamou atenção para a cidade paulista de Santo André, um foco de corrupção petista. O outro crime ocorreu num Estado, o Espírito Santo, cujo governador havia sido eleito pelo PSDB. O advogado Marcelo Denadai, que investigava crimes de corrupção, foi morto em abril com três tiros, na Praia da Costa, em Vila Velha.
O assassinato de Denadai foi o auge de um processo de deterioração das instituições capixabas. A corrupção generalizada afastou empresas como a Xerox, que decidiu se retirar do Espírito Santo em 2001. A criminalidade atingiu níveis alarmantes. Os dois principais líderes políticos locais, o governador José Ignácio e o presidente da Câmara, José Carlos Gratz, acabaram condenados pela Justiça numa infinidade de processos.
Passados 18 anos, o Espírito Santo é um Estado com dinheiro em caixa e criminalidade em queda, e foi a unidade da Federação que mais avançou no Ideb, o Índice de Desenvolvimento de Educação Básica, entre 2013 e 2017. Qual a razão do milagre?
A resposta está no livro, ainda inédito, Decadência e Reconstrução, de autoria de Carlos Melo e Milton Seligman, professores do Insper, e da jornalista Malu Delgado. Se fosse possível resumi-la em duas palavras, elas seriam: sociedade civil. Cidadãos capixabas de diferentes áreas e correntes políticas se uniram para resgatar o Estado. Professores universitários e líderes sindicais criaram o fórum Reage Espírito Santo, liderado pelo advogado Agessandro Pereira, da OAB local, e pelo arcebispo de Vitória d. Silvestre Scandian. A eles se juntaram empresários locais, que formaram o movimento Espírito Santo em Ação. (Um trecho do livro inédito está disponível na versão digital da coluna).
Apoiado pelos movimentos, Paulo Hartung foi eleito governador. Sua habilidade política foi essencial para trazer paz a um Estado conflagrado. A capacidade de fazer acordos é inerente ao bom político, assim como a habilidade com as mãos é essencial ao pianista – um político que não gosta de acordos é como um músico que acha melhor tocar piano com os pés.
Na ocasião, Hartung, oriundo do PSDB, pelo qual se elegera prefeito de Vitória, passou por cima da polarização nacional e convidou Lula para uma visita ao Espírito Santo. Lula aceitou, e a parceria entre Estado e governo federal foi essencial no combate à criminalidade e à corrupção.
Hartung, personagem do mini-podcast da semana, hoje está envolvido com outra causa. Ele é um dos coordenadores da mobilização de CEOs para reverter a tragédia na Amazônia, onde o índice de desmatamento aumentou 34% entre agosto de 2018 e julho de 2019. “É necessário combater com firmeza as irregularidades e os crimes ambientais”, diz Hartung, diante de uma queda de 25% dos autos de infração contra tais crimes. Os empresários se juntaram a organizações de defesa da floresta, como o Imazon e o Instituto Clima e Sociedade, e receberam na terça-feira a adesão de ex-ministros da Fazenda de todo o espectro político.
A sociedade civil é o que o Brasil tem de melhor. Cabe a ela inspirar e pressionar o poder público em momentos – como o da crise no Espírito Santo, ou o da tragédia amazônica – em que parece faltar vontade, competência ou senso de urgência.
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