No dia 26 de junho, o periódico Science publicou um editorial sobre a ciência estar correndo perigo de perder a batalha contra “o leviatã da desinformação digital”. E inclusive citou diretamente o Brasil como um dos campos da batalha entre fato científico e ficção.
Vivemos um momento crucial, com a sobrevivência do planeta sendo ameaçada pelo aquecimento global e pela degradação ambiental, e a sobrevivência da humanidade, pela pandemia da Covid-19. Mais do que nunca, precisamos da ciência, mas estamos sendo assolados pelas forças do obscurantismo, que agora se utilizam dos poderosos estratagemas de redes sociais.
Eu gostaria de enfatizar aqui que, mais que carreira ou profissão, a ciência é uma maneira de se posicionar perante as outras pessoas e a realidade que nos cerca. Dessa forma, o método científico não é um conjunto de técnicas inacessíveis ao cidadão comum, é simplesmente constituído pela prática do pensamento crítico.
E o que vem a ser o pensamento crítico? Ele encapsula o método científico e é composto de duas fases. A primeira etapa é sempre ter a mente aberta. Todas as hipóteses e possibilidades devem ser inicialmente analisadas. Nada deve ser rechaçado sem reflexão. Isso quer então dizer que o cientista deve aceitar tudo? Não, pois há a segunda etapa do pensamento crítico, que podemos chamar de “a fase peneira”, em que vamos escrutinizar cuidadosamente cada uma dessas hipóteses e possibilidades. Neste momento, não devemos acreditar apenas na palavra de ninguém. Devemos confiar apenas em evidências concretas, nos fatos. Dessa maneira, apenas umas poucas hipóteses e possibilidades vão conseguir transpor a peneira para serem aceitas. Mas é importante que essa aceitação seja apenas provisória. Ela deverá ser avaliada de novo periodicamente no futuro.
Assim, a ciência se torna a mais poderosa ferramenta intelectual para humanizar o universo e a nossa experiência nele. Como gostava de dizer o astrônomo Carl Sagan, a ciência é uma luz que nos guia na escuridão. Uma luz que ilumina a realidade e exorciza demônios e medos.
Esse é o espírito do humanismo científico que apela à razão, e não à revelação religiosa ou à autoridade política, como o meio de nos relacionarmos com o mundo natural e estabelecermos uma base estritamente humana para a construção de nosso sistema moral. O humanismo científico acredita que, por meio do exercício da razão e do método científico, a humanidade é capaz de resolver seus problemas com sucesso e avançar seu conhecimento. Entretanto, deve sempre ser lembrado que o humanismo científico se distingue do positivismo arraigado por rejeitar a noção de que a ciência, sozinha, possa ter a resposta definitiva para todas as questões humanas. Uma filosofia humanista lastreada na ciência se concentra em perguntas que podem ser efetivamente respondidas, deixando as demais para os metafísicos.
Desta forma, a ciência não é um corpo arcano de métodos e práticas inacessíveis ao cidadão comum, mas, como já dissemos, simplesmente a prática da imaginação, com o crivo do pensamento crítico. Esse exercício, na sua acepção mais plena, constitui a base de uma cidadania responsável.
A democracia permite às pessoas fazer escolhas conscientes. Quanto maior for a parcela da população que exercitar o pensamento crítico, melhores serão as decisões tomadas. É isso que podemos chamar de democracia científica. Em um regime ideal de democracia científica, em que vigore a total liberdade de escolha, a antidemocracia, em qualquer forma que se apresente, poderá ser desbaratada. Também, conceitos errôneos e nefastos como a negação da ciência, o racismo, o machismo, a xenofobia, a homofobia e a intolerância à diversidade não terão lugar.
Vamos tocar ciência neles!
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