Com a maior parte das empresas brasileiras ainda adotando o trabalho remoto por causa da pandemia de covid-19, abriu-se a caixa de pandora no mercado de escritórios corporativos: será que o modelo adotado até agora era mesmo o mais eficiente? À medida que os funcionários retomam o trabalho presencial, algumas tendências já se desenham: redução da densidade “populacional” dos espaços corporativos, a possibilidade de espalhar escritórios por várias regiões da cidade para facilitar a vida dos colaboradores e, inevitavelmente, a devolução de espaços para reduzir pesados gastos com aluguel.
E existe muito espaço para cortes – ainda mais em um cenário difícil como o de 2020. O Banco do Brasil, por exemplo, vai devolver 19 de seus 35 edifícios de escritórios em sete capitais e no Distrito Federal, com economia estimada em R$ 1,7 bilhão em 12 anos. A XP cancelou planos de construção em São Paulo, onde o metro quadrado é bem mais caro, para construir um campus em São Roque, a 60 km da capital.
Outro banco que pretende estender o trabalho remoto é o Itaú, apurou o Estadão, com a possibilidade de devolução de escritórios localizados fora da sede principal. O Itaú diz, em nota, que manterá os colaboradores das áreas administrativas em home office pelo menos até 1º de setembro. “Existe uma frente de trabalho no banco dedicada unicamente a estruturar o nosso modelo de trabalho a partir de setembro”, afirma o banco.
Já o banco digital C6, que está em fase de expansão, vai frear por ora os planos que tinha de alugar novos escritórios. Os novos times serão acomodados nos oito andares que a empresa já ocupa na Avenida 9 de Julho, na capital paulista.
Além do aspecto econômico, o modelo de ocupação corporativa no Brasil – e especialmente em São Paulo – não combina nem um pouco com distanciamento social. De acordo com Fábio Maceira, presidente da multinacional do setor imobiliário JLL, a dificuldade de deslocamento na capital paulista causou um grande adensamento em prédios corporativos. Quem trabalha na Faria Lima sabe bem disso: não raramente há filas no elevador na hora do almoço e briga para pegar um Uber ao fim do expediente.
DENSIDADE
Por causa do preço do metro quadrado e do fato de as empresas buscarem sempre os mesmos locais, hoje não é incomum que prédios em São Paulo concentrem um trabalhador a cada 6 ou 7 metros quadrados. Segundo Maceira, muitos espaços corporativos hoje atuam no limite do permitido pelo Corpo de Bombeiros em caso de evacuação por incêndio. Em Nova York, diz ele, a densidade média é de 1 trabalhador para cada 10 metros quadrados. Na Alemanha, essa relação vai para mais de 13 metros para cada colaborador.
Embora as grandes companhias estejam muito dispostas a economizar com escritórios – uma vez que, especialmente em edifícios usados para áreas administrativas, o gasto com aluguel seja apenas custo, e não gere receita para o negócio –, Maceira explica que as regras de distanciamento social vão exigir que o espaço atual abrigue muito menos gente. No escritório da própria JLL, que concentrava 240 pessoas antes da pandemia, agora vão trabalhar 66 funcionários.
No Brasil, escritórios têm bem mais funcionários por metro quadrado
Escritório de 1.000m²
Fonte: JLL
Para Daniel Cherman, diretor geral da Tishman Speyer, outra companhia que desenvolve e administra escritórios, a necessidade de ampliar o espaço entre as pessoas deve conter a devolução de escritórios. No entanto, ele diz que os prédios mais antigos – que têm mais colunas e divisões, que dificultam o redesenho dos espaços – podem sofrer mais no pós-pandemia. “Acho que ainda é muito cedo (para dar um veredicto sobre a ocupação de escritórios). De maneira geral, acho que as empresas ainda estão analisando.”
Impactada pela pandemia, a XP está repensando não só seu modelo de escritório – mas sua dinâmica de trabalho. “Queremos que nossa cultura seja calcada no conceito ‘a XP de qualquer lugar’. A premissa é quebrar a lógica de espaço. Não precisamos estar na Faria Lima para fechar um negócio”, diz Lana Brandão, gerente de gente e gestão da corretora. Uma das primeiras companhias do País a estender o trabalho remoto até o fim do ano, a XP já está em negociação para devolver parte das dez andares que mantém em sua atual sede, em São Paulo.
ALUGUEL DE CURTO PRAZO
Se ainda não está clara a quantidade de metros quadrados que as companhias vão conseguir economizar, o mercado de locação de escritórios já começa a se preparar para auxiliar nessa transição de modelo. A São Carlos Empreendimentos, dona de diversos escritórios em São Paulo, por exemplo, adotou um modelo de locação com contratos de 12 meses – geralmente, os acordos no setor costumam “amarrar” empresas por pelo menos cinco anos.
É uma forma de garantir que as companhias possam testar seus modelos pós-pandemia sem ficar presas a contratos longos ou serem obrigadas a pagar multas contratuais. “Esse modelo de contrato flexível vai ajudar o cliente a ter um planejamento de curto prazo sem pressão”, diz Caio Scarpetti, responsável pela divisão desse conceito da São Carlos em São Paulo. Trata-se de mais um sinal de que os ventos da mudança inevitavelmente virão para os escritórios corporativos.
Como será a ‘XPlândia’ de São Roque
Empresa de investimentos reduzirá escritórios em SP e aposta em trabalho remoto
Mônica Scaramuzzo
Será em um condomínio de 500 mil metros quadrados que a XP deverá realizar seu novo “sonho grande”. Motivada pelos aprendizados da pandemia, a companhia fundada por Guilherme Benchimol decidiu transferir sua sede para um condomínio no interior de São Paulo para transformar o conceito de trabalho em uma experiência para seus colaboradores, uma “XPlândia” do mundo dos negócios.
Batizada de Villa XP, a nova sede da corretora, que abriu capital no fim do ano passado em Nova York e está estruturando um banco de atacado e investimentos, será uma mistura de campus universitário com resort. “Teremos espaço para construir um escritório conceito com quadras de esportes, espaços de convivência, hotel, auditórios. A gente se inspirou nas empresas do Vale do Silício”, conta Lana Brandão, gerente de gente e gestão da companhia. O espaço abrigará ainda um museu em ode à XP e espaços gastronômicos.
A premissa é quebrar a lógica de espaço: ser a XP de qualquer lugar, diz a executiva. “Será um desafio manter a cultura da empresa à distância, mas a gente entende que não precisa mais estar na Faria Lima para fechar um negócio.”
Com 2,8 mil funcionários, boa parte acomodados na região da Faria Lima, principal centro financeiro do País, a XP montou um plano de guerra assim que a quarentena se impôs no País. A empresa, que foi uma das primeiras a estender o trabalho remoto até o fim do ano, planeja colocar em pé sua nova sede até o fim de 2021.
Segundo a executiva, o escritório de São Paulo ainda continuará ser uma importante base de apoio. Mas a empresa já começou a negociar a devolução de parte dos dez andares que ocupa em frente ao shopping JK Iguatemi, na Vila Olímpia. “Nossos colaboradores não terão de ir todos os dias a São Roque. O condomínio será um espaço de convivência. Um lugar também para levar a família durante os congressos.”
Assim que fez abertura de capital em Nova York, Benchimol tinha planos diferentes para expansão da empresa. A ideia era comprar um novo prédio na região do largo da Batata, em Pinheiros.“Todas essas mudanças estão sendo discutidas com os colaboradores. Temos feito muitas pesquisas para saber como podemos promover essas mudanças. Esse condomínio (vendido pela JHSF) foi idealizado ainda em abril (o negócio foi fechado em junho). Em um mês, deveremos ter o projeto concluído”, diz.
A era do chefe ‘cão de guarda’ ficou para trás
Segundo estudo da multinacional JLL, escritório será um local para colaborar e inovar, e não mais para bater ponto
Fernando Scheller
Desapegar da mesa, da cadeira e do computador próprios ao entrar em um novo emprego já era tendência em empresas mais “modernas”, como as de tecnologia, mas agora deve virar regra mesmo em negócios tradicionais. Segundo uma pesquisa da multinacional do setor imobiliário JLL, uma das principais administradoras de escritórios do mundo, o nome do jogo para os escritórios agora será a colaboração.
A pandemia mostrou ao mundo que o home office não é só uma alternativa viável como traz vantagens econômicas às empresas. Isso obrigou negócios a abandonar velhos hábitos na hora de medir performance. O vice-presidente executivo do Banco do Brasil, Mauro Ribeiro Neto, diz que está na hora de medir produtividade não mais em horas, mas em resultados efetivos. O banco deverá adotar home office para cerca de 30% da equipe mesmo depois do fim da pandemia.
Em outras palavras: é preciso sair da zona de conforto para ter um termômetro do real rendimento de uma equipe. “A gente não pode mais medir a produção do funcionário por período que ele fica no escritório. Esse conceito é da origem da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, que rege até hoje as relações de emprego no País e foi publicada em 1943). Não dá para pensar com a cabeça de quase 80 anos atrás”, diz o executivo. Ou seja: a figura do chefe “cão de guarda”, que confere obsessivamente os horários, ficou para trás.
‘OLHO VIVO’
Uma pesquisa feita pela JLL mostra que os “patrões” de hoje não veem mais a necessidade de presença do funcionário no escritório para aferir produtividade. Em um levantamento que ouviu mais de 3 mil empregadores e funcionários em todo o mundo, a JLL percebeu que o item “produtividade do trabalhador” só aparece na quinta colocação quando os gestores são questionados sobre a função do escritório no futuro.
Embora esse “olho vivo” no que os colaboradores estão fazendo tenha sido citado por 35% dos gestores, esse aspecto está bem atrás de outras prioridades para os escritórios. O espaço de um negócio é bem mais relevante para funções como promover colaboração (segundo 50% dos entrevistados), agilidade de decisões (48%), atração de talentos e inovação (ambos com 42%).
Entre os trabalhadores, a colaboração e o contato humano com os colegas aparecem no topo das prioridades para o trabalho presencial, segundo 44% dos entrevistados. O escritório também é visto como um local onde se tem acesso a todas as ferramentas necessárias para o trabalho e onde a comunicação com os colegas é facilitada. Além disso, ter um local de trabalho fora de casa serve para distinguir bem vidas pessoal e profissional (veja quadro).
Ainda que os trabalhadores vejam vantagens em ter um escritório para interação com a equipe da qual fazem parte, o levantamento também mostra que eles também veem pontos positivos em manter pelo menos parte da jornada em home office. As duas principais vantagens citadas são a economia de tempo com deslocamento (item citado por 49% dos funcionários) e horários flexíveis (45%).
Embora diversas empresas tenham anunciado a devolução de uma quantidade considerável de escritórios ou cancelado expansões previstas para os próximos anos – entre elas o Banco do Brasil e a XP –, a JLL se mostra otimista em relação à situação do mercado. “As mudanças nas necessidades das empresas que ocupam escritórios têm pouca chance de ter um impacto considerável no total de espaço requerido, apesar da transformação da função e do desenho dos escritórios”, diz o estudo.
Na posição de “esperar para ver” está a seguradora Mapfre, que tem 3,5 mil funcionários no Brasil. A empresa tem dois prédios corporativos em São Paulo, um centro de atendimento em São Roque e presença pontual em mais 75 localidades. Segundo o diretor de recursos humanos da Mapfre, Francisco Labourt, é cedo para dizer se a empresa devolverá espaços. Com 25% da equipe hoje trabalhando presencialmente, o executivo diz que os escritórios ficarão menos adensados, com expansão do home office. “Estamos avaliando o melhor formato.”
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