domingo, 26 de julho de 2020

Entenda a decisão de Toffoli sobre Serra e como ela reabre a discussão por parâmetros mais claros do Supremo, FSP


SÃO PAULO

Para especialistas em direito ouvidos pela Folha, caberá ao plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) estabelecer parâmetros mais claros para futuras operações policiais envolvendo senadores e deputados depois de uma decisão liminar (provisória) do presidente da corte, Dias Toffoli, suspender buscas e apreensões no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP) na última terça-feira (21).

A medida também reabre discussões sobre os limites da imunidade parlamentar.

O que Toffoli decidiu sobre as buscas contra José Serra? Qual o entendimento do Senado? Por decisão liminar, durante o recesso do STF, o presidente da corte suspendeu a realização de busca e apreensão no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP) em razão da amplitude da decisão do juiz de primeira instância, que poderia resultar, segundo Toffoli, na “apreensão de documentos relacionados ao desempenho da atividade parlamentar do senador da República, que não guardam identidade com o objeto da investigação".

Antes da decisão, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), impediu os agentes da Polícia Federal de cumprirem o mandado no local, sob a alegação de ele ter sido expedido pela primeira instância, o que segundo o entendimento da Mesa do Senado, comandada por ele, usurparia a competência do STF.

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O que o inquérito investiga? Segundo a investigação, um desdobramento da Operação Lava Jato, a campanha vitoriosa de Serra ao Senado em 2014 teria sido beneficiada por um esquema de doações via caixa dois. O tucano teria indicado empresas que receberam doações não contabilizadas para a campanha por meio de notas frias.

O grupo coordenado pelo fundador da Qualicorp, José Seripieri Filho, o Júnior, teria repassado R$ 5 milhões à campanha, enquanto outras duas empresas, do setor de alimentação e construção civil, teriam juntas doado de forma ilegal cerca de R$ 2 milhões.

A fase ostensiva da operação busca identificar se houve contrapartida de Serra para receber os recursos e por qual motivo as doações não foram registradas junto à Justiça Eleitoral.

Qual foi a reação da Lava Jato à decisão de Toffoli? A decisão foi criticada pelo coordenador da Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, que disse que “um círculo de imunidade virtual absoluta ou um santuário de proteção em torno de gabinetes e imóveis de parlamentare era incompatível com o princípio republicano e conflitante com o princípio de separação de Poderes".

O procurador também apontou risco de o argumento ser aplicado contra buscas feitas em quaisquer lugares.

A chefe da Lava Jato em São Paulo, a procuradora Janice Ascari, também criticou a decisão sugerindo uma contradição em relação ao entendimento de 2018 do STF, de que o foro é restrito às atividades do mandato.

Qual foi a reação dos demais ministros do STF? Nos bastidores, a corte se dividiu sobre a decisão de Toffoli. Uma parte dos ministros endossou a determinação e outra criticou a decisão, por acreditar que ela fixou uma tese genérica sobre o assunto, apontando a necessidade da corte de se debruçar novamente sobre o assunto para evitar desgastes entre os Poderes Judiciário e Legislativo.

A consequência de uma diligência para a atividade legislativa e o fato de um local, no caso, o Congresso, ter ou não foro especial são dois aspectos centrais analisados pelos ministros.

Quando o inquérito policial foi remetido à primeira instância da Justiça Eleitoral de São Paulo? Por quem? A investigação foi remetida à primeira instância da Justiça Eleitoral de São Paulo pelo STF em meados de 2019, após a corte decidir que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados junto com caixa dois de campanha, devem ser processados na Justiça Eleitoral, e não na Justiça comum.

Em 2018, o STF decidiu que o foro especial se aplica apenas para crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados à função. O que mudou agora? Especialistas em direito ouvidos pela Folha são unânimes em afirmar que a decisão de Toffoli não representa uma mudança em relação ao entendimento sobre o foro.

Segundo o advogado e professor Fabrício Medeiros, que foi assessor do ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, Toffoli agiu diante de uma busca extremamente abrangente e anterior ao mandato que colocava em risco a atividade parlamentar.

Para o constitucionalista Marcelo Proença, a decisão soma-se ao entendimento de que qualquer medida investigativa ou de natureza processual penal que interfira no exercício da função parlamentar tem que ser tomada pelo STF.

Ele aponta outra decisão nesse sentido, a partir do voto do ministro Edson Fachin, que invalidou medidas numa operação contra senadores sem autorização do STF.

O professor da FGV Direito Rio Thomaz Pereira acrescenta que seria importante que o Supremo se manifestasse coletivamente sobre a abrangência do foro, esclarecendo questões que ficaram abertas a partir do entendimento de 2018 sobre as ações investigativas contra congressistas.

“O importante é que a decisão não fique restrita ao caso a caso e que o Supremo estabeleça um parâmetro para ter clareza de que em situações e limites o juiz pode determinar uma busca e apreensão ou não, porque é a incerteza que é problemática”, afirma.

O que diz a Promotoria? A Promotoria afirma que, como Serra exerce mandato no Senado, as investigações em primeira instância se restringem, em relação a ele, aos fatos apurados no ano de 2014. Os investigadores também entendem que o foro está restrito a figura do senador e não a imóveis ou ambientes onde ele atue.

A decisão de Toffoli pode abrir brechas para buscas e apreensões contra parlamentares também fora do Congresso? Para Proença, está claro que a decisão se refere ao gabinete do Senado e não a outros lugares, que ainda poderiam ser alvo de alguma medida de investigação.

Segundo o professor Fabrício Medeiros, um efeito negativo da decisão de Toffoli seria um eventual uso do gabinete para proteger provas de ilícitos.

A cientista política Carolina de Paula, pesquisadora da Uerj (Universidade do Estado do RJ), afirma que esta não foi uma decisão causuística de Alcolumbre para favorecer Serra, mas uma manifestação em relação a interferência de Poderes que reabre a questão sobre os limites da imunidade parlamentar.

A decisão de Toffoli passa a valer para outras operações ou cada caso terá de ser avaliado separadamente? Especialistas ouvidos pela Folha apontam que a decisão se restringe a um caso específico, a partir do entendimento de que quase tudo que está no ambiente parlamentar tem relação com o mandato, e que cada novo episódio deverá ser avaliado individualmente.

No STF, há a expectativa de que o despacho de Toffoli leve a corte a rediscutir a restrição do foro especial para delimitar melhor a atuação dos juízes de primeira instância em investigações que envolvem parlamentares.

Em outras operações, o STF terá de aguardar eventuais provocações da Câmara e do Senado para agir? Ou a própria defesa dos suspeitos pode provocá-lo sobre isso, usando a decisão de Toffoli como base? Segundo os especialistas, tanto as Mesas diretoras das duas Casas quanto a defesa do parlamentar acusado podem manifestar perante ao Supremo para defender o direito subjetivo de proteger o mandato.

Outras operações no Congresso também foram barradas pelo Supremo? Em junho de 2019, o plenário do STF declarou ilícitas interceptações e quebra de sigilo telefônico de senadores determinada por policiais legislativos na Operação Métis, pela ausência de autorização da corte.

Em setembro do mesmo ano, porém, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou mandados de busca e apreensão no Senado contra o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), então líder do governo Jair Bolsonaro na Casa, numa investigação sobre desvios nas obras de transposição do rio São Francisco. No mês seguinte, o ministro Celso de Mello negou um habeas corpus da defesa do senador para suspender a análise das provas.

Quais as opções em estudo no Supremo? Uma hipótese aventada nos bastidores do STF é que o tribunal obrigue os magistrados de primeiro grau a submeterem ao Supremo decisões que interfiram no exercício do mandato.

Nesse caso, a mesma regra seria aplicada para deputados estaduais, que estariam sujeitos à análise do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do respectivo estado.

A Justiça brasileira já tem, inclusive, uma figura processual que poderia ser aplicada a essas situações. O nome técnico é “cisão funcional de competência” e ocorre quando o processo tem um relator, mas uma questão incidental específica precisa ser submetida a outro órgão.

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