domingo, 19 de julho de 2020

Eliane Cantanhêde Platô no vírus e na política, OESP

O presidente Jair Bolsonaro continua sendo uma fonte de instabilidade e temos dois milhões de contaminados e perto de 80 mil mortos pela covid-19, mas o Brasil conteve a dupla escalada e – ainda que em patamares desesperadores – vai chegando a um platô na política e no vírus e é hora de deslanchar o pós-pandemia e prestigiar a força das instituições e da sociedade civil. A imagem do País esfarela mundo afora, mas é preciso reconhecer a incrível capacidade de resistência a ameaças e bravatas. 

Com Bolsonaro em fase de trégua e de quarentena, o Judiciário em recesso e o Legislativo trazendo as reformas estruturais de volta à pauta do País, vem essa sensação de platô político e de volta à normalidade, reforçada por indicadores ainda frágeis, mas em viés de alta, na economia. A situação da pandemia ainda é macabra, sem prazo para terminar, mas constrói-se união para minimizar os danos colaterais e tratar as feridas: quebradeira de empresas, milhões a mais de desempregados e o aprofundamento da miséria. 

Esse debate é possível depois da fantástica resistência aos ataques contra as instituições, a ciência e a inteligência. O Supremo liderou esse processo e, mesmo atuando no limite, às vezes balançando perigosamente para o excesso, deu a sustentação indispensável para uma reação que brotou de todos os lados e cristalizou a certeza de que o Brasil não é o melhor dos mundos, mas sabe sustentar a democracia. 

Mesmo antes de pegar a covid-19 (o que ele buscou fervorosamente), Bolsonaro já tinha parado de disparar insultos diários, atiçar as hordas golpistas, avalizar a guerra da internet contra tudo e todos, reabrindo o diálogo e as relações com os poderes. O vírus fez o resto e, com o presidente devidamente recolhido, o País passou a respirar melhor, a acordar sem tanto sobressalto. 

Antes tarde do que nunca, o governo passou a ouvir o grito estridente, ensurdecedor, dos que defendem o Meio Ambiente, descobrindo com enorme surpresa que a gritaria pela preservação não é só de ONGs, conselhos, Igreja Católica e esquerdistas. Ela veio forte de fundos de investimento internacionais, bancos e grandes empresas nacionais, ex-ministros da economia e ex-presidentes do Banco Central. 

Esse movimento estabelece, enfim, uma distinção entre a direita moderna, culta e pragmática e essa direita instalada no poder, atrasada, ignorante, com um discurso ideológico incompreensível. Pior: no ataque, agressiva, endeusando armas, guerras imaginárias, inimigos fantasmas e desmanchando tudo sem construir nada. Isso não é ser “de direita”. A direita entendeu e obrigou Bolsonaro a começar a entender. 

Assim surge a novidade: o debate sobre saídas para o País. O Congresso se reúne em torno da reforma tributária, o governo entrega na terça-feira sua proposta de simplificação de impostos, grupos e entidades civis participam do processo. Exemplo: a Liderança Pública (CLP), coordenada pelo cientista político Luiz Felipe D’Ávila, apadrinha 28 projetos essenciais, a começar das reformas. O Brasil demonstra que tem instituições, sociedade ativa, imprensa livre, e que ninguém e nenhum poder consegue impor pensamento único e ideias estapafúrdias. 

Aí entramos na Saúde. As posições de Bolsonaro sobre isolamento social, aglomerações, máscaras e cloroquina deixaram de ser só chocantes para cair num terreno onde perigo e ridículo se misturam. Os militares, se reagiram mal ao uso da expressão “genocídio”, sabem que o ministro do STF Gilmar Mendes tem razão ao alertar para a associação da imagem das Forças Armadas com uma política que custa vidas e é recriminada no mundo inteiro. É preciso bater em retirada de uma guerra perdida – e que não é sua – para a covid-19. Enquanto é tempo. 

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