Todos nos revoltamos com a cena do desembargador prepotente tentando humilhar o guarda civil santista que cumpria seu dever. Por quê?
A cultura do você-sabe-com-quem-está-falando ofende nossos pendores igualitários, particularmente a noção de que a lei vale para todos. Sim, apesar da grande dispersão nos índices de distribuição de riqueza, o ser humano é um bicho igualitário, muito mais do que os rígidos chimpanzés e até do que os mais relaxados bonobos.
Autores como Christopher Boehm e Richard Wrangham mostram de forma convincente que um dos processos fundadores da humanidade foi a autodomesticação. As sociedades de caçadores-coletores em que nossa espécie foi forjada nunca toleraram bem a tirania. Seus membros não hesitavam em formar alianças para destronar qualquer macho alfa que pretendesse virar dono do pedaço.
O objetivo inicial provavelmente era algo modesto, como garantir que a carne obtida nas caçadas fosse dividida de forma justa, mas a dinâmica produziu uma série de efeitos colaterais. De um lado, valentões incorrigíveis e psicopatas foram eliminados fisicamente —e seus genes excluídos do pool da humanidade. De outro, indivíduos com pendores dominantes aprenderam a exercer o autocontrole. Desse processo teriam surgido não apenas nossa consciência moral como a nossa incrível capacidade de colaborar uns com os outros.
Se somos assim tão igualitários, como explicar a existência de tantas monarquias e castas sociais? Com o advento da agricultura, as sociedades se tornaram bem maiores e mais complexas, o que requeria um comando mais centralizado. Foi aí que inventamos os reis e ressignificamos a hierarquia. Mas o impulso igualitário nunca foi esquecido, tanto que, mais tarde, acabamos criando a República, democratizamos monarquias e, mais importante, nos preocupamos com a desigualdade —algo que nunca ocorreria a um chimpanzé.
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