quinta-feira, 23 de julho de 2020

A proposta de reforma tributária do governo, OESP

Celso Ming, O Estado de S.Paulo

22 de julho de 2020 | 17h53

É um equívoco cobrar maior abrangência do projeto de reforma tributária do governo federal. A proposta é propositalmente limitada, que é para não assustar ou, então, para dar ideia da complexidade do que seria uma reforma como ela deve ser.

Desta vez, o governo não foi além da ideia de unificar dois tributos federais, o PIS e a Cofins, num único que agora vem com a denominação de Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS).

Não tem nada a ver com o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), como alguns se apressaram em afirmar. Além da simplificação e da eliminação de inúmeros regimes especiais, tem dois grandes méritos. O primeiro permite que a CBS recolhida pelos fornecedores (e que vai para o preço) seja descontada ou sirva como crédito no pagamento do tributo na etapa seguinte. O outro é o que acaba com a maroteira da cobrança “por dentro”, ou seja, de calcular o imposto não apenas sobre o preço, mas sobre o preço acrescido do próprio tributo, a indecência tributária que o consumidor vê acontecer na conta de luz. 

Paulo Guedes
Guedes disse que o próprio governo prejudicou o avanço da reforma tributária. Foto: Adriano Machado/Reuters

A decisão dessa fusão prevê trâmites menos complicados porque dispensam reforma da Constituição. Mas as pauladas mais dolorosas ainda não aconteceram. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê outras quatro: a reforma do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que poderá se transformar em IVA do governo federal; a eliminação de descontos do Imposto de Renda, como despesas com saúde e educação; a taxação de dividendos, que pretende acabar com a pejotização (contratação de funcionários transformados em empresas pessoais), mas também torpedeia a renda de profissionais liberais, terapeutas, arquitetos e consultórios médicos; e a tal taxação do comércio eletrônico, cujo objetivo declarado é substituir os encargos trabalhistas, com objetivo de desonerar a folha de pagamentos das empresas. E é nesse último item que aparece a ameaça da CPMF com outro rótulo.

A suposta simplicidade da proposta não elimina importantes fontes de encrenca e de dúvida. A primeira delas é o tamanho da alíquota a ser cobrada, alta demais: 12%. A principal vítima será o setor de serviços, responsável por 70% do PIB. E, nesse conjunto, estão os negócios que hoje recolhem impostos com base no lucro presumido, que não tem como aproveitar o crédito tributário. É paulada de 12%. (Hoje, recolhe 3,65%.)

A tributarista Elisabeth Libertuci adverte que será inevitável o aumento de custos da construção civil, grande fornecedora de empregos. Ou seja, de cara, apartamento na planta pode ficar mais caro e isso será importante limitador do mercado, especialmente agora que o consumidor está prostrado pela perda de emprego e de renda. Mas construção civil é muita coisa: são obras de grande porte, construção de armazéns, de fábricas, instalação elétrica, reformas em geral, etc.

Vem sendo criticada a imposição de uma alíquota intencionalmente reduzida (de 5,8%) para os bancos. A razão técnica é a de que não há como uma instituição financeira, incluídas aí as seguradoras, possa tirar proveito do crédito do tributo, porque o setor não trabalha com faturamento, e sim com spread, que é a diferença entre o custo da tomada de um empréstimo (ou do prêmio de seguro) e o retorno de financiamento (ou da indenização da seguradora), operações sujeitas a prazos díspares. Daí a espécie de compensação antecipadamente proporcionada ao setor. Mas se os bancos podem ter essa compensação, por que as empresas tributadas pelo lucro presumido e a construção civil não têm?

Os artigos da cesta básica, hoje isentos, passam a ser alcançados. O governo explica que vem aí a Renda Brasil para compensar isso. A ver. Dois segmentos carregados de subsídios altamente questionáveis ficaram de fora: o regime do Simples e a Zona Franca de Manaus. Por quê?

Os problemas não se restringem apenas ao varejo nas mudanças propostas pelo governo. Há em tramitação mais dois projetos de reforma tributária, um na Câmara e outro no Senado. A mudança proposta mexe diretamente com as que estão sendo examinadas no Congresso. “Essa alíquota de 12% fica alta demais levando-se em conta o conteúdo dos outros dois projetos de reforma”, adverte Elizabeth Libertuci.

Por aí se vê que parece impossível manter tramitações independentes, sem sintonizar o projeto do governo não só com os dois em tramitação na Câmara e no Senado, como também com as outras rodelas do salame tributário que o governo está elaborando.

E vá saber o tamanho do bode que o governo acaba de meter dentro da sala para, lá pelas tantas, tirá-lo de lá.

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