Uma das consequências da Lei das Fake News que foi aprovada no Senado e segue tramitando na Câmara é que a sociedade civil rachou. Boa parte das pessoas que estudam redes sociais, desde o início, viu ali a abertura para um risco de censura pelas plataformas — Facebook, Twitter, Google. Mas houve um grupo bastante específico, aquele dos que estudam não as redes, mas os apps de mensagens, que defendeu o projeto. E eles têm um bom argumento.
De certa forma, quando o assunto é desinformação, damos atenção excessiva às redes sociais. Elas são importantes mas, no Brasil, central mesmo é o WhatsApp. Boa parte do trabalho do gabinete do ódio, da máquina de ataques, explora as fragilidades deste aplicativo. Trata-se, evidentemente, do app utilizado para a comunicação básica do dia a dia por dez entre dez donos de smartphones entre nós. E o artigo 10 da lei aprovada, que fala destes serviços de mensageria, pode ter chances de funcionar.
É inteligente o suficiente para não exigir das plataformas — que incluem apps como o Messenger e o Telegram — mudanças de código que expulsem suas empresas do mercado brasileiro. O artigo não exige que a criptografia do Zap seja quebrada. E, ainda assim, é capaz de identificar quem disseminou informações que manipulam a percepção de realidade de cada cidadão.
Estes são, todos, pontos muito importantes, pois acertam em cheio os argumentos sobre ser impossível controlar estes apps. Oficialmente, o que executivos do WhatsApp dizem, no Brasil e lá fora, é que eles não são serviços de broadcast. Servem a conversas entre poucos. E têm números — mais de 90% das trocas de mensagens ocorrem entre duas pessoas.
O problema é que há um certo cinismo neste discurso. Ninguém pode criar um serviço de assinatura de informações. Assine aqui e enviaremos notícias, piadas, imagens, seja lá o que for. Mas o WhatsApp inclui, entre as possibilidades, grupos de conversas e listas de transmissão. Uma pessoa envia uma mensagem para uma lista de transmissão com 256 contatos e cada um destes contatos reenvia para uma lista do mesmo tamanho, já dá 65 mil pessoas que receberam em segundos um meme. Na segunda rodada, já passa do milhão.
Quem lê gabinete do ódio por vezes pensa em um ou dois assessores na antessala do presidente Jair Bolsonaro. É muito mais do que isso. Na primeira hora após o assassinato da vereadora Marielle Franco, antes que a maioria das pessoas sequer soubesse do crime, já circulavam no Zap falsificações a seu respeito. Qualquer um que tenha frequentado um grupo bolsonarista sabe que há dezenas de áudios, de memes, de vídeos novos todos os dias. Sobre os assuntos do dia, sobre os inimigos do dia. A máquina não para.
Encriptação não é um problema por uma razão simples. Os arquivos maiores que circulam muito, vídeos, áudios ou mesmo algumas imagens, não são encriptados como as mensagens de texto. São armazenados nos servidores do WhatsApp. Quem encaminha não envia do seu celular para outro aquele arquivo pesado. Para economizar banda e processamento, estes arquivos o WhatsApp já mantém nos servidores. E é nisto que o texto do artigo entra.
Como já são armazenados de qualquer forma, a lei pede que as empresas de mensageria mantenham o registro de quem enviou consigo. Vale para quando uma mesma mensagem foi mandada por mais de cinco usuários num intervalo de 15 dias. Se aquele arquivo chegou a menos de mil pessoas, descarta. Caso tenha chegado a mais gente, se um juiz pedir para saber a origem da mensagem em processo que envolve conteúdo ilícito, aí a empresa identifica.
Este é, possivelmente, o artigo mais importante da lei inteira. E pode funcionar.
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