sábado, 2 de maio de 2020

Mudanças virão. Mas quais e quando? Celso Ming (bússola)

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
02 de maio de 2020 | 09h54


Alguns comentaristas têm observado que, uma vez passada esta crise do coronavírus, nada será como antes. É conclusão apressada, em alguma proporção destituída de sentido de realidade.
Esta não parece ser a maior nem a mais letal das pandemias que atacaram o Planeta. No passado, a partir das consequências produzidas pela peste negra, pela sífilis, pela febre amarela e, até mesmo, pela gripe espanhola, para o bem ou para o mal, alguma coisa sempre se transformou, mas não a ponto de trocar drasticamente o paradigma, como dizem para o que virá desta vez. Passada a tempestade, nem sempre vem apenas a bonança. Podem vir outras coisas, inclusive a enchente.
Uma crise como esta é sempre uma boa oportunidade para alterações de rumo, mas não se pode desprezar a força das mazelas que sempre acompanharam a trajetória do animal humano. Mas, ainda assim, alguma coisa vem para ficar ou, então, virá para produzir uma mudança já em curso, que deverá ganhar velocidade.
Nem sempre se pode prever a direção que irá tomar. Os dirigentes da indústria automobilística, por exemplo, sentem que a tendência é a de uma curva fechada logo aí, mas não sabem quando acontecerá nem com que intensidade. Por essas e outras, a Fiat resolveu consultar os antropólogos, como foi noticiado na semana passada.
As transformações a que vinham sendo submetidas as relações de trabalho deverão agora se intensificar. Como já vinha sendo observado nesse campo, a questão mais grave é o aumento do desemprego, num ambiente de utilização intensiva de tecnologia poupadora de mão de obra.
Parece cada vez mais inevitável a adoção de sistemas de renda mínima destinados a reduzir o impacto da dispensa de mão de obra sobre o poder aquisitivo do consumidor. O diabo é que programas como esse implicam disponibilidade de recursos públicos. E, no entanto, os Tesouros, que já vinham sendo moídos, hoje são quase só bagaço. 
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Investir no trabalho de casa pode significar redução de despesas para empresa, como transporte para funcionários e menores áreas para escritório Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/4/2020
A não novidade mais comentada é a cada vez maior adoção do trabalho em casa. Isso pode não valer para as linhas de produção ou para a prestação de serviços pessoais, mas será cada vez mais demandado para outras formas de trabalho. A experiência do confinamento mostrou que o home office tem tudo para ser mais praticado, mesmo em tempos normais. Algumas modificações na legislação e nos acordos sindicais serão inevitáveis. Esse sistema não pode, por exemplo, manter a adoção de cargas rígida de trabalho, com a “bateção” de ponto, contagem de horas extras e prática de banco de horas, porque não são procedimentos sujeitos a controles diretos. A generalização de sua adoção obrigará maior abertura dos arquivos da empresa e a interconexão confiável entre sistemas de informática. A nova prática pode, também, dispensar enormes áreas de escritório, reduzir despesas com condução e com restaurante interno. Mas aparecerão outras despesas necessárias para garantir eficácia ao trabalho fora da sede da empresa.
A arquitetura das residências deverá prever novas áreas específicas de trabalho e a instalação de aparelhos inteligentes, cujo uso será intensificado com a chegada da conexão 5G. Enfim, parece inevitável a readaptação dos espaços interiores e a redefinição das áreas de convivência urbana. 
Outra experiência desses tempos de isolamento que produzirá repercussões é a do ensino em casa. As crianças e os jovens foram confinados abruptamente em suas residências, o que prejudicou a programação de estudos do ano. Mas fica a abertura para maior utilização do sistema que os anglófonos chamam de homeschooling. Isso começou lá atrás com os tais cursos por correspondência e agora pode ganhar novos incrementos com videochamadas e outros recursos digitais.
Não é demais repetir o que já ficou dito em outras oportunidades. O comércio eletrônico e as práticas de delivery devem agora se intensificar. As redes comerciais que não se prepararem para a adoção desses serviços correm o risco de perder participação de mercado. Os shopping centers já vinham sentindo essa quebra de rumo bem antes do coronavírus. As lojas estão se transformando em showrooms. Como as vendas são finalizadas pela internet, a participação dos shoppings no faturamento das lojas já vinha caindo. É uma relação que terá de ser repensada. Nem tudo num shopping pode ser transformado em lazer e praça de alimentação.
Enfim, há pela frente um mundo de novidades em potencial. Falta saber como e quando acontecerão.

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