Quando a conceituada Clínica Mayo suspendeu todos os tratamentos médicos não emergenciais no fim de março, começou a perder milhões de dólares por dia. A clínica, com sede em Minnesota, sempre teve como clientes presidentes americanos e dignitários estrangeiros, mas sua receita despencou uma vez e teve de adiar cirurgias lucrativas para atender vítimas do novo coronavírus. A rede contabilizou uma receita operacional líquida de US$ 1 bilhão no ano passado, mas a previsão para 2020 é de uma perda de US$ 900 milhões, mesmo depois de demitir funcionários, reduzir salários de médicos e suspender novos projetos de construção.
O futuro não oferece boas perspectivas, pelo menos até a pandemia arrefecer e a economia se recuperar. A clínica dependerá muito de pacientes de baixa renda inscritos no Medicaid e, por outro lado, demais pacientes devem hesitar viajar pelo país, ou vir de outros países, para se tratarem ali. “É uma situação incontrolável”, disse Dennis Dahlen, diretor financeiro da clínica.
Durante anos o sistema de saúde americano ofereceu a muitos hospitais um manual de estratégia claro para lucrar: oferta de cirurgias, exames de imagem e outros serviços muito bem reembolsados para pacientes com seguro saúde privado cujos planos pagam valores mais altos do que sistemas públicos como o Medicare e Medicaid.
A epidemia do novo coronavírus mostrou as vulnerabilidades desse modelo, com os procedimentos cancelados, exames adiados e milhões de pessoas agora desempregadas perdendo o plano de saúde bancado pelas empresas enquanto trabalhavam.
“A assistência médica sempre foi vista como à prova de recessão, mas não à prova de uma pandemia”, afirmou David Blumenthal, presidente do Commonwealth Fund, organização de pesquisa do setor de saúde. “O impacto econômico, somado ao medo do coronavírus, terá um efeito tão desastroso sobre o sistema de saúde como jamais vi em toda a minha vida”.
A interrupção das operações hospitalares acabará deixando os americanos com menos acesso a tratamento médico, segundo analistas financeiros, economistas e especialistas políticos. Hospitais em dificuldade devem fechar ou excluir departamentos menos lucrativos. Alguns recorrerão a fusões com concorrentes próximos ou venderão cadeias de hospitais maiores. “É uma enorme ameaça à nossa capacidade de oferecer serviços básicos”, disse Blumenthal.
Os hospitais vêm perdendo um valor estimado de US$ 50 bilhões por mês, segundo a American Hospital Association. E 134 mil funcionários do setor estão entre os cerca de 1,4 milhão de trabalhadores da área da saúde que perderam seus empregos no mês passado, segundo dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho. Em todo o país, os hospitais registram entre 40% e 70% menos pacientes desde o fim de março até início de maio, muitos deles com datas marcadas para cirurgias ortopédicas ou exames radiológicos, que são procedimentos que geram lucro para os hospitais.
O declínio afeta grandes hospitais de elite, como a Clínica Mayo e a John Hopkins – que calcula uma perda de quase US$ 300 milhões até o próximo ano e já adotou programas de redução de gastos – mas também hospitais suburbanos e pequenas clínicas da zona rural que já passavam por apuros financeiros.
Lifespan Health, uma rede de cinco hospitais em Rhode Island, adiou uma planejada construção de um novo centro de saúde. Em Wyoming, o hospital Weston County Health Services, que conta com 12 leitos, só tem dinheiro suficiente para se sustentar por mais 16 dias e os executivos estão pensando em fechar o pronto-socorro.
Hospitais com grandes números de pacientes de coronavírus dizem ter sido fortemente afetados, uma vez que contabilizaram enormes gastos com a compra de equipamentos de proteção e aumento de funcionários, ao mesmo tempo que os serviços que prestam, mais lucrativos, ficaram paralisados. Os pacientes de coronavírus permanecem no hospital por longo tempo em unidades de terapia intensiva, exigindo equipamentos caros como ventiladores e cuidados de múltiplos especialistas.
“Começamos a encomendar tudo a um ritmo louco. Os custos às vezes eram dez, ou 20 vezes maiores do que o normal. E tivemos de correr pelo mundo para conseguir os suprimentos médicos”, explicou Kenneth Raske, presidente da Greater New York Hospital Association.
Sua organização estima que, em toda a cidade de Nova York, os grandes centros médicos universitários perderam entre US$ 350 milhões e US$ 450 milhões cada um no mês passado. Ao contrário dos hospitais que combatem surtos menores do coronavírus, eles não podem demitir os funcionários para compensar o declínio. “Em termos de cuidados dos pacientes, nossos hospitais fizeram a coisa certa. Mas com isso ficou problemáticos conseguirmos nos sustentar”.
Durante a recessão de 2008, hospitais sem fins lucrativos registraram um aumento de 7% das receitas vindas do Medicaid, segundo a agência Moody’s, uma possível prévia das mudanças que deverão ocorrer.
Minnesota espera matricular mais 100 mil moradores que estão no Medicaid no próximo ano. No plano nacional, o Urban Institute, sem fins lucrativos, projeta entre oito e 15 milhões de novos registros no Medicaid, entre as pessoas que perderam o seguro privado pago pela empresa por terem sido demitidas. E mais cinco a dez milhões de americanos que perderam seu plano privado devem adquirir um plano de saúde individual previsto no Obamacare, ou recorrer a outras fontes de seguro privado.
A Clínica Mayo espera receber mais pacientes segurados publicamente no segundo semestre de 2020, embora não tenha registrado um aumento agora. Dahlen, o diretor financeiro da clínica, disse que “provavelmente veremos uma mistura de clientes locais e pessoas vindas de uma distância de 160 quilômetros".
Como outras grandes redes de assistência médica, a clínica possui reservas em dinheiro e acesso a crédito. E planeja compensar o déficit recorrendo à reserva de dinheiro e investimento de US$ 10,6 bilhões que acumulou durante décadas de lucratividade.
Hospitais independentes que já estão em situação ruim e sem estofo financeiro têm um risco maior de eliminar serviços ou fechar completamente as portas.
O governo reservou US$ 12 bilhões de auxílio para hospitais que tratam 100 ou mais pacientes de coronavírus, para compensar os altos custos de tratamento das pessoas cuja estadia num hospital pode durar semanas. Parte desse financiamento irá para o Providence Health System, que conta com 51 hospitais, incluindo o de Seattle, que registrou o primeiro caso confirmado de coronavírus nos Estados Unidos. O hospital tratou 1.200 pacientes com covid-19 e os dirigentes afirmam que, mesmo com os dólares do governo federal, o Providence ainda registrou um prejuízo de US$ 400 milhões em abril.
“Estamos nesta situação há muito mais tempo porque Seattle foi um foco da pandemia. Cancelamos cirurgias eletivas antes mesmo da ordem do governo. E tivemos um número grande de pacientes exigindo mais suprimento médico, isolamento e serviços de enfermaria. Nossos custos trabalhistas dispararam”, afirmou Ali Santore, vice-presidente do hospital para assuntos governamentais. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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