Tributo teria sido bom para o Brasil dos nossos avós
A prioridade indiscutível da reforma da Previdência tem desviado a atenção de outra igualmente relevante: a tributária. Fora dos holofotes da imprensa, os debates no Congresso sobre as mudanças necessárias em nosso sistema de arrecadação de impostos ignoram a realidade da economia contemporânea.
O diagnóstico de que é preciso eliminar impostos injustos e ineficientes, responsáveis por minar a competitividade das empresas, está correto. A questão é identificar a melhor receita para enfrentar o problema.
A proposta que está na mesa mira algo equivalente ao IVA, um imposto sobre o valor agregado das transações. Este teria sido um bom imposto para o Brasil dos nossos avós. Ele pressupõe uma economia linear, típica de meados de século passado, que está desaparecendo.
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O mundo e o Brasil mudaram. Hoje, a oferta e a demanda refletem uma miríade de microtransações fragmentadas, muitas das quais estão além do alcance de um imposto como o IVA. Com uma economia cada vez mais uberizada, não faz sentido se cogitar uma tributação dos tempos das charretes.
O custo da evidente obsolescência de um imposto sobre valor agregado seria elevado. Ele manteria a carga fiscal concentrada nos setores formais da economia, quando as transações se multiplicam nos ambientes eletrônicos, onde informalidade não é incomum.
É por isso que, em linha com os trabalhos acadêmicos de Marcos Cintra, lanço aqui a ideia de um e-tax —um imposto com uma alíquota baixíssima que, no entanto, poderia aumentar a arrecadação ao incidir sobre uma base universal.
Não é o momento, ainda, de definir a alíquota ideal. Como ordem de grandeza, se fosse de até 0,3%, por exemplo, o e-tax substituiria com vantagens os impostos mais burocráticos e sonegados, como ICMS. Uma alíquota de cerca de 2,5% seria suficiente para substituir todos os impostos.
O e-tax é um jogo de ganha-ganha. Ganham os contribuintes, porque pagam menos. Ganha o governo, pois arrecada mais. Ganha o mercado, ao se livrar da concorrência iníqua que pune os pagadores de impostos. Ganha o país, com a melhora substancial do ambiente de negócios.
O Brasil já ultrapassou o ponto crítico de saturação acima do qual qualquer elevação de alíquota de impostos implicará apenas mais sonegação. A carga fiscal a que estão submetidos aqueles que produzem dentro dos parâmetros da formalidade é desencorajadora do empreendedorismo.
Na prática, o peso dos impostos é ainda maior do que indicam os dados oficiais. Se essa carga fosse equivalente a cerca de um terço do PIB, como estima o Tesouro, já seria excessiva. Mas a realidade é que ela é ainda maior para os que operam dentro da legalidade. Se apenas esses contribuintes fossem levados em conta, a proporção subiria para algo em torno de 37%.
Não espanta, portanto, que haja no Brasil um oceano de clandestinidade. A sonegação ultrapassa os R$ 400 bilhões por ano —quase a metade do que se pretende economizar em dez anos com a reforma da Previdência.
Pois toda essa economia submersa viria à tona com um imposto automático e não declaratório como o e-tax, que incidiria sobre todas as transações. A tecnologia está disponível —basta querer usá-la. A cobrança seria feita a partir do fluxo de caixa eletrônico no sistema bancário, substituindo a pesada estrutura de arrecadação.
O nosso sistema tributário é socialmente injusto e concentrador de renda. Cobra mais, via impostos indiretos embutidos em produtos de consumo, de quem ganha menos.
O e-tax corrigia essa regressividade. O imposto proposto seria neutro da perspectiva de distribuição de riqueza. Quanto à progressividade, deveria se concentrar na outra ponta do sistema tributário —o dos gastos viabilizados pela arrecadação.
O tempo do IVA passou. O mundo moderno exige um e-tax. O Brasil está entre uma reforma anacrônica e uma revolução tributária de verdade. Cabe ao Congresso entregar o que a sociedade precisa e merece.
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